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InfoMoney
Uma aparente base sólida no Congresso Nacional contrasta com a baixa
adesão popular. Por trás de mais uma possível contradição num país que
definitivamente não é para amadores, existe a centelha para um novo
processo de erosão no comando do Palácio do Planalto. Essa é a leitura
que faz Ciro Gomes, um dos nomes cotados para lançar candidatura ao
posto máximo dá República em 2018, sobre o cenário que se desenha para
Michel Temer. Ele acredita que o atual presidente não terá condições de
encerrar o mandato, e teme os efeitos da anarquia na política nacional
podem trazer turbulências ainda maiores ao país.
Para o
ex-ministro e ex-governador, o peemedebista é mero peão no xadrez dos
bastidores do poder, que assumiu o comando do país encarregado de
cumprir três principais missões em nome de uma elite que chama de
"plutocracia": garantir a saúde dá relação dívida/PIB, remodelar a
posição do Brasil no sistema político e econômico da multipolaridade
internacional e adotar postura mais permissiva à participação
estrangeira na exploração do petróleo nacional.
Em contraste com o
que foi entendido por muitos como demonstração de força do governo na
aprovação de medidas tidas como importantes para o ajuste fiscal
proposto, Ciro Gomes enxerga vulnerabilidade. "Ele não tem forte apoio
no Congresso. A elite brasileira, o baronato que manda no país é que
baseou o impeachment é quem controla, de fora para dentro esses
congressistas. Eles deram a Michel Temer tarefas para serem cumpridas.
Para elas, há apoio no Congresso. Mas basta rivalizar com qualquer outro
tipo de assunto [que se observar a fragilidade do governo]", argumenta.
Agora
filiado ao PDT, após uma sucessão de trocas de partidos ao longo de sua
trajetória política, Ciro Gomes acredita que o atual presidente não tem
respondido da forma correta à primeira e principal missão que lhe teria
sido conferida e isso deverá custar seu mandato. Tido como um dos
poucos possíveis candidatos da esquerda no próximo pleito presidencial
que se dedicam ao debate econômico, o ex-ministro defende a necessidade
de se adotar medidas anticíclicas e uma política monetária frouxa para a
recuperação da economia nacional e que somente a volta do crescimento
provocará um alívio nas receitas e o reequilíbrio fiscal. Preocupado com
o nível de endividamento das empresas e o estado de paralisia nacional,
ele acusa o atual governo de contribuir para a manutenção do quadro
depressivo.
Confira os destaques da entrevista concedida ao InfoMoney na tarde da última quarta-feira (4):
InfoMoney:
O senhor defende que não há rombo na Previdência. As estimativas de que
o déficit do INSS vai superar os R$ 180 bilhões em 2017 estão erradas?
Ciro
Gomes: Todas as vezes em que se reflete sobre um problema complexo no
Brasil, os oportunistas a serviço dos interesses prevalecentes acabam
reduzindo opiniões que deveriam ser complexas. A grande questão hoje é
que, se você tem as receitas destinadas pela lei versus as despesas para
a Previdência, não há déficit. Se somarmos CSLL, PIS, Cofins, as
contribuições patronais do setor privado e público e as contribuições
dos trabalhadores, contra as despesas do presente exercício, temos ainda
um pequeno superávit. Qualquer pessoa que tenha um mínimo de decência e
não esteja a serviço da manipulação de informações vê isso. Eles têm a
audácia de falar em déficit, porque propõem uma DRU [Desvinculação de
Receitas da União], que capta 30% de todas essas receitas e aloca para
pagar os serviços da dívida, com a maior taxa de juros do mundo, no
momento da pior depressão da história do Brasil.
Dito isso, a
Previdência Social tem dois problemas. Um é estrutural, derivado de uma
mudança da demografia. Tínhamos seis pessoas ocupadas para cada
aposentado quando o sistema foi montado, com expectativa de vida de 60
anos. Hoje, temos 1,7 trabalhador ocupado por aposentado, para
expectativa de vida superior a 73 anos. Para resolver estrategicamente a
equação de poupança e formação bruta de capital do Brasil, precisamos
avançar com prioridade em uma reforma, mas nunca na direção que estão
propondo. E aí vem o segundo problema: o futuro ou potencial déficit da
previdência brasileira se dá pelas maiores pensões, dos maiores
rendimentos, que levam mais da metade das despesas. Juízes, políticos,
procuradores precocemente aposentados e com pensões acima de qualquer
padrão de controle do país. Isso é uma aberração. A maior punição a um
juiz ladrão que vende uma sentença no Brasil é a aposentadoria
compulsória com 100% de seus proventos.
