São Paulo — O PT vai conseguir
se manter no poder sem o apoio do PMDB? Para o cientista político
Fernando Limongi, da USP, não. Sem esse apoio, os petistas não vão
conseguir frear o impeachment de Dilma Rousseff.
Para Limongi, A sobrevivência do PT está em risco, o PSDB
perdeu a liderança da oposição e é difícil compreender de onde vem a
intolerância presente na direita e na esquerda. Acrescente a isso a
crise econômica, as denúncias de corrupção e os protestos de rua e o
país fica diante da maior crise desde a redemocratização.
Nesta
entrevista a EXAME, Limongi aborda também a nomeação de Lula para a
Casa Civil, a condução da operação Lava-Jato por Serio Moro e o temor
(infundado para ele) de golpe militar.
EXAME — Esta é a mais grave crise política da história recente no Brasil?
Fernando Limongi — Sem dúvida, é a maior crise desde a redemocratização. O impeachment
de Collor se resolveu de forma relativamente rápida e quase unânime.
Esta é uma crise marcada por alta polarização e radicalização,
comparável à dos anos sessenta. Naquela época, no entanto, a guerra fria
fornecia o combustível que alimentava o conflito. Hoje, não há tanta
coisa em jogo.
É difícil
entender de onde vem tamanha intolerância de parte a parte. O
combustível maior talvez venha da diminuição do horizonte temporal com
que os políticos começaram a se mover. A Lava Jato colocou em risco a
sobrevivência política do PT e de lideranças chaves do PMDB (Cunha e
Renan, por exemplo).
A força
das manifestações de rua pôs o PT na berlinda, mas também se constituiu
em uma ameaça ao PSDB, que perdeu sua condição de líder da oposição. Os
organizadores dos protestos de rua, sobretudo os membros do MBL,
rejeitaram explicitamente qualquer aproximação com o PSDB e optaram por
se aproximar de Eduardo Cunha que contava também com a simpatia de
setores empresariais.
Mas,
Cunha, como o PT e o PSDB, também teve que encurtar seu horizonte e,
denunciado na Lava Jato, passou a lutar por sua sobrevivência,
reforçando as ameaças sobre o governo. Ou seja, o que alimenta a crise é
que partir para o confronto para sobreviver passou a ser a estratégia
dominante de todos os atores políticos relevantes. Vozes e ações em
favor da moderação acabam silenciadas.
Lula tem força política para influenciar a fragmentada aliança governista? O que ele vai oferecer aos deputados?
Nos
setores governistas, parece-me que Lula é o único que entende que as
chances do governo passam por alargar suas bases, recuperar as alianças
que sustentaram o PT no poder desde a eleição de 2002 e, mais
decisivamente, a partir de 2010.
Se
o PT não recuperar o apoio do PMDB, o impeachment se torna inevitável.
Lula foi claro no seu discurso na avenida Paulista: só faz sentido ir
para o governo se for para fazer renascer o Lulinha Paz e Amor. Sem paz e
amor o partido vai continuar isolado e a sua situação não muda.
Pelo
que as gravações disponibilizadas por Moro deixam entrever, a liderança
partidária pensa de modo diferente, acreditando que Lula poderia ser
capaz de liderar uma reação, de comandar e vencer um confronto. E se for
para o confronto, o governo perde.
Aliás,
este foi o grande erro do governo, o que o colocou nessa situação, a
sua incapacidade de perceber que partir para o confronto, se isolar, era
o caminho mais certo para a derrota. As oposições anunciaram sua
estratégia já no início do governo: buscar razões que permitissem propor
o impedimento da presidente.
A
crise econômica, a primeira saraivada de denuncias de corrupção na
Petrobras e os protestos nas ruas levaram o governo às cordas. Mas lá
por maio/junho o governo recobrou parcialmente suas forças ao trazer
Temer para a articulação política. Dar força e apoio a Levy e a Temer
era a forma de recuperar a base de apoio do governo, tanto junto ao
“mercado” quanto no Congresso.
Mas
essa alternativa acabou inviabilizada — em parte pelas resistências do
PT em aceitar a mudança da política econômica e de outra parte pela
falta de confiança em Temer. Desde então, o governo não consegue segurar
o apoio dos congressistas. Cunha, sem dúvida alguma, contribuiu
decisivamente para dificultar a vida de Levy e de Temer.
