A presidente afastada, Dilma Rousseff (PT), se defendeu na manhã desta segunda-feira (29) do processo de impeachment.
Ela optou por um tom político em sua defesa final, negou as acusações
de crime de responsabilidade e sustentou o discurso de golpe.
São
necessários 28 votos para que a petista volte a comandar o País, mas na
votação da pronúncia, fase intermediária do processo, ela obteve apenas
21. A expectativa é que a votação aconteça na madrugada de terça-feira
(30) para quarta-feira (31).
A presidente afastada é acusada de
crime de responsabilidade pela edição de decretos sem autorização do
Congresso e pelas pedaladas fiscais — atrasos de repasses do Tesouro
Nacional para o Banco do Brasil no Plano Safra.
Confira o discurso na íntegra.
Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski
Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal Renan Calheiros,
Excelentíssimas Senhoras Senadoras e Excelentíssimos Senhores Senadores,
Cidadãs e Cidadãos de meu amado Brasil,
No
dia 1o de janeiro de 2015 assumi meu segundo mandato à Presidência da
República Federativa do Brasil. Fui eleita por mais 54 milhões de votos.
Na
minha posse, assumi o compromisso de manter, defender e cumprir a
Constituição, bem como o de observar as leis, promover o bem geral do
povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do
Brasil.
Ao exercer a Presidência da República respeitei
fielmente o compromisso que assumi perante a nação e aos que me
elegeram. E me orgulho disso. Sempre acreditei na democracia e no Estado
de direito, e sempre vi na Constituição de 1988 uma das grandes
conquistas do nosso povo.
Jamais atentaria contra o que acredito ou praticaria atos contrários aos interesses daqueles que me elegeram.
Nesta
jornada para me defender do impeachment me aproximei mais do povo, tive
oportunidade de ouvir seu reconhecimento, de receber seu carinho. Ouvi
também críticas duras ao meu governo, a erros que foram cometidos e a
medidas e políticas que não foram adotadas. Acolho essas críticas com
humildade.
Até porque, como todos, tenho defeitos e cometo erros.
Entre
os meus defeitos não está a deslealdade e a covardia. Não traio os
compromissos que assumo, os princípios que defendo ou os que lutam ao
meu lado. Na luta contra a ditadura, recebi no meu corpo as marcas da
tortura. Amarguei por anos o sofrimento da prisão. Vi companheiros e
companheiras sendo violentados, e até assassinados.
Na
época, eu era muito jovem. Tinha muito a esperar da vida. Tinha medo da
morte, das sequelas da tortura no meu corpo e na minha alma. Mas não
cedi. Resisti. Resisti à tempestade de terror que começava a me engolir,
na escuridão dos tempos amargos em que o país vivia. Não mudei de lado. Apesar de receber o peso da injustiça nos meus ombros, continuei
lutando pela democracia.
Dediquei todos esses anos da
minha vida à luta por uma sociedade sem ódios e intolerância. Lutei por
uma sociedade livre de preconceitos e de discriminações. Lutei por uma
sociedade onde não houvesse miséria ou excluídos. Lutei por um Brasil
soberano, mais igual e onde houvesse justiça.
Disso tenho orgulho. Quem acredita, luta.
Aos quase setenta anos de idade, não seria agora, após ser mãe e avó, que abdicaria dos princípios que sempre me guiaram.
Exercendo
a Presidência da República tenho honrado o compromisso com o meu país,
com a Democracia, com o Estado de Direito. Tenho sido intransigente na
defesa da honestidade na gestão da coisa pública.
Por
isso, diante das acusações que contra mim são dirigidas neste processo,
não posso deixar de sentir, na boca, novamente, o gosto áspero e amargo
da injustiça e do arbítrio.
E por isso, como no passado, resisto.
Não
esperem de mim o obsequioso silêncio dos covardes. No passado, com as
armas, e hoje, com a retórica jurídica, pretendem novamente atentar
contra a democracia e contra o Estado do Direito.