IM - E o que fazer para resolver o problema?
CG
- O superávit vai sumir em dois ou três anos. Temos que evoluir do
regime de repartição [em que as contribuições dos trabalhadores em
atividade pagam os benefícios dos aposentados] para o de capitalização
[em que cada trabalhador poupa para sua aposentadoria], que é o que
todos os países do mundo fazem. E fazer uma espécie de transição, que é o
mais complexo mas há como fazer também, de maneira que, ao fim do
processo, tenhamos uma previdência básica para 100% da população da
transição, e a previdência complementar pública, porém sob controle de
coletivos de trabalhadores e com regramentos de governança corporativa,
com prêmios para um grupo de executivos recrutados por concurso e com
coletivos de apuração dos riscos dos investimentos.
IM - Qual é sua avaliação sobre a fixação de uma idade mínima para aposentadoria?
CG
- Sou a favor, desde que se compreenda as diferenças do país. Considero
uma aberração estabelecer uma idade mínima igual para um trabalhador
engravatado, como eu, e um professor, que, no modo como Temer vê as
coisas, precisaria trabalhar ao menos 49 anos para ter aposentadoria
integral. A expectativa de vida no semiárido do Nordeste, por exemplo,
não chega a 62 anos. Um carvoeiro do interior do Pará também não. É
preciso evoluir para um padrão que conheça o País. Há de se estabelecer
uma idade mínima, mas não pode ser por um modo autoritário e elitista,
ditado pelos setores privilegiados da sociedade.
IM - Há
economistas que, assim como o senhor tem feito nessa discussão da
reforma da Previdência, questionam os atuais termos do debate. Qual
deveria ser a agenda econômica atual na sua avaliação, levando-se em
consideração a força do governo e do mercado em conduzir as discussões?
CG
- O setor financeiro está produzindo uma crise para si próprio, com a
proporção dívida/PIB indo de 75% para 90% no ano que começou. É tão
estúpido o modelo feito com [Henrique] Meirelles que agora estão
produzindo o próximo ciclo de crise. É uma crise do setor bancário,
cujas sementes estão dadas. Já são a maior inadimplência e o maior
volume de reserva de crédito para recuperação duvidosa da história, e
eles estão querendo compensar os prejuízos com a taxa de juros real, que
simplesmente está fazendo despencar a receita pública. Nos estados, já é
caricata a situação de Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e
mais 14 estados por conta desse receituário absolutamente estúpido do
ponto de vista técnico.
Temos que inverter essa ideia boba de
ganhos de confiança, que vai se deteriorar todo dia muito mais.
Confiança depende de números práticos, e o mais relevante deles é
proporção dívida/PIB para o setor financeiro, mas para o setor produtivo
é emprego, renda. Tudo isso está se deteriorando. O que tem que ser
feito é o oposto do que essa gente está fazendo. Em todo momento de
depressão econômica, até os mais conservadores sabem, é preciso que o
governo aja de forma anticíclica para liberar uma dinâmica de retomada
de desenvolvimento. E não é com farra fiscal, porque quem está
produzindo desequilíbrio é a queda substantiva da receita. Basta ver que
as despesas que estão aumentando são todas de iniciativa do senhor
Michel Temer. A saber: reajuste das maiores corporações, a forma
descuidada com que negociou a dívida dos estados e municípios.
Enquanto
isso, há uma porção de iniciativas semiprontas que eles estão
descontinuando. Desencomendaram 17 navios da recém-retomada indústria
naval brasileira e desempregaram 50 mil pessoas; descontinuaram as obras
da Transnordestina, que tinha 7 mil homens trabalhando; descontinuaram
as obras do Rio São Francisco, enquanto o Nordeste brasileiro amarga seu
quinto ano de seca. Tem áreas importantes colapsando o abastecimento de
água humano. Essa é a realidade do governo.
IM - Qual seria a taxa de juros ideal para a retomada do crescimento, na sua avaliação como crítico à atual política monetária?