Mas
o fato é que o PT entendeu mal a situação difícil em que se encontrava e
setores do partido contribuíram decisivamente para o enfraquecimento do
governo. Para muitos, a prioridade era parar a Lava Jato e retomar as
políticas econômicas pró-crescimento.
Na
berlinda, precisando de apoio, o governo não parou de ser alvo do fogo
amigo. Faltou convicção no apoio a Levy. Era tudo que a oposição queria
ouvir. Mas, voltando a Lula, sua posição é bastante delicada. As
gravações liberadas por Moro minaram sua credibilidade. É difícil que
ele consiga reconstruir a ponte com o PMDB e com os demais partidos da
base.
O governo Dilma
deve adotar uma agenda econômica próxima daquela implementada por Lula
em seus dois mandatos. Esse tipo de iniciativa será capaz de tirar o
país da crise econômica?
Os
primeiros anos de Lula à testa do governo foram anos de respeito total
aos ditames da ortodoxia. Marcos Lisboa foi o homem forte do ministro
Palocci. Somente após a crise de 2008 o PT passa a ensaiar passos na
direção de um expansionismo fiscal e coisas desse tipo.
Não sou economista, mas não me
parece que exista qualquer chance de que políticas desse tipo sejam bem
sucedidas. Do ponto de vista da politica econômica, o PT está no ponto
em que estava quando Lula tomou posse em 2002. Só há uma alternativa:
seguir o que manda a ortodoxia. Qualquer ensaio heterodoxo será
interpretado como uma prova adicional da irresponsabilidade fiscal
atávica do PT
Como o senhor avalia a condução da Lava Jato e a atuação do juiz Moro?
Como
disse, não sou jurista e li muitas opiniões desencontradas sobre os
atos de Moro. Difícil manter a imparcialidade nessas horas. Era possível
antecipar a posição da maioria dos juristas ouvidos pela grande
imprensa.
Os de oposição não
viram problemas na ação de Moro. Os alinhados com o governo viram a
marcha do golpe e da ilegalidade. As posições que me pareceram mais
isentas e mais bem fundamentadas foram críticas às decisões de Moro. O
editorial da Folha de S.Paulo condenando a ação de Moro me pareceu
equilibrado, baseado em argumentos razoáveis e convincentes.
Alguns
fatos muito básicos vão nessa direção. Até o momento, o público só
sabia de gravações por meio de vazamentos. Moro assumiu a
responsabilidade de liberar as gravações que ele próprio havia mandado
encerrar — e que envolviam a Presidente.
A
justificativa, desculpem-me, beira o ridículo. Mesmo que se aceite que
Lula foi nomeado apenas para fugir da jurisdição de Moro, qual o
problema? A ordem pública foi ameaçada? Se Moro queria cumprir uma
função didática, porque não poderia esperar? Por que Moro teria de
impedir a posse de Lula?
Só
há uma explicação: Moro não confia no Supremo. Moro, implicitamente,
desrespeitou o Supremo e disse à opinião púbica que ele há de ser o
único carrasco dos corruptos.
Gilmar
Mendes foi ainda mais inconsistente em sua decisão, posto que a
sustentou dizendo que houve deliberada intenção de escapar de uma
instância inferior buscando guarida na superior. Como assim? Não é a
superior a que se recorre? Gilmar não é membro do STF?
Voltando
a Moro. Quem libera gravações telefônicas da Presidente da República
não teme ninguém. Moro se colocou acima da lei ao invocar o interesse
público para dar publicidade as gravações. Esse tipo de alegação é
conhecido. Não foi assim que o PT justificou seus acordos com os
empresários?
O senhor acredita que as instituições estão funcionando bem? Há risco de golpe militar?
Não
há risco de golpe militar, mas dizer que as instituições estão
funcionando adequadamente é brincar de Polyana. Estão todos batendo
cabeça. Não entre, mas no interior das instituições.
Como a pressão popular deve influenciar o desfecho dessa crise?
As
ruas não têm autonomia. As pessoas vão às ruas se convocadas. Protestos
visam pressionar, criar dificuldades, mandar sinais e assim por diante.
Não é fácil manter as pessoas nas ruas. Vamos ver o que as lideranças
vão fazer, quais são suas estratégias.