Se
alguns rasgam o seu passado e negociam as benesses do presente, que
respondam perante a sua consciência e perante a história pelos atos que
praticam. A mim cabe lamentar pelo que foram e pelo que se tornaram.
E
resistir. Resistir sempre. Resistir para acordar as consciências ainda
adormecidas para que, juntos, finquemos o pé no terreno que está do lado
certo da história, mesmo que o chão trema e ameace de novo nos engolir.
Não
luto pelo meu mandato por vaidade ou por apego ao poder, como é próprio
dos que não tem caráter, princípios ou utopias a conquistar. Luto pela
democracia, pela verdade e pela justiça. Luto pelo povo do meu País,
pelo seu bem-estar.
Muitos hoje me perguntam de onde vem a
minha energia para prosseguir. Vem do que acredito. Posso olhar para
trás e ver tudo o que fizemos. Olhar para a frente e ver tudo o que
ainda precisamos e podemos fazer. O mais importante é que posso olhar
para mim mesma e ver a face de alguém que, mesmo marcada pelo tempo, tem
forças para defender suas ideias e seus direitos.
Sei
que, em breve, e mais uma vez na vida, serei julgada. E é por ter a
minha consciência absolutamente tranquila em relação ao que fiz, no
exercício da Presidência da República que venho pessoalmente à presença
dos que me julgarão. Venho para olhar diretamente nos olhos de Vossas
Excelências, e dizer, com a serenidade dos que nada tem a esconder que
não cometi nenhum crime de responsabilidade. Não cometi os crimes dos
quais sou acusada injusta e arbitrariamente.
Hoje o Brasil, o mundo e a história nos observam e aguardam o desfecho deste processo de impeachment.
No
passado da América Latina e do Brasil, sempre que interesses de setores
da elite econômica e política foram feridos pelas urnas, e não existiam
razões jurídicas para uma destituição legítima, conspirações eram
tramadas resultando em golpes de estado.
O Presidente
Getúlio Vargas, que nos legou a CLT e a defesa do patrimônio nacional,
sofreu uma implacável perseguição; a hedionda trama orquestrada pela
chamada “República do Galeão, que o levou ao suicídio.
O
Presidente Juscelino Kubitscheck, que contruiu essa cidade, foi vítima
de constantes e fracassadas tentativas de golpe, como ocorreu no
episódio de Aragarças.
O presidente João Goulart,
defensor da democracia, dos direitos dos trabalhadores e das Reformas de
Base, superou o golpe do parlamentarismo mas foi deposto e instaurou-se
a ditadura militar, em 1964. Durante 20 anos, vivemos o silêncio
imposto pelo arbítrio e a democracia foi varrida de nosso País. Milhões
de brasileiros lutaram e reconquistaram o direito a eleições diretas.
Hoje,
mais uma vez, ao serem contrariados e feridos nas urnas os interesses
de setores da elite econômica e política nos vemos diante do risco de
uma ruptura democrática. Os padrões políticos dominantes no mundo
repelem a violência explícita. Agora, a ruptura democrática se dá por
meio da violência moral e de pretextos constitucionais para que se
empreste aparência de legitimidade ao governo que assume sem o amparo
das urnas. Invoca-se a Constituição para que o mundo das aparências
encubra hipocritamente o mundo dos fatos.
As provas
produzidas deixam claro e inconteste que as acusações contra mim
dirigidas são meros pretextos, embasados por uma frágil retórica
jurídica.
Nos últimos dias, novos fatos evidenciaram
outro aspecto da trama que caracteriza este processo de impeachment. O
autor da representação junto ao Tribunal de Contas da União que motivou
as acusações discutidas nesse processo, foi reconhecido como suspeito
pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal. Soube-se ainda, pelo
depoimento do auditor responsável pelo parecer técnico, que ele havia
ajudado a elaborar a própria representação que auditou. Fica claro o
vício da parcialidade, a trama, na construção das teses por eles
defendidas.