CG
- Todos os grandes mercados do mundo estão com juros negativos neste
momento. Qual é a razão de o Brasil ter os maiores juros reais do
planeta? Teoricamente, defende-se juro alto para desconjurar inflação,
que é o princípio mobilizante desses enganadores há duas ou três décadas
no Brasil. Qual é a inflação de demanda que temos no país? Qual setor
de produção brasileiro está com hiato de produto (demanda maior que
oferta)? Estamos com a maior capacidade instalada ociosa da história
moderna do Brasil.
Quando a taxa de juros foi estabelecida pela
Dilma em 14,25%, a inflação estimada era de 11,5%. Portanto, se
aceitássemos para argumentar -- o que é uma aberração, porque a inflação
que se apresentou derivou-se de preços administrados pelo governo e das
consequências da desvalorização do câmbio, ambos fenômenos sobre os
quais os juros não têm efeito -- que 14,25% é uma taxa correta para
enfrentar inflação anualizada a futuro de 11,5%, hoje a inflação
projetada para 12 meses está inferior a 5%. Qual é a explicação para o
atual patamar a não ser a boçalidade com que o Banco Central serve o
setor financeiro?
IM - Mas seria possível reduzir essa taxa tão rapidamente?
CG
- Evidentemente que está interditada a ideia, mas nada justifica que o
Brasil não traga a taxa de juros tão rapidamente o quanto possível, para
não quebrar expectativas e nem causar prejuízos mais graves a ninguém, e
de forma profunda.
IM - O senhor mesmo tem o diagnóstico
de que haveria um confronto entre as coalizões, sobretudo no mercado
financeiro, no caso de uma queda abrupta na taxa. Como sair disso?
CG
- Não estou falando em ser abrupto. Mas acho que o Banco Central tem
que acabar com a história de reunir o Copom a 45 dias. Tem que se
reunir, reduzir em um ponto [percentual a Selic] agora e anunciar um
viés de baixa, que o mercado inteiro entenda. Os bancos mais sóbrios
sabem que tenho razão. O Bradesco, por exemplo, sabe que a taxa de juros
está causando prejuízo aos bancos. Em São Paulo, ninguém está pagando
ninguém. Hoje, o Brasil está proibido de crescer também, porque o
passivo das 300 maiores empresas estrangulou. No último trimestre,
nenhuma das grandes empresas de capital aberto do Brasil gerou caixa
para pagar o trimestre de dívida.
Os bancos privados estão todos
saindo da praça e os créditos de recuperação duvidosa estão todos de
novo se concentrando no Banco do Brasil e na Caixa Econômica. Enquanto
isso, ninguém abre a boca. Só no calote da Oi, foram R$ 65 bilhões
espetados no Banco do Brasil e na Caixa Econômica -- ouça-se: nas costas
do povo brasileiro.
IM - Alguns especialistas chamam
atenção para a situação de endividamento das empresas e seus efeitos
sobre o sistema financeiro. Existe a percepção de um processo de
deslavancagem em curso, que pode culminar em transferências de controle
de companhias brasileiras a grupos estrangeiros. Qual é o seu
entendimento sobre esse processo?
CG - É o passivo
externo líquido explodindo. O desequilíbrio das contas externas
brasileiras é outro fator que nos proíbe de crescer. Então, tem-se a
depressão imposta, com o governo fazendo um processo restritivo,
cíclico, as empresas com passivo estrangulado e o passivo externo
líquido do país explodindo, inclusive com o governo fazendo
desinvestimentos na Petrobras. É um crime, e o jornalismo brasileiro é
cúmplice, por regra.
IM - O senhor se diz contrário às
privatizações, ao passo que existem aqueles que veem nessa iniciativa a
melhor saída, tendo em vista os recentes escândalos de corrupção
revelados por operações como a Lava Jato...
CG - A Odebrecht é estatal?
IM - Não.
CG - Então está aí minha resposta.
IM - O senhor é um dos poucos candidatos que se define ideologicamente de esquerda e se dedica a um debate macroeconômico...
