Fábio Fabrini
Relatório do Ministério Público
Federal (MPF) sustenta que o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega
nomeou integrantes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf)
para ajudar um empresário amigo a fraudar um processo em tramitação no
órgão – espécie de “tribunal” que avalia débitos de grandes
contribuintes com a Receita Federal.
Os indícios colhidos
pela Procuradoria da República no Distrito Federal embasaram decisão da
10ª Vara da Justiça Federal, em Brasília, que na última quarta-feira,
11,
determinou a quebra dos sigilos bancário e fiscal do ex-ministro
– ele chefiou a Fazenda de março de 2006 a dezembro do ano passado.
Também foram ordenadas as mesmas medidas em relação à Coroado
Administração de Bens, empresa de consultoria e negociação de imóveis em
nome do petista. A decisão, do juiz Vallisney de Souza Oliveira, ordena
a abertura dos dados entre janeiro de 2011 e outubro deste ano.
Ao
pedir as quebras, o MPF se baseou em trocas de mensagens e
interceptações telefônicas entre os envolvidos no esquema de corrupção
do “tribunal da Receita”, investigado na Operação Zelotes. O objetivo é,
a partir dos dados, avaliar se houve eventual recebimento de “vantagem
indevida” por Mantega, o que configuraria a prática de crime de
corrupção passiva.
© Fornecido por Estadão
O ministro da Fazenda comentou que a política monetária restritiva
adotada pelo BC para combater a inflação deve gerar um impacto negativo
de 0,7 ponto porcentual do PIB em…
Relatório
Conforme o relatório obtido pelo Estado,
o ex-ministro nomeou em julho de 2011 Valmar Fonseca de Menezes para a
1ª Turma Ordinária da Primeira Câmara do Carf. Depois, teria manobrado
para que ele e o conselheiro José Ricardo da Silva – outro investigado
na Zelotes , atualmente preso por suposto envolvimento na “compra” de
medidas provisórias – fossem alçados à Câmara Superior Superior do
órgão.
Mantega teria agido por influência do empresário italiano
Victor Garcia Sandri, que seria seu amigo. Depois das nomeações,
supostamente com a ajuda dos conselheiros, o Grupo Comercial de Cimento
Penha, que pertente ao empresário, conseguiu abater débito de R$ 106
milhões em julgamento no Carf.
“A partir de negociatas ilícitas, o
grupo criminoso em questão, poucos meses antes do julgamento em
testilha, logrou inserir pelo menos dois novos conselheiros na Câmara
Superior do Carf. (...) Cumpre salientar a existência de substanciais
elementos de informação que denotam a participação do então ministro da
Fazenda”, argumentou o procurador da República Frederico Paiva.
No
relatório, o MPF diz que Mantega chegou a se reunir com Menezes em 6 de
junho de 2011, um mês antes de sua nomeação. O encontro teria sido
articulado por Sandri e outros investigados. Num e-mail enviado a
Sandri, José Ricardo diz que “V” (suposta referência a Valmar) foi
chamado pela “Amiga” (suposta referência a Mantega).
Dias depois,
José Ricardo envia outro e-mail para Menezes, explicando que Sandri,
citado como “Italiano”, usaria sua influência para emplacá-lo no cargo.
“Dissemos peremptoriamente ao Italiano que sua atuação na 1ª (Câmara) é a
única chance que ele tem para solucionar a questão específica. Ele
concordou e vai levar isso à Amiga”, diz o texto.
Na mensagem,
José Ricardo afirma que Otacílio Cartaxo, ex-chefe da Receita,
identificado como “Carteiro”, tinha outro nome para o posto, mas que
prevaleceria a vontade de Sandri. “O Italiano achou estranho o fato de o
Carteiro ter dito que já tinha outro nome para a 1ª. E ficou muito
aborrecido com o fato de o Carteiro estar duvidando da real influência
que ele, Italiano, teria junto à Amiga”, escreveu. Ao fim, José Ricardo
diz que quem definiria a questão seria o próprio empresário: “O cargo é
dele (Sandri), independentemente da posição do Carteiro”.
Menezes
foi nomeado para a Câmara Superior em julho de 2011 e José Ricardo, em
novembro daquele ano. Referências à influência de Sandri sobre Mantega
também aparecem em diálogos do ex-conselheiro Paulo Cortez, outro
investigado.
Há fundados indícios de que Guido Mantega, ao nomear
os conselheiros José Ricardo e Valmar Menezes, fê-lo com o objetivo de
satisfazer interesses pessoais de Victor Garcia Sandri, e não de atender
o interesse público”, alegou o MPF.
Em sua decisão, o juiz
Vallisney justifica que, “diante do liame” entre os envolvidos, “é
necessário apurar se a finalidade das nomeações pelo então ministro, no
contexto em que se deram, tiveram realmente o fito de influenciar no
julgamento do aludido processo administrativo fiscal”.
Violência
O
advogado de Mantega, José Roberto Batochio, disse que as quebras de
sigilo são “uma violência inominável”. Ele argumentou que não há nada
nas investigações que justifique o afastamento dessas garantias
constitucionais, que só caberia em casos muito excepcionais.
O
advogado afirmou que a escolha de conselheiros do Carf é feita por uma
comissão de notáveis do governo e que cabe ao ministro da Fazenda apenas
assinar as portarias de nomeação. “O ministro não apita. Só
oficializa”, alega. Ele acrescentou que Mantega não tem qualquer
conhecimento sobre o processo da Cimento Penha no Carf.
Batochio
explicou que, há mais de 20 anos, Mantega vendeu um terreno para Sandri,
que pagou com imóveis construídos na área. Depois disso, assegurou, os
dois não tiveram mais relações comerciais. Ele também negou vínculo de
amizade entre os dois, apesar de alguns episódios noticiados pela
imprensa indicarem a proximidade. No carnaval de 2007, Mantega foi feito
refém num assalto num sítio em Ibiúna (SP) que pertence a Sandri.
Batochio
afirmou que Mantega não tem qualquer preocupação com a quebra de seus
sigilos e que os dados vão demonstrar que ele não obteve qualquer valor
suspeito. “Mas quem vai reparar o dano de imagem (do ex-ministro) quando
se demonstrar que ele não recebeu nada?”, questionou. “Isso (os
apontamentos do MPF) são ilações gratuitas. Está na hora de o Brasil
deixar de ser o País do talvez, do quem sabe”, acrescentou.
Mantega não respondeu a pedido do Estado para
informar a lista de clientes de sua empresa, aberta em agosto deste
ano. Sandri negou que tenha atuado para emplacar conselheiros e fraudar
processo no Carf. Ele alegou que o processo de nomeação no órgão segue
uma liturgia que não permite influências como a descrita no relatório do
MPF. "O meu relacionamento com o Mantega não permitiria uma conversa
dessas. É uma pessoa muito digna. Mandaria me prender", declarou.
"Nunca tive autonomia para colocar alguém no Carf", acrescentou.
O
empresário afirmou que as quebras de sigilo vão demonstrar que não
houve pagamento de propina de sua parte no "tribunal" da Receita:
"Prisão perpétua se paguei ou recebi algo de alguém".
Sandri
disse ainda que não é amigo de Mantega. Explicou que o conhece desde a
época em que fizeram negócio e mantêm um relacionamento "casual". No
carnaval de 2007, segundo ele, Mantega apenas aceitou um convite para
jantar em sua casa. "Não tem amizade. Tem respeito", ressaltou. "Nem
tenho o telefone dele."
A defesa de José Ricardo informou que as acusações são "improcedentes", o que "será demonstrado no momento oportuno". O Estado não conseguiu contatar Valmar Menezes.