São pretextos, apenas pretextos, para
derrubar, por meio de um processo de impeachment sem crime de
responsabilidade, um governo legítimo, escolhido em eleição direta com a
participação de 110 milhões de brasileiros e brasileiras. O governo de
uma mulher que ousou ganhar duas eleições presidenciais consecutivas.
São
pretextos para viabilizar um golpe na Constituição. Um golpe que, se
consumado, resultará na eleição indireta de um governo usurpador.
A
eleição indireta de um governo que, já na sua interinidade, não tem
mulheres comandando seus ministérios, quando o povo, nas urnas, escolheu
uma mulher para comandar o país. Um governo que dispensa os negros na
sua composição ministerial e já revelou um profundo desprezo pelo
programa escolhido pelo povo em 2014.
Fui eleita
presidenta por 54 milhões e meio de votos para cumprir um programa cuja
síntese está gravada nas palavras “nenhum direito a menos”.
O
que está em jogo no processo de impeachment não é apenas o meu mandato.
O que está em jogo é o respeito às urnas, à vontade soberana do povo
brasileiro e à Constituição.
O que está em jogo são as
conquistas dos últimos 13 anos: os ganhos da população, das pessoas mais
pobres e da classe média; a proteção às crianças; os jovens chegando às
universidades e às escolas técnicas; a valorização do salário mínimo;
os médicos atendendo a população; a realização do sonho da casa própria.
O
que está em jogo é o investimento em obras para garantir a convivência
com a seca no semiárido, é a conclusão do sonhado e esperado projeto de
integração do São Francisco. O que está em jogo é, também, a grande
descoberta do Brasil, o pré-sal. O que está em jogo é a inserção
soberana de nosso País no cenário internacional, pautada pela ética e
pela busca de interesses comuns.
O que está em jogo é a
auto-estima dos brasileiros e brasileiras, que resistiram aos ataques
dos pessimistas de plantão à capacidade do País de realizar, com
sucesso, a Copa do Mundo e as Olimpíadas e Paraolimpíadas.
O
que está em jogo é a conquista da estabilidade, que busca o equilíbrio
fiscal mas não abre mão de programas sociais para a nossa população.
O que está em jogo é o futuro do País, a oportunidade e a esperança de avançar sempre mais.
Senhoras e senhores senadores,
No
presidencialismo previsto em nossa Constituição, não basta a eventual
perda de maioria parlamentar para afastar um Presidente. Há que se
configurar crime de responsabilidade. E está claro que não houve tal
crime.
Não é legítimo, como querem os meus acusadores,
afastar o chefe de Estado e de governo pelo “conjunto da obra”. Quem
afasta o Presidente pelo “conjunto da obra” é o povo e, só o povo, nas
eleições. E nas eleições o programa de governo vencedor não foi este
agora ensaiado e desenhado pelo Governo interino e defendido pelos meus
acusadores.
O que pretende o governo interino, se transmudado em efetivo, é um verdadeiro ataque às conquistas dos últimos anos.
Desvincular
o piso das aposentadorias e pensões do salário mínimo será a destruição
do maior instrumento de distribuição de renda do país, que é a
Previdência Social. O resultado será mais pobreza, mais mortalidade
infantil e a decadência dos pequenos municípios.
A
revisão dos direitos e garantias sociais previstos na CLT e a proibição
do saque do FGTS na demissão do trabalhador são ameaças que pairam sobre
a população brasileira caso prospere o impeachment sem crime de
responsabilidade.
Conquistas importantes para as
mulheres, os negros e as populações LGBT estarão comprometidas pela
submissão a princípios ultraconservadores.
O nosso patrimônio estará em questão, com os recursos do pré-sal, as riquezas naturais e minerárias sendo privatizadas.