CG
- O que eu advogo é uma grande aliança de centro-esquerda, que produza
um projeto explícito, fora dos adjetivos desmoralizados gravemente pelo
próprio PT, que malversou o conceito ‘esquerda’ e virou uma agremiação
que cooptou setores organizados da sociedade para praticar uma agenda
mista de alguma atenção ao consumismo popular, mas de absoluto
conservadorismo nas estratégias de desenvolvimento do país. O que advogo
é a coisa prática, que dê condição de novo da sociedade brasileira
voltar a produzir e trabalhar.
IM - Quais são os riscos de
sua candidatura não acabar vista como representante do eleitorado
progressista e tampouco conquistar alguma adesão em um debate de maior
controle da direita?
CG - No Brasil, infelizmente estamos
olhando de forma rasa sobre problemas complexos. Não vou mudar minha
posição, continuarei tentando pedagógica e pacientemente conscientizar o
brasileiro sobre essas necessidades estratégicas do país.
IM
- As esquerdas no mundo estão tendo um diagnóstico errado sobre o que
representa a eleição de Donald Trump (e outros fenômenos globais), ao
atribuí-la exclusivamente a um discurso reacionário e xenófobo? O
pré-candidato Bernie Sanders, por exemplo, teve chances consideráveis de
vencer o pleito e não poderia oferecer leitura mais antagônica.
CG
- Acho que esse é um olhar superficial. Evidentemente, estamos com um
debate em efervescência no mundo, com o colapso da Europa, a saída do
Reino Unido [da União Europeia], vis-à-vis a tensão que a China está
produzindo nas novas relações mundiais. Não sei o que Trump vai afirmar,
mas ele foi eleito pela negação da perversão neoliberal e do rentismo
prevalecendo sobre a produção. É o trabalhador branco, desempregado, do
setor industrial americano a substância da base da eleição. Bernie
Sanders sistematizou um pouco mais claramente esses valores, mas de
forma dialeticamente difícil de ser engolida pelo grande sistema
americano.
Mas o debate está fervendo na Europa, e todo mundo
percebendo que a solução para o problema é recuperar os mecanismos de
coordenação estratégica do governo e por interação com a iniciativa
privada. Não é estatismo ao modo velho, muito menos esse liberalismo
estúpido que produziu a maior agonia do capitalismo mundial com a crise
de 2008, cujos escombros estamos vivendo ainda hoje.
IM -
Muitos nomes favoráveis ao impeachment de Dilma Rousseff, pensando em
uma retomada da economia, começaram a se ajustar a projeções mais
negativas. O país ainda pode evoluir em 2017?
CG - Não
vamos evoluir. É claro que você vai assistir o Banco Central correndo um
pouco mais rapidamente na direção correta, mas ainda muito mais
lentamente do que o necessário, de forma insuficiente para reverter
expectativa. O ano de 2017 também já está comprometido.
Em uma
palestra em um think tank em Washington, logo na iminência do
impeachment, com todos muito animados, eu disse: “vocês estão
completamente equivocados em querer colher maracujá em pé de laranja.
Dessa coalizão de corruptos, incompetentes e entreguistas, não sai nada
senão corrupção, incompetência e entreguismo”.
IM - O ajuste fiscal não seria uma saída?
CG
- A única forma de o Brasil sair da profunda crise fiscal em que se
encontra é aumentar a receita. Nessas circunstâncias, há duas condições
-- o que não quer dizer que não se tenha que impor a eficiência da
despesa. Uma delas é, de forma segregada, imediatamente aumentar alguns
tributos, como Cide e CPMF. Mas estrategicamente só há um jeito de fazer
a receita voltar a crescer: o país assumir a decisão de crescer.
Para
isso, é preciso fazer grandes movimentos de conjuntura, como consolidar
o passivo do setor privado, descendo a taxa de juros aceleradamente.
Mas também proponho que se possibilite a consolidação de passivo com US$
50 a 70 bilhões extraídos das reservas e alocados em um fundo soberano,
que pode ser feito nos BRICS ou em um fundo soberano que o Brasil crie.
Seria trocada dívida interna no juro brasileiro por uma dívida externa,
com câmbio razoavelmente estabilizado, correndo a taxa de juros
negativa no exterior. Você pagaria o hedge e ainda compensaria
dramaticamente, também sendo um grande coadjuvante para a retomada do
investimento privado e da queda da taxa de juros pela consolidação dos
passivos de grandes empresas brasileiras, que tinham plano de
investimento quando esses estúpidos começaram a destruir a economia.
