São Paulo – Após 13 anos, o Partido dos Trabalhadores (PT) deixa de maneira definitiva a condução do governo federal do Brasil. A história começou em 2003, com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência. Depois de dois mandatos, ele elegeu sua sucessora, Dilma Rousseff, a primeira presidente mulher da história do país.
Após o julgamento do Senado, Dilma é proibida de exercer o cargo de presidente. Agora, Michel Temer (PMDB)
assume o governo de forma definitiva. Para a história, ficam os avanços
sociais que chegaram ao longo do governo petista, além de grandes
escândalos de corrupção — os principais sendo “mensalão” (sob a
presidência de Lula) e o “petrolão” (este, sob o comando de Dilma).
Mas
afinal de contas, o que fica de herança para o Brasil após 13 anos de
governo do PT? “Um ponto positivo foi colocar a questão social no centro
do debate. Isso foi feito sem uma ligação obrigatória com o status
econômico. Os benefícios vieram independentemente do sucesso econômico”,
falou a EXAME.com Rafael Cortez, cientista político da Tendências
Consultoria.
Hoje, o eleitorado tem consciência da importância das
questões sociais dentro de um cenário nacional. O principal impacto é
que o custo político de mudanças nos programas sociais é alto demais,
afirma Cortez. “A agenda social ganhou relevância política.”
A grande bandeira do governo petista nesse campo foi o Bolsa Família.
O programa de transferência de renda foi criado em 2003, primeiro ano
do governo de Lula. Com ele, o Brasil viu a taxa da população em
situação de extrema pobreza cair (veja números no quadro abaixo). O programa foi elogiado pela ONU como boa estratégia de retirada de pessoas da extrema pobreza.
Programas
foram criados em diversas áreas. Na educação, um exemplo é o Fies. Na
área da saúde, o governo criou o Mais Médicos para melhorar o
atendimento básico de saúde.
“Ainda tivemos o PAC,
com programas voltados à infraestrutura. Sem dúvida nenhuma, eles
apresentam falhas e sofrem críticas. Por outro lado, eles são
importantes para a retomada da agenda de preocupação e orientação do
governo”, falou a EXAME.com Cristiano Noronha, vice presidente da
consultoria Arko Advice.
Ao longo dos 13 anos, o país viu a
melhora de diversos indicadores sociais. A taxa de analfabetismo caiu e a
expectativa de vida aumentou, por exemplo. A desigualdade também
diminuiu. Sob o governo petista, o Brasil surfou em uma boa onda
econômica—mas que eventualmente teve um fim.
Economia
Para
os especialistas, é difícil falar sobre a herança econômica deixada por
13 anos de PT. As lideranças de Lula e de Dilma foram diferentes nesse
campo—assim como os impactos deixados. Em 2003, Lula chegou à
Presidência e se comprometeu com o tripé macroeconômico. Ele havia sido
estabelecido pelo governo anterior e previa: metas de inflação,
superávit primário e câmbio flutuante.
Nos anos seguintes, com
alta das commodities e incentivo ao consumo, o país cresceu, subiu no
ranking de maiores economias do mundo e ganhou grau de investimento de
agências. Sob o comando de Lula, a inflação caiu. O Brasil foi capa da revista The Economist em 2009, com o Cristo Redentor decolando.
O
símbolo da diferença da economia sob a batuta de Dilma pode ser medida
pela própria The Economist. O Brasil voltou a ser capa da revista
econômica, mas dessa vez em um cenário negativo.
Ainda no primeiro mandato de Dilma, o PIB brasileiro perdeu tração. A queda no preço das commodities,
aliada a desaceleração da economia global e de gastos crescentes do
governo criou um cenário de preocupação. No segundo mandato, Dilma traz Joaquim Levy para a Fazenda para colocar as contas em ordem. O resultado não é positivo e a situação econômica fica dramática.
A
inflação dispara, o PIB encolhe e o desemprego começa a aumentar. “Eu
não sou partidário da ideia de que a agenda social entra em risco com a
crise econômica atual”, falou Cortez, da Tendências Consultoria. Mas a
situação que o PT deixa como legado imediato da economia não é boa.
“As
pessoas estão perdendo emprego e a inflação corrói a renda. O momento
de bonança foi interrompido e as pessoas estão retrocedendo alguns anos
em seus ganhos”, disse Noronha, da Arko Advice. “Mesmo em um cenário
ruim, as pessoas não perdem 100% de seus ganhos. O nível de educação,
por exemplo, aumentou. Isso não se perde.”
“O Brasil ficou
eufórico e esqueceu do futuro. O governo deixou de fazer o dever de casa
de atacar problemas estruturais que eram camuflados. Quando a água da
piscina baixou, vimos a sujeira que estava por baixo”, afirma Noronha.
Uma
herança negativa deixada pelo governo do PT teria sido a forma como se
lidou com a questão fiscal e com gastos públicos. “Tivemos um retrocesso
na questão fiscal com pedaladas e contabilidade criativa. Isso
dificulta o monitoramento da sociedade e de artigos políticos”, afirma
Cortez.
O professor de ética e política da Unicamp Roberto Romano
concorda que é difícil acompanhar os feitos sociais com números que nem
sempre são confiáveis. “Você não consegue saber quem fala com dados
sérios e quem está repetindo slogans”, disse a EXAME.com.
Oportunidades perdidas
Algo
lamentado pelos especialistas foi o fato de que o PT não realizou
mudanças de extrema necessidade. “O último ano no qual se falou de
reformas foi em 2003. Desde então, o país aboliu esse assunto”, afirma
Noronha. “Perdemos uma excelente oportunidade. Você tinha no governo
Lula um governo forte e popular. Também tinha força política no
congresso para isso.”
O professor Roberto Romano lamenta
oportunidades perdidas. Entre as áreas citadas estão investimentos em
pesquisa, tecnologia e educação no país.
Hoje, reformas são
novamente pautas sobre as quais a sociedade discute. Sejam elas da
previdência, trabalhistas ou a política. Resta saber se próximos
governos se aventurarão ao lidar com elas.
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