A
ameaça mais assustadora desse processo de impeachment sem crime de
responsabilidade é congelar por inacreditáveis 20 anos todas as despesas
com saúde, educação, saneamento, habitação. É impedir que, por 20 anos,
mais crianças e jovens tenham acesso às escolas; que, por 20 anos, as
pessoas possam ter melhor atendimento à saúde; que, por 20 anos, as
famílias possam sonhar com casa própria.
Senhor Presidente Ricardo Lewandowski, Sras. e Srs. Senadores,
A verdade é que o resultado eleitoral de 2014 foi um rude golpe em setores da elite conservadora brasileira.
Desde
a proclamação dos resultados eleitorais, os partidos que apoiavam o
candidato derrotado nas eleições fizeram de tudo para impedir a minha
posse e a estabilidade do meu governo. Disseram que as eleições haviam
sido fraudadas, pediram auditoria nas urnas, impugnaram minhas contas
eleitorais, e após a minha posse, buscaram de forma desmedida quaisquer
fatos que pudessem justificar retoricamente um processo de impeachment.
Como
é próprio das elites conservadoras e autoritárias, não viam na vontade
do povo o elemento legitimador de um governo. Queriam o poder a qualquer
preço.
Tudo fizeram para desestabilizar a mim e ao meu governo.
Só
é possível compreender a gravidade da crise que assola o Brasil desde
2015, levando-se em consideração a instabilidade política aguda que,
desde a minha reeleição, tem caracterizado o ambiente em que ocorrem o
investimento e a produção de bens e serviços.
Não se
procurou discutir e aprovar uma melhor proposta para o País. O que se
pretendeu permanentemente foi a afirmação do “quanto pior melhor”, na
busca obsessiva de se desgastar o governo, pouco importando os
resultados danosos desta questionável ação política para toda a
população.
A possibilidade de impeachment tornou-se
assunto central da pauta política e jornalística apenas dois meses após
minha reeleição, apesar da evidente improcedência dos motivos para
justificar esse movimento radical.
Nesse ambiente de
turbulências e incertezas, o risco político permanente provocado pelo
ativismo de parcela considerável da oposição acabou sendo um elemento
central para a retração do investimento e para o aprofundamento da crise
econômica.
Deve ser também ressaltado que a busca do
reequilíbrio fiscal, desde 2015, encontrou uma forte resistência na
Câmara dos Deputados, à época presidida pelo Deputado Eduardo Cunha. Os
projetos enviados pelo governo foram rejeitados, parcial ou
integralmente. Pautas bombas foram apresentadas e algumas aprovadas.
As
comissões permanentes da Câmara, em 2016, só funcionaram a partir do
dia 5 de maio, ou seja, uma semana antes da aceitação do processo de
impeachment pela Comissão do Senado Federal. Os Srs. e as Sras.
Senadores sabem que o funcionamento dessas Comissões era e é
absolutamente indispensável para a aprovação de matérias que interferem
no cenário fiscal e encaminhar a saída da crise.
Foi
criado assim o desejado ambiente de instabilidade política, propício a
abertura do processo de impeachment sem crime de responsabilidade.
Sem essas ações, o Brasil certamente estaria hoje em outra situação política, econômica e fiscal.
Muitos
articularam e votaram contra propostas que durante toda a vida
defenderam, sem pensar nas consequências que seus gestos trariam para o
país e para o povo brasileiro. Queriam aproveitar a crise econômica,
porque sabiam que assim que o meu governo viesse a superá-la, sua
aspiração de acesso ao poder haveria de ficar sepultada por mais um
longo período.
Mas, a bem da verdade, as forças
oposicionistas somente conseguiram levar adiante o seu intento quando
outra poderosa força política a elas se agregou: a força política dos
que queriam evitar a continuidade da “sangria” de setores da classe
política brasileira, motivada pelas investigações sobre a corrupção e o
desvio de dinheiro público.
É notório que durante o meu
governo e o do Pr Lula foram dadas todas as condições para que estas
investigações fossem realizadas. Propusemos importantes leis que dotaram
os órgãos competentes de condições para investigar e punir os culpados.
