São Paulo – Nem políticos ou partidos da oposição. Foi o juiz Sergio Moro, da 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba (PR), que protagonizou a aclamação unânime dos manifestantes dos atos contra o governo Dilma do último dia 13, os maiores já registrados da história do Brasil.
Se as eleições
presidenciais fossem hoje, Moro ficaria em quarto lugar com 8% dos
votos, segundo levantamento do Instituto Datafolha entre os dias 17 e 18
de março.
Em termos
práticos, ele deixaria pra trás veteranos da política como o senador
José Serra (PSDB), o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC) e o
governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB).
Apesar
do elevado apoio popular, Moro não gera consenso entre a própria classe
que representa. Para um grupo de juristas, apesar de eficazes, algumas
das práticas do juiz na condução da Lava Jato são questionáveis. Entenda quais são elas:
Grampos
A
última saraivada de críticas veio depois que Moro retirou o sigilo de
interceptações telefônicas que mostravam diálogos entre o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva e autoridades que detêm foro privilegiado,
entre elas a presidente Dilma Rousseff.
Para
juristas consultados por EXAME.com, Moro não tinha competência jurídica
para deliberar sobre conteúdos que envolvam personalidades com foro
especial. Na prática, caberia somente ao Supremo Tribunal Federal (STF)
julgar esses casos.
“Não é
ilegal em si a captação da conversa da presidente”, afirma Heloísa
Estellita, professora da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas
(FGV). “Notando que isso aconteceu, o que ele tinha que fazer era mandar
os autos para um juiz competente que, então, tomaria as decisões
adequadas”.
Além da questão
do foro especial, os especialistas afirmam que Moro também errou ao
liberar o sigilo de gravações que não tinham relevância com o processo –
como a conversa entre Lula e o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo
Paes, ou o diálogo entre Marisa Letícia, esposa do ex-presidente, e o
filho, Fábio Luiz.
“A lei é
clara: toda interceptação demanda sigilo. Quando o conteúdo é inútil,
não tem qualquer relação com o processo, deve ser inutilizado,
destruído. A divulgação constitui crime”, afirma o advogado Luiz Flávio
Gomes, presidente do Instituto Avante Brasil.
Segundo
os juristas, a mesma providência deveria ter sido tomada com relação à
gravação da conversa entre a presidente Dilma e o petista, ocorrida duas
horas depois que o juiz Sérgio Moro determinou a suspensão dos grampos
sobre o petista.
Thaméa Danelon Valiengo, procuradora da República com atuação no Núcleo de Combate à Corrupção do Ministério Público, discorda.
“Quando
o juiz determina que se parem as interceptações, há um delay (demora)
no tempo que existe para comunicar as empresas também. A partir do
momento que a empresa recebe o comunicado, é preciso interromper
imediatamente. Então tudo que é captado é considerado válido, não há
dúvida”, afirma.
Segundo
informações do jornal O Estado de S. Paulo, a operadora de telefonia
Claro recebeu e-mail com a decisão de Moro às 12h46, mas cumpriu a
determinação às 23h33 do mesmo dia 16 de março.
Condução coercitiva
A
condução coercitiva de Lula, no dia 4 de março, também foi alvo de
críticas de um grupo considerável de juristas. Até autoridades, como o
ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello, manifestaram
seu descontentamento com a ação.
O
coro é unânime ao afirmar que a condução coercitiva só é válida se o
investigado ou a testemunha for notificado do pedido de depoimento e se
recusar a depor. Algo que, no âmbito da Lava Jato, não aconteceu com o
ex-presidente.
“A condução
coercitiva é o último recurso. Não é o padrão, não é o comum. Ninguém
intima para comparecer imediatamente”, afirma Alamiro Velludo Salvador
Netto, professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP).
Desde
a primeira fase da operação, em março de 2014, foram realizadas 117
conduções coercitivas. O argumento do Ministério Público Federal é de
que a medida visava a segurança do próprio ex-presidente.
“Assim,
para a segurança pública, para a segurança das próprias equipes de
agentes públicos e, especialmente, para a segurança do próprio senhor
Luiz Inácio Lula da Silva, além da necessidade de serem realizadas as
oitivas simultaneamente, a fim de evitar a coordenação de versões, é que
foi determinada sua condução coercitiva”, afirma nota do MPF sobre o
assunto.
Apesar de
amplamente criticada, a decisão de Curitiba é endossada por procuradores
da República. Para Thaméa Valiengo, o método conta com as devidas
restrições, já que toda decisão judicial tem que ser devidamente
justificada.
Para a
procuradora, além de uma tentativa de manter a segurança de Lula e
evitar manifestações, foi agravante para o pedido o fato de que por duas
outras vezes o ex-presidente foi intimado pelo Ministério Público de
São Paulo para depor em investigação do caso da Bancoop, mas não
compareceu.
“Corrupção é um
crime de difícil prova física, então a investigação precisa ser mais
sofisticada. A coleta de provas não é clara como a de homicídios”,
afirma. “Não há constrangimento, pois há uma cautela para decidir pela
prisão de alguém. Nada é pedido indiscriminadamente”.
Para
a procuradora, a maior prova de que a ação foi correta foram os
confrontos violentos entre opositores e apoiadores de Lula. Caso a
prestação de esclarecimentos fosse previamente agendada, os conflitos
seriam muito mais intensos, segundo ela
.
Delação premiada e prisões preventivas
A
Lava Jato é a primeira grande investigação do Brasil a usar
sistematicamente a delação premiada como instrumento de apuração – a
prática só foi regulamentada em agosto de 2013. O resultado: sobraram
dúvidas e críticas entre os advogados de defesa envolvidos no caso.
“Falta
um regramento legal mais detalhado do processo de negociação. Não
existe, é uma coisa obscura”, afirma o advogado Rogério Taffarello,
membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Ele
responde pela defesa do engenheiro Shinko Nakandakari, apontado como um
dos operadores do esquema de corrupção da Petrobras, e do executivo
Salim Schahin, acionista do grupo Schahim. Ambos fecharam um acordo de
colaboração com a Lava Jato.
Recentemente,
foi apresentado na Câmara um projeto de lei para regulamentar as
colaborações. O texto assinado pelo deputado federal Wadih Damous (PT)
foi encaminhado à CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) e
aguarda a nomeação das comissões para tramitar.
A
principal medida seria proibir as delações de acusados presos, que, de
acordo com o parlamentar, fechariam acordos com o MPF sob coação.
“A
Lava Jato adquiriu o hábito de obter a delação prendendo: deixam o
acusado mofando na cadeia e quando fecha a delação ele é imediatamente
solto”, afirma o deputado.
Apesar
de defender a colaboração premiada como instrumento jurídico, Davi
Teixeira, professor da Faculdade de Direito da USP, concorda com as
críticas do deputado.
“Prende-se
para obter a delação. Feita a delação ocorre um ato mágico: todos
aqueles falsos pressupostos para a prisão somem. Isso é totalitário. Não
é um direito penal democrático”, diz o especialista, que já defendeu o
lobista Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, no caso.
A
procuradora Thaméa Valiengo, porém, rebate as acusações. “Qualquer
prisão é decretada por outros motivos, como risco de fuga, intervenção
na investigação do crime”, afirma a procuradora. “Em última instância,
há o direito de permanecer calado”. Via de regra, diz ela, os casos de
colaboração partem da defesa.
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