© André Dusek
Cunha: a bancada fiel ao deputado é maior que a de muitos partidos políticos
Até para triunfar no posto de
político mais odiado do Brasil é preciso algum esforço. Nos ventos da
crise, o deputado Eduardo Cunha, 57 anos, eleito com 233 000 votos pelo
PMDB do Rio de Janeiro, é o campeão inconteste nesse quesito - daí o
título que VEJA traz na capa desta edição: #Fera, Odiado e do Mal. Fera
por sua capacidade incomparável de ir em frente com seus objetivos,
mesmo que seja contra tudo e contra todos. Odiado porque a pesquisa mais
recente do instituto Datafolha mostra que 77% dos brasileiros querem a
cassação do seu mandato. E do Mal porque não param de aparecer
depoimentos nos quais Cunha é apontado como um sujeito agressivo, capaz
de inspirar medo em seus adversários. E #Fera, Odiado e do Mal, assim
tudo junto, para fazer uma referência jocosa ao título "Bela, Recatada e
'do Lar' ", que VEJA publicou em reportagem sobre Marcela Temer, mulher
do vice-presidente Michel Temer - título que estourou na web, gerando
memes absolutamente impagáveis.
A
presidente Dilma Rousseff diz que Eduardo Cunha é traidor, vingativo,
chantagista e, como insinua com frequência, corrupto. O
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, tachou-o de "extremamente
agressivo" e dado a retaliações. Uma minoria barulhenta da Câmara se
refere a ele como "gângster" e "ladrão", como se ouviu na votação do
impeachment. Empresários denunciam-no por extorsão. Cunha é acusado de
embolsar propinas milionárias do petrolão, de ser correntista oculto de
bancos na Suíça e de mentir aos colegas, o que configura quebra do
decoro parlamentar. Mesmo com tantos rivais e denúncias, ele continua à
frente da presidência da Câmara, submetendo a Casa a suas pautas e
interesses pessoais. Sob sua presidência, os deputados aprovaram o
pedido de impedimento de Dilma, e o vice Michel Temer está a um passo do
Palácio do Planalto.
E que
ninguém pense que Cunha está morto. Na histórica sessão de domingo
passado, que decretou o enterro político do governo Dilma, deputados
chegaram a defender uma anistia a Cunha por seu papel decisivo no
processo. Tudo às claras, diante das câmeras de TV. Mas há outro motivo,
oculto e eloquente, para a tentativa de torná-lo inimputável. Cunha tem
se mostrado um provedor generoso. Ninguém sabe tocar tão fundo na alma,
na consciência e no bolso dos deputados. Ninguém distribui tantas
benesses e favores de forma tão democrática, do alto ao baixo escalão.
Tecida durante anos a fio, essa rede de cumplicidade se recusa a passar
na guilhotina o pescoço de Cunha. Na campanha eleitoral de 2014, ele
conseguiu recursos para vários candidatos. Só o grupo JBS doou 21
milhões de reais ao diretório do PMDB do Rio - uma deferência especial
ao parlamentar, dentro da lei, diga-se. Postulantes a deputado federal
de outras legendas também foram agraciados e passaram a gravitar em sua
órbita de poder.
A própria
Operação Lava-Jato já descobriu detalhes desse protagonismo financeiro.
Em mensagem encontrada em um celular do ex-presidente da OAS Leo
Pinheiro, condenado a dezesseis anos de prisão no escândalo do petrolão,
Cunha reclama que o executivo repassou 5 milhões de reais ao vice
Michel Temer numa parcela só, adiando o acerto com o restante da
"turma", a sua turma, a turma formada por seus alimentados. Ao pedir o
afastamento de Cunha do cargo de presidente da Câmara, Janot o acusou de
usar o mandato para fins escusos e citou como exemplo o empenho do
deputado em aprovar matérias de interesse do Banco BTG Pactual, cujo
dono então, André Esteves, amigo de Cunha, chegou a ser preso pela
Lava-Jato. "E-mails trocados demonstram que Eduardo Cunha atuou como longa manus
dos bancos, protegendo os interesses ilícitos destes em detrimento do
interesse público, visando, assim, a receber vantagens indevidas", disse
Janot. Fundamental para a vitória de Cunha na disputa pela presidência
da Câmara no ano passado, esse trabalho de captação de doações
eleitorais para deputados é facilitado pela proximidade do peemedebista
com os donos do dinheiro.
Antes
de chegar ao comando da Casa, Cunha relatou quase todos os projetos que
envolviam negócios grandiosos. Na medida provisória dos portos, que
tratava das concessões no setor, ele defendeu a prorrogação de certos
contratos de arrendamento. Durante a discussão do texto, um lobista da
Santos Brasil, gigante especializado na operação de contêineres,
circulou pelo plenário tentando convencer as excelências a apoiar a
iniciativa. A presença do lobista em cena foi entendida por alguns
parlamentares, especialmente os de olhos mais cobiçosos, como a prova de
que ofertas apresentadas nos bastidores seriam honradas. Que ofertas?
"É a emenda Tio Patinhas", gritou da tribuna o então deputado Anthony
Garotinho, referindo-se à chuva de matéria sonante que inundava os
bastidores. Cunha sempre negou que tivesse vendido às partes
interessadas artigos de medidas provisórias. Sempre rechaçou que tivesse
usado requerimentos de convocação de empresários para extorqui-los.
Mas, registre-se, também sempre negou que tivesse conta secreta na
Suíça... O lobista Júlio Camargo, delator do petrolão, acusou Cunha
abertamente de ser um extorsionário.
Com reportagem de Thiago Bronzatto