Assegurei
a autonomia do Ministério Público, nomeando como Procurador Geral da
República o primeiro nome da lista indicado pelos próprios membros da
instituição. Não permiti qualquer interferência política na atuação da
Polícia Federal.
Contrariei, com essa minha postura, muitos interesses. Por isso, paguei e pago um elevado preço pessoal pela postura que tive.
Arquitetaram
a minha destituição, independentemente da existência de quaisquer fatos
que pudesse justificá-la perante a nossa Constituição.
Encontraram, na pessoa do ex-Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha o vértice da sua aliança golpista.
Articularam
e viabilizaram a perda da maioria parlamentar do governo. Situações
foram criadas, com apoio escancarado de setores da mídia, para construir
o clima político necessário para a desconstituição do resultado
eleitoral de 2014.
Todos sabem que este processo de
impeachment foi aberto por uma “chantagem explícita” do ex-Presidente da
Câmara, Eduardo Cunha, como chegou a reconhecer em declarações à
imprensa um dos próprios denunciantes. Exigia aquele parlamentar que eu
intercedesse para que deputados do meu partido não votassem pela
abertura do seu processo de cassação.
Nunca aceitei na
minha vida ameaças ou chantagens. Se não o fiz antes, não o faria na
condição de Presidenta da República. É fato, porém, que não ter me
curvado a esta chantagem motivou o recebimento da denúncia por crime de
responsabilidade e a abertura deste d processo, sob o aplauso dos
derrotados em 2014 e dos temerosos pelas investigações.
Se
eu tivesse me acumpliciado com a improbidade e com o que há de pior na
política brasileira, como muitos até hoje parecem não ter o menor pudor
em fazê-lo, eu não correria o risco de ser condenada injustamente.
Quem
se acumplicia ao imoral e ao ilícito, não tem respeitabilidade para
governar o Brasil. Quem age para poupar ou adiar o julgamento de uma
pessoa que é acusada de enriquecer às custas do Estado brasileiro e do
povo que paga impostos, cedo ou tarde, acabará pagando perante a
sociedade e a história o preço do seu descompromisso com a ética.
Todos
sabem que não enriqueci no exercício de cargos públicos, que não
desviei dinheiro público em meu proveito próprio, nem de meus
familiares, e que não possuo contas ou imóveis no exterior. Sempre agi
com absoluta probidade nos cargos públicos que ocupei ao longo da minha
vida.
Curiosamente, serei julgada, por crimes que não
cometi, antes do julgamento do ex-presidente da Câmara, acusado de ter
praticado gravíssimos atos ilícitos e que liderou as tramas e os ardis
que alavancaram as ações voltadas à minha destituição.
Ironia
da história? Não, de forma nenhuma. Trata-se de uma ação deliberada que
conta com o silêncio cúmplice de setores da grande mídia brasileira.
Viola-se
a democracia e pune-se uma inocente. Este é o pano de fundo que marca o
julgamento que será realizado pela vontade dos que lançam contra mim
pretextos acusatórios infundados.
Estamos a um passo da
consumação de uma grave ruptura institucional. Estamos a um passo da
concretização de um verdadeiro golpe de Estado.
Senhoras e Senhores Senadores,
Vamos
aos autos deste processo. Do que sou acusada? Quais foram os atentados à
Constituição que cometi? Quais foram os crimes hediondos que pratiquei?
A
primeira acusação refere-se à edição de três decretos de crédito
suplementar sem autorização legislativa. Ao longo de todo o processo,
mostramos que a edição desses decretos seguiu todas as regras legais.
Respeitamos a previsão contida na Constituição, a meta definida na LDO e
as autorizações estabelecidas no artigo 4° da Lei Orçamentária de 2015,
aprovadas pelo Congresso Nacional.