IM - Nesse cenário de dificuldades na economia, o senhor vê Michel Temer encerrando o mandato em 2018?
CG - Não consigo ver. A elite brasileira sabe que não dá para esperar tanto tempo e vai cavar o buraco para ele também.
IM
- Levando-se em consideração sua experiência parlamentar e como
ministro e governador, qual é a avaliação que tem da atual situação de
governabilidade de Temer? Um forte apoio congressual, mesmo em meio às
fraturas na base, e a contradição com o elevado nível de reprovação
popular.
CG - Ele não tem forte apoio no Congresso. A
elite brasileira, a plutocracia, o baronato que manda no país e que
baseou o impeachment é quem controla, de fora para dentro, esses
congressistas. Eles deram a Michel Temer, que é uma pinguela ou um
trambolho, tarefas para serem cumpridas. Para elas, há apoio no
Congresso. Mas basta rivalizar com qualquer outro tipo de assunto [que
se observa a fragilidade do governo]. Por exemplo: a reforma trabalhista
não vai acontecer. Pergunte a opinião de Paulinho da Força (SD-SP), que
estava junto com ele no impeachment, sobre esse assunto. Outro exemplo é
a negociação dos governadores sobre a dívida. Pergunte ao filho do
César Maia [Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados] a
qual senhor ele serviu quando agiu lá. Então, vivemos de ilusões.
Também é tarefa minha pedir ao jornalismo brasileiro que saia desse
pacto de estupidez.
IM - O senhor compartilha do
entendimento de que houve um golpe contra Dilma Rousseff e que ele não
se restringe ao nível doméstico. Qual é o seu desenho da geopolítica do
processo?
CG - Basicamente, o impeachment foi provocado
ancestralmente pela descontinuação do governo Dilma, em função da
distância entre a marketagem de campanha e a prática no início do
segundo governo. Isso criou um ambiente que desconstruiu muito
precocemente seu laço com o povo brasileiro. Ela fez uma opção de, ao
não politizar os problemas estratégicos na campanha, enganar o povo e
achar que teria tempo para corrigir. Essa é a causa remota.
A
causa que se organizou – fissura, inclusive, pronta nessa contradição de
Michel Temer -- tem três interesses bastante práticos:
1) Gerar
excedentes fiscais, em ambiente de agonia fiscal, a qualquer preço para
proteger a inflexão da proporção dívida/PIB, para o rentismo. Essa é a
primeira grande razão e a tarefa de Temer, que tem que cumpri-la e não o
está fazendo. O déficit primário vai se aproximar de R$ 200 bilhões,
enquanto o nominal, R$ 450 bilhões.
2) O alinhamento internacional
do Brasil completamente desmontado. [Apesar de] Contraditória e
despolitizada, a presença do país em uma ordem internacional difusamente
multipolar teve aproximações sensíveis com Rússia em uma hora de
Crimeia, com a China, em uma hora em que a estratégia americana era o
Tratado do Transpacífico (que Trump prometeu revogar). Em um momento
estratégico como esse, os primeiros centrais princípios da política do
império são não permitir uma ordem multipolar que não se renda ao
monopólio do poder que ganhou na bala, na Segunda Guerra Mundial, e se
sustenta na base do termo de troca (dólar) e na sofisticação
tecnológica.
3) A entrega do petróleo. Observe a pressa com que
[José] Serra apresentou um projeto para eliminar as restrições de acesso
da Petrobras a reservas [do pré-sal], de eliminar o conteúdo nacional e
a pressa como estão vendendo subfaturados vários dos investimentos da
companhia. Na cara da imprensa brasileira, venderam o campo de Carcará
por US% 1,35 o barril de petróleo para uma estatal norueguesa e agora
venderam, por US$ 2 bilhões coisa que custou recentemente US$ 9 bilhões,
para a empresa francesa Total. Tudo com muita pressa.
As três grandes demandas Temer está tentando entregar. Não vai conseguir a mais grave, e, por isso, vai cair.
IM
- Se o senhor se candidatar à Presidência em 2018, como pretende
governar com um Congresso tão conservador, fragmentado e empoderado como
o atual?
CG - Digo de novo: vou pensar mil vezes em me
candidatar. Meu partido vai definir e cumprirei minha obrigação. Mas, se
for, irei para fazer história.
