Mais de mil anos antes dos primeiros telescópios, os astrônomos
babilônios acompanhavam o movimento dos planetas no céu noturno usando
aritmética simples. E um texto recém-traduzido revela que eles também
usaram um método muito mais avançado, que antecipou o desenvolvimento do
cálculo em mais de um milênio.
É um fato bem conhecido que os babilônios eram astrônomos matemáticos
bastante hábeis, que preservavam seus conhecimentos em centenas de
tabuletas de argila. Mas quando o astroarqueólogo Mathieu Ossendrijver,
da Universidade Humboldt de Berlim, traduziu um texto não-estudado sobre
Júpiter, ele descobriu algo surpreendente.
Para acompanhar a trajetória do gigante de gás no céu, os babilônios
usavam uma técnica geométrica – o procedimento trapezoidal – que é uma
base do cálculo moderno. Até agora, acreditava-se que este método tinha
sido inventado na Europa medieval, cerca de 1.400 anos depois.
“Isso mostra como esta cultura antiga era altamente desenvolvida”,
disse Ossendrijver ao Gizmodo. “Eu acho que ninguém esperava algo como
isto sendo encontrado em um texto babilônico.” A descoberta foi
publicada na revista Science.
Tabuletas
O texto pertence a uma coleção de milhares de tabuletas de argila,
inscritas com a escrita cuneiforme e escavadas no Iraque durante o
século XIX. Ao traduzi-las e estudá-las ao longo do século passado, os
arqueólogos aprenderam muito sobre os babilônios, incluindo o seu
sistema avançado de astronomia, que se desenvolveu a partir do zodíaco em torno de 400 a.C.
Os astrônomos babilônios, que também eram sacerdotes, acreditavam que
todos os acontecimentos terrestres – o clima, o preço dos grãos, o
nível dos rios – estavam ligados ao movimento dos planetas e estrelas. E
de todas as forças que influenciam nosso mundo, nenhuma foi tão
importante como Marduk, o patrono de Babilônia – ele foi associado a
Júpiter.
Marduk, o deus patrono de Babilônia (via Wikimedia)
Como Ossendrijver explica em seu estudo, cerca de 340 tabuletas de
astronomia babilônica possuem dados sobre as posições planetárias e
lunares, dispostos em linhas e colunas como uma planilha. Outras 110
tabuletas são processuais, com instruções que descrevem as operações
aritméticas (adição, subtração e multiplicação) utilizadas para calcular
as posições dos objetos celestes.
Mas uma coleção – um conjunto de quatro tabuletas sobre a posição de
Júpiter – parece preservar fragmentos de uma técnica para o cálculo da
área abaixo de uma curva. Estes textos são fragmentários, e durante
décadas seu significado astronômico foi desconhecido. Em 2014,
Ossendrijver descobriu o manual de instruções: uma tabuleta que
“simplesmente passou despercebida”, segundo ele, e que acumulava poeira
no Museu Britânico desde 1881.
O cálculo
Um dos textos babilônicos fragmentários (à esquerda), mostrando uma porção de um cálculo para determinar o deslocamento de Júpiter no plano da eclíptica: trata-se da área sob a curva tempo-velocidade (à direita)/Mathieu Ossendrijver
O “texto A”, agora descodificado, descreve um procedimento para
calcular o deslocamento de Júpiter através do plano da eclíptica, o
caminho que o Sol parece seguir através das estrelas ao longo de um ano.
De acordo com o texto, os babilônios faziam isso acompanhando a
velocidade de Júpiter como uma função do tempo e determinavam a área sob
a curva tempo-velocidade.
Até agora, a primeira origem deste conceito datava do século XIV na
Europa. “Em 1350, os matemáticos entendiam que, se você calculasse a
área sob esta curva, você teria a distância percorrida”, disse
Ossendrijver. “Isso é uma visão bastante abstrata sobre a conexão entre o
tempo e movimento. Estes textos mostram que tal percepção surgiu na
Babilônia.”
Na visão de Ossendrijver, é improvável que esse método tenha
sobrevivido ao enorme abismo de tempo entre o desaparecimento da cultura
babilônica e a Europa medieval. “Eu acho mais provável que [os
europeus] tenham desenvolvido isso de forma independente”, disse ele,
observando que o procedimento trapezoidal não parece ter sido popular
entre os astrônomos babilônios, e que muito de seu conhecimento foi
perdido quando a cultura morreu em cerca de 100 d.C.
“Quem sabe o que mais está escondido nas milhares de tabuletas em
museus ao redor do mundo?”, continuou Ossendrijver. “Isso faz parte da
história da ciência, e eu espero que aumente a consciência do valor de
proteger essa herança.”
[Science]
Imagem: texto recém-traduzido e detalhado na revista Science/Mathieu Ossendrijver
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