Todas essas previsões
legais foram respeitadas em relação aos 3 decretos. Eles apenas
ofereceram alternativas para alocação dos mesmos limites, de empenho e
financeiro, estabelecidos pelo decreto de contingenciamento, que não
foram alterados. Por isso, não afetaram em nada a meta fiscal.
Ademais,
desde 2014, por iniciativa do Executivo, o Congresso aprovou a
inclusão, na LDO, da obrigatoriedade que qualquer crédito aberto deve
ter sua execução subordinada ao decreto de contingenciamento, editado
segundo as normas estabelecidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal. E
isso foi precisamente respeitado.
Não sei se por
incompreensão ou por estratégia, as acusações feitas neste processo
buscam atribuir a esses decretos nossos problemas fiscais. Ignoram ou
escondem que os resultados fiscais negativos são consequência da
desaceleração econômica e não a sua causa.
Escondem que,
em 2015, com o agravamento da crise, tivemos uma expressiva queda da
receita ao longo do ano — foram R$ 180 bilhões a menos que o previsto na
Lei Orçamentária.
Fazem questão de ignorar que
realizamos, em 2015, o maior contingenciamento de nossa história. Cobram
que, quando enviei ao Congresso Nacional, em julho de 2015, o pedido de
autorização para reduzir a meta fiscal, deveria ter imediatamente
realizado um novo contingenciamento. Não o fiz porque segui o
procedimento que não foi questionado pelo Tribunal de Contas da União ou
pelo Congresso Nacional na análise das contas de 2009.
Além
disso, a responsabilidade com a população justifica também nossa
decisão. Se aplicássemos, em julho, o contingenciamento proposto pelos
nossos acusadores cortaríamos 96% do total de recursos disponíveis para
as despesas da União. Isto representaria um corte radical em todas as
dotações orçamentárias dos órgãos federais. Ministérios seriam
paralisados, universidades fechariam suas portas, o Mais Médicos seria
interrompido, a compra de medicamentos seria prejudicada, as agências
reguladoras deixariam de funcionar. Na verdade, o ano de 2015 teria,
orçamentariamente, acabado em julho.
Volto a dizer: ao
editar estes decretos de crédito suplementar, agi em conformidade plena
com a legislação vigente. Em nenhum desses atos, o Congresso Nacional
foi desrespeitado. Aliás, este foi o comportamento que adotei em meus
dois mandatos.
Somente depois que assinei estes decretos é
que o Tribunal de Contas da União mudou a posição que sempre teve a
respeito da matéria. É importante que a população brasileira seja
esclarecida sobre este ponto: os decretos foram editados em julho e
agosto de 2015 e somente em outubro de 2015 o TCU aprovou a nova
interpretação.
O TCU recomendou a aprovação das contas de
todos os presidentes que editaram decretos idênticos aos que editei.
Nunca levantaram qualquer problema técnico ou apresentaram a
interpretação que passaram a ter depois que assinei estes atos.
Querem
me condenar por ter assinado decretos que atendiam a demandas de
diversos órgãos, inclusive do próprio Poder Judiciário, com base no
mesmo procedimento adotado desde a entrada em vigor da Lei de
Responsabilidade Fiscal, em 2001?
Por ter assinado
decretos que somados, não implicaram, como provado nos autos, em nenhum
centavo de gastos a mais para prejudicar a meta fiscal?
A
segunda denúncia dirigida contra mim neste processo também é injusta e
frágil. Afirma-se que o alegado atraso nos pagamentos das subvenções
econômicas devidas ao Banco do Brasil, no âmbito da execução do programa
de crédito rural Plano Safra, equivale a uma “operação de crédito”, o
que estaria vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Como
minha defesa e várias testemunhas já relataram, a execução do Plano
Safra é regida por uma lei de 1992, que atribui ao Ministério da Fazenda
a competência de sua normatização, inclusive em relação à atuação do
Banco do Brasil. A Presidenta da República não pratica nenhum ato em
relação à execução do Plano Safra. Parece óbvio, além de juridicamente
justo, que eu não seja acusada por um ato inexistente.