O presidencialismo tem mil
desvantagens e a mais grave delas é essa lógica de impasses, em que o
presidente tem as responsabilidades pela saúde dos negócios de Estado e
um Congresso, que não tem, no sentido jurídico do tema, responsabilidade
nenhuma, pode diminuir ou aumentar despesas, sem pagar qualquer
consequência, enquanto, no Parlamentarismo, isso não acontece.
Mas
o presidencialismo também tem sua vantagem, que é a capacidade que o
presidente da República tem tido, na tradição brasileira, de se escorar
na opinião pública e fazer a construção de uma maioria de forma
qualitativa. Fui ministro da Fazenda no governo Itamar Franco. Ele não
tinha partido, não tinha maioria orgânica -- o que não é meu caso, que
tenho experiência política e tenho um partido, onde as alianças
políticas são perfeitamente praticáveis --, mas, ainda assim, conseguiu
governar com força política imensa e, cada vez que precisou, apostou no
povo, na mobilização da opinião pública, para que os grupos de pressão
clandestinos não o esmagassem.
IM - Um entendimento do TSE
(Tribunal Superior Eleitoral) e uma lei recentemente aprovada pelo
Congresso, à revelia do que determina a Constituição Federal, apontam
para chances de eleições diretas em caso de queda do governo Michel
Temer. O senhor se vê apto a se candidatar se o processo eleitoral se
iniciasse amanhã?
CG - Meu partido que vai resolver isso e
cumprirei minha responsabilidade. Mas, se for, farei o que deve ser
feito pelo País, para voltar para casa com a consciência tranquila.
Tenho muita esperança e confiança de que é possível resolver o problema
do país, não que seja simples ou fácil, mas é perfeitamente praticável
fazer o Brasil retomar seu destino, que não é essa mediocridade corrupta
que tomou conta.
Mas estou muito incomodado com esse estado de
anarquia que as coisas têm acontecido. A Constituição diz que, se o
presidente da República for cassado, o vice assume. Se o vice, por
alguma razão, sair antes de dois anos de mandato, há eleições diretas.
E, se ele sair depois de dois anos, a eleição é feita indireta pelo
Congresso. Eu tenho nojo e pavor da ideia de que isso vá acontecer. Mais
nojo e pavor tenho da ideia de se ficar manipulando a Constituição,
desses juízes que fazem discursos políticos, porque isso é um estado de
baderna e é muito pior do que qualquer outra coisa.
IM - A
Operação Lava Jato é um tabu para a esquerda. Enquanto parte apoia,
outra foge do debate, e uma terceira parcela critica abusos cometidos e
os efeitos gerados para a economia do país e as empresas. Como promover
um combate à corrupção sem provocar grandes fissuras na economia? O que o
senhor proporia de diferente?
CG: Temos que olhar as
coisas complexas com olhares complexos. A Lava Jato é uma coisa
essencialmente importante para o Brasil, porque parece dar fim ao
histórico de impunidades do baronato da política e do mundo empresarial.
Por isso, ela merece todo o apoio e estímulo.
Isto dito, temos
também alguns problemas, como o excesso de aplausos e exibicionismos de
juízes e procuradores. Isso não é bom, mesmo para a Lava Jato, porque à
medida que você extrapola, o risco de suspeições está dado. Várias
sentenças que alçaram a segunda instância da Justiça foram anuladas, é
só se lembrar da Operação Satiagraha. É isso que está fadado a acontecer
se não forçarmos a mão com essa garotada de Curitiba. Eles têm que se
lembrar que Justiça é severidade, modéstia e não ficar se exibindo.
Outra
coisa gravíssima é que quem comete crime é a pessoa física. No
ordenamento jurídico brasileiro, pessoa jurídica não comete crime.
Então, as punições têm que ser severas, mas destinadas exclusivamente à
pessoa física, que praticou o ato ilícito. O mundo inteiro salva a cara
das empresas. A Construção Civil é um dos raros setores em que temos
algum protagonismo global, mas eles estão destruindo as empresas. Isso,
no entanto, não é culpa dos juízes, mas dos políticos, que não têm
coragem de fazer acordo de leniência e não deixam que os juízes cumpram
suas tarefas de dar a pena que for necessária para as pessoas. Mas
salvar as empresas para que elas atuem é um imperativo de ordem pública
no Brasil.