EL PAÍS
De acordo com polícia, montadoras gastaram 33 milhões para obter medidas provisórias
Em troca, as empresas teriam 4,5 bilhões em benefícios fiscais. Aliado de Sarney é alvo
Quando custa “comprar” três leis que gerariam uma isenção
fiscal para a indústria automotiva de pelo menos 4,5 bilhões de reais?
No Brasil, é uma pechincha. O preço seria 33 milhões de reais. À
primeira vista parece muito, mas representa apenas 0,7% do total de
benefícios recebidos. Ou seja, para cada um real investido, houve um
retorno de outros 136,3 reais. O negócio ilícito aparece descrito passo a
passo na investigação da Operação Zelotes, da Polícia Federal e do Ministério Público.
O cálculo das isenções fiscais foi feito por dois consultores legislativos do Senado em um relatório em que criticam a política de incentivos fiscais
para o desenvolvimento regional. A conta deles é baseada em uma suposta
produção anual de 100.000 veículos ao custo de 40.000 reais – números
que os próprios consultores dizem ser conservadores. Esse estudo é um
dos que embasam a investigação policial contra duas montadoras, sete
escritórios (um deles de um filho do ex-presidente Lula) e 27 pessoas,
sendo que seis delas estão presas. As ações ocorreram entre 2009 e 2013 e
envolveram três medidas provisórias, a 471/2015, a 512/2010 e a
638/2014. Na prática elas ampliam o prazo de concessão de crédito presumido do Imposto sobres Produtos Industrializados (IPI) para a indústria automotiva instalada em algumas regiões do Brasil
A farta documentação apreendida pela polícia entre março e outubro
deste ano detalhou os caminhos de duas montadoras que contrataram
lobistas para convencer os Governos Lula da Silva e Dilma Rousseff
(ambos do PT) a enviarem medidas provisórias ao Congresso que
favoreciam fábricas de veículos instaladas nas regiões Centro-Oeste,
Nordeste e Norte do país. Os principais beneficiados seriam os grupos
MMC – representante da Mitsubishi, com uma fábrica em Goiás – e o CAOA –
que tem montadoras da Ford, na Bahia, e da Hyundai, em Goiás.
As duas automotivas assinaram dois contratos (cada um no valor de
16,5 milhões de reais) com um consórcio de lobistas formado pela SGR
Consultoria Empresarial e pela Marcondes e Mautoni Empreendimentos e
Diplomacia Corporativa. O trabalho, de acordo com as investigações, não
foi apenas lobby, uma atividade não regulamentada no Brasil, mas que não
é ilegal. O problema é que, ao menos 40% desses recursos seriam
destinados para o pagamento de propinas, de acordo com as apurações da
Polícia Federal registradas em 921 páginas de um processo judicial.
Cinco sócios dessas duas firmas estão presos desde o dia 26 de
outubro. A PF identificou o pagamento de ao menos 16,5 milhões de reais
aos lobistas. Os principais receptores das propinas, porém, ainda não
foram encontrados, mesmo depois de tanto tempo de investigação. A
apuração começou em agosto de 2014 e a suspeita inicial era de que
dezenas de empresas compravam sentenças favoráveis a elas no Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais, uma espécie de tribunal recursal do
Ministério da Fazenda. A investigação acabou sendo desmembrada e esta
primeira parte (da compra de sentenças) está sob sigilo.
A tática do grupo era procurar representantes do segundo escalão de
ministérios e assessores da Presidência para iniciar as tratativas.
Entre os alvos estavam a Ciência e Tecnologia, a Fazenda e o
Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Agendas e planilhas de
computadores apreendidas nos últimos meses detalham encontros com
secretários-executivos destas pastas e com o então chefe de gabinete do
ex-presidente Lula, Gilberto Carvalho.
Tentáculo no Congresso e Eduardo Cunha
Os lobistas também contratavam algumas peças-chave para agir dentro do Congresso Nacional. Uma delas, segundo a polícia, foi o então diretor de comunicação do Senado, o jornalista Fernando César de Moreira Mesquita.
Indicado ao cargo pelo o ex-presidente e ex-senador José Sarney
(PMDB), Mesquita já assessorou o finado senador conservador da Bahia
Antonio Carlos Magalhães. Ele é investigado por ter recebido 78.000
reais para ajudar os escritórios SGR e Marcondes e Mautoni a obter
informações sobre o andamento das medidas provisórias no Legislativo. A
PF também suspeita que ele teria usado de seu bom trânsito no
Legislativo para convencer alguns dos senadores a aprovarem as MPs. Em
depoimento à Polícia Federal, Mesquita disse que conversou sobre as
medidas provisórias com um dos envolvidos no esquema, o lobista Mauro
Marcondes Machado. Porém, disse que não repassou nenhuma informação
confidencial, apenas dados públicos. O jornalista também negou ter
qualquer negócio com os investigados.
O outro braço político do grupo era Halysson Carvalho Silva, um
lobista ligado ao PMDB que até meados deste ano presidia a Fundação de
Cultura do Piauí, Estado governador pelo petista Wellington Dias.
Halysson foi preso sob a suspeita de extorsão e uma das suspeitas era de
que ele intermediava o contato dos escritórios de lobistas com
deputados e senadores.
No último sábado, o jornal O Estado de S. Paulo revelou que o
presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foi o autor de uma das
emendas da MP 627 que resultou em outras concessões de benefícios às
montadoras. Mesmo sendo alvo de ao menos dois processos no Supremo
Tribunal Federal por corrupção e lavagem de dinheiro, neste caso Cunha
ainda não é oficialmente investigado. Ao periódico, o deputado afirmou
que propôs a emenda a pedido de um outro parlamentar, o então senador
Gim Argelo (PTB-DF). Este por sua vez, disse que não se recordava do
assunto.
A expectativa da polícia agora é que com as seis prisões da semana
passada, o primeiro escalão dos políticos do grupo que "comprava" leis
brasileiras comece a aparecer de verdade.
Alvo de petistas, PF não pediu para investigar filho de Lula
Frequentemente acusada de perseguir o ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, a Polícia Federal não pediu que a empresa de um filho do
petista fosse investigada dentro da operação Zelotes. De acordo com a
documentação que consta do processo, os responsáveis pela inclusão da
firma de Luís Cláudio Lula da Silva foram o Ministério Público Federal e
a Corregedoria do Ministério da Fazenda, outros dois órgãos que
investigam o esquema de compra de sentenças do Conselho Administrativo
de Recursos Fiscais (CARF).
Após a operação, na última segunda-feira, eram fortes os rumores em
Brasília de que Lula e o PT estavam insatisfeitos com a presidenta Dilma
Rousseff e, principalmente, com o ministro da Justiça, José Eduardo
Cardozo, que é o chefe da PF. Na visão de petistas, Cardozo deveria
frear os abusos da polícia e evitar que o principal líder do partido
fosse alvo de “ataques infundados”.
A empresa LFT Marketing Esportivo, de propriedade de Luís Cláudio, é
investigada por ter recebido 1,5 milhão de reais do escritório Marcondes
e Mautoni, um dos principais envolvidos na compra de medidas
provisórias para beneficiar o setor automotivo. A suspeita contra ele é
de influência política para a aprovação das medidas. Os advogados de
Luís Cláudio negam irregularidades e dizem que, mesmo sem ter nenhum
funcionário registrado, a LFT agiu apenas na sua área de atuação.