A
controvérsia quanto a existência de operação de crédito surgiu de uma
mudança de interpretação do TCU, cuja decisão definitiva foi emitida em
dezembro de 2015. Novamente, há uma tentativa de dizer que cometi um
crime antes da definição da tese de que haveria um crime. Uma tese que
nunca havia surgido antes e que, como todas as senhoras e senhores
senadores souberam em dias recentes, foi urdida especialmente para esta
ocasião.
Lembro ainda a decisão recente do Ministério
Público Federal, que arquivou inquérito exatamente sobre esta questão.
Afirmou não caber falar em ofensa à lei de responsabilidade fiscal
porque eventuais atrasos de pagamento em contratos de prestação de
serviços entre a União e instituições financeiras públicas não são
operações de crédito.
Insisto, senhoras senadoras e
senhores senadores: não sou eu nem tampouco minha defesa que fazemos
estas alegações. É o Ministério Público Federal que se recusou a dar
sequência ao processo, pela inexistência de crime.
Sobre a
mudança de interpretação do TCU, lembro que, ainda antes da decisão
final, agi de forma preventiva. Solicitei ao Congresso Nacional a
autorização para pagamento dos passivos e defini em decreto prazos de
pagamento para as subvenções devidas. Em dezembro de 2015, após a
decisão definitiva do TCU e com a autorização do Congresso, saldamos
todos os débitos existentes.
Não é possível que não se veja aqui também o arbítrio deste processo e a injustiça também desta acusação.
Este
processo de impeachment não é legítimo. Eu não atentei, em nada, em
absolutamente nada contra qualquer dos dispositivos da Constituição que,
como Presidenta da República, jurei cumprir. Não pratiquei ato ilícito.
Está provado que não agi dolosamente em nada. Os atos praticados
estavam inteiramente voltados aos interesses da sociedade. Nenhuma lesão
trouxeram ao erário ou ao patrimônio público.
Volto a
afirmar, como o fez a minha defesa durante todo o tempo, que este
processo está marcado, do início ao fim, por um clamoroso desvio de
poder.
É isto que explica a absoluta fragilidade das acusações que contra mim são dirigidas.
Tem-se
afirmado que este processo de impeachment seria legítimo porque os
ritos e prazos teriam sido respeitados. No entanto, para que seja feita
justiça e a democracia se imponha, a forma só não basta. É necessário
que o conteúdo de uma sentença também seja justo. E no caso, jamais
haverá justiça na minha condenação.
Ouso dizer que em
vários momentos este processo se desviou, clamorosamente, daquilo que a
Constituição e os juristas denominam de “devido processo legal”.
Não
há respeito ao devido processo legal quando a opinião condenatória de
grande parte dos julgadores é divulgada e registrada pela grande
imprensa, antes do exercício final do direito de defesa.
Não
há respeito ao devido processo legal quando julgadores afirmam que a
condenação não passa de uma questão de tempo, porque votarão contra mim
de qualquer jeito.
Nesse caso, o direito de defesa será
exercido apenas formalmente, mas não será apreciado substantivamente nos
seus argumentos e nas suas provas. A forma existirá apenas para dar
aparência de legitimidade ao que é ilegítimo na essência.
Senhoras e senhores senadores,
Nesses meses, me perguntaram inúmeras vezes porque eu não renunciava, para encurtar este capítulo tão difícil de minha vida.
Jamais o faria porque tenho compromisso inarredável com o Estado Democrático de Direito.
Jamais o faria porque nunca renuncio à luta.
Confesso
a Vossas Excelências, no entanto, que a traição, as agressões verbais e
a violência do preconceito me assombraram e, em alguns momentos, até me
magoaram. Mas foram sempre superados, em muito, pela solidariedade,
pelo apoio e pela disposição de luta de milhões de brasileiras e
brasileiros pelo País afora. Por meio de manifestações de rua, reuniões,
seminários, livros, shows, mobilizações na internet, nosso povo
esbanjou criatividade e disposição para a luta contra o golpe.
As
mulheres brasileiras têm sido, neste período, um esteio fundamental
para minha resistência. Me cobriram de flores e me protegeram com sua
solidariedade. Parceiras incansáveis de uma batalha em que a misoginia e
o preconceito mostraram suas garras, as brasileiras expressaram, neste
combate pela democracia e pelos direitos, sua força e resiliência.
Bravas mulheres brasileiras, que tenho a honra e o dever de representar
como primeira mulher Presidenta do Brasil.
Chego à última
etapa desse processo comprometida com a realização de uma demanda da
maioria dos brasileiros: convocá-los a decidir, nas urnas, sobre o
futuro de nosso País. Diálogo, participação e voto direto e livre são as
melhores armas que temos para a preservação da democracia.
Confio
que as senhoras senadoras e os senhores senadores farão justiça. Tenho a
consciência tranquila. Não pratiquei nenhum crime de responsabilidade.
As acusações dirigidas contra mim são injustas e descabidas. Cassar em
definitivo meu mandato é como me submeter a uma pena de morte política.
Este
é o segundo julgamento a que sou submetida em que a democracia tem
assento, junto comigo, no banco dos réus. Na primeira vez, fui condenada
por um tribunal de exceção. Daquela época, além das marcas dolorosas da
tortura, ficou o registro, em uma foto, da minha presença diante de
meus algozes, num momento em que eu os olhava de cabeça erguida enquanto
eles escondiam os rostos, com medo de serem reconhecidos e julgados
pela história.
Hoje, quatro décadas depois, não há prisão
ilegal, não há tortura, meus julgadores chegaram aqui pelo mesmo voto
popular que me conduziu à Presidência. Tenho por todos o maior respeito,
mas continuo de cabeça erguida, olhando nos olhos dos meus julgadores.
Apesar
das diferenças, sofro de novo com o sentimento de injustiça e o receio
de que, mais uma vez, a democracia seja condenada junto comigo. E não
tenho dúvida que, também desta vez, todos nós seremos julgados pela
história.
Por duas vezes vi de perto a face da morte:
quando fui torturada por dias seguidos, submetida a sevícias que nos
fazem duvidar da humanidade e do próprio sentido da vida; e quando uma
doença grave e extremamente dolorosa poderia ter abreviado minha
existência.
Hoje eu só temo a morte da democracia, pela qual muitos de nós, aqui neste plenário, lutamos com o melhor dos nossos esforços.
Reitero: respeito os meus julgadores.
Não nutro rancor por aqueles que votarão pela minha destituição.
Respeito e tenho especial apreço por aqueles que têm lutado bravamente pela minha absolvição, aos quais serei eternamente grata.
Neste momento, quero me dirigir aos senadores que, mesmo sendo de oposição a mim e ao meu governo, estão indecisos.
Lembrem-se
que, no regime presidencialista e sob a égide da nossa Constituição,
uma condenação política exige obrigatoriamente a ocorrência de um crime
de responsabilidade, cometido dolosamente e comprovado de forma cabal.
Lembrem-se
do terrível precedente que a decisão pode abrir para outros
presidentes, governadores e prefeitos. Condenar sem provas substantivas.
Condenar um inocente.
Faço um apelo final a todos os senadores: não aceitem um golpe que, em vez de solucionar, agravará a crise brasileira.
Peço
que façam justiça a uma presidenta honesta, que jamais cometeu qualquer
ato ilegal, na vida pessoal ou nas funções públicas que exerceu. Votem
sem ressentimento. O que cada senador sente por mim e o que nós sentimos
uns pelos outros importa menos, neste momento, do que aquilo que todos
sentimos pelo país e pelo povo brasileiro.
Peço: votem contra o impeachment. Votem pela democracia.
Muito obrigada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário