Tarso Genro, ex-ministro da Justiça
“Essa
crise vem da falência de ideias do bolchevismo clássico e, com poucas
exceções, da direitização da social-democracia no terreno da economia,
que entende que a “globalização” é um processo técnico, que permite
apenas um único caminho: da redução das funções públicas do Estado,
combinada com políticas compensatórias, que não conseguem coesionar a
sociedade em torno dos valores democráticos modernos. Esta crise vem,
também, do fato de que o PT vem se tornando um partido mais pragmático
do que ideológico, no sentido nobre desta expressão, deixando de se
alimentar – em termos culturais e programáticos – fora do circuito do
poder estatal, usando métodos tradicionais de governabilidade, para
sobreviver aos processos eleitorais.
Quando falo que é incorreto
falar em “volta ao passado”, quero dizer que o passado, na história, é
apenas um referencial (bom ou mau) e não uma possibilidade de
recomposição mecânica. O PT surgiu num momento em que a classe operária
industrial era fundamental para pensar uma utopia socialista e
democrática e a USP era um referencial mundial para a esquerda. Os
trabalhadores não são mais os mesmos, as empresas são muito diferentes, a
globalização avançou e ocupou terrenos definitivos nas economias
nacionais e qualquer ideia, socialista ou social – democrática de corte
republicano, com liberdades públicas amplas, não pode ser pensada em
torno dos contraditórios de uma sociedade de classes que já é
inteiramente outra. Qual é esse projeto exige, por exemplo, dizer qual é
o projeto para sair, no imediato, de uma crise econômica e financeira
como essa que está aí, por dentro da democracia, criando novos consensos
democráticos, o que a direita -por exemplo- não fez.
Penso que o
golpe é o principal impulso criativo para promover uma nova Frente
Política – que pode ser designada como de esquerda, porque está à
esquerda da atual frente com o PMDB – mas que, na verdade, deve ser
organizada em torno de um programa social-democrata renovado, como
aquele que moveu Tsipras, na Grécia e move o Podemos, Esquerda Unida e
parte do PS Espanhol, atualmente. Alguns companheiros me dizem que isso é
muito pouco…Eu respondo a eles que isso é quase uma utopia, face a
situação de hoje!”
José de Souza Martins, sociólogo da USP:
“O
ciclo político do PT não acabou. Não há nenhum indício nesse sentido. O
que não quer dizer que o partido não esteja em crise e vivendo um
severo momento de desgaste e, quase certamente, de declínio eleitoral. É
preciso não confundir a crise que alcançou mais diretamente a
presidente Dilma Rousseff, e que poderá culminar com seu impedimento,
com extinção do ciclo político do PT. É pouco provável que ela consiga
retornar a uma função pública por via eleitoral. O comportamento do PT
em relação a ela tem sido o do abandono, um modo de transformá-la,
implicitamente, em bode expiatório da crise que não começa com ela e sim
com o caso do mensalão. Não é crise dela e sim do partido. Não
obstante, é ainda o único partido que poderá ter um candidato certo e
com chance de ser eleito em 2018, que é Lula. O PT tem um eleitorado
cativo e duradouro, constituído por aqueles que optam pelo partido
porque optaram por Lula e optaram por Lula porque nele enxergam a
personificação de uma esperança profética e messiânica. Nenhum ouro
partido político brasileiro tem essa característica, tão brasileira, e
ainda decisiva nos enfrentamentos eleitorais. Seria um grande erro
desconhecer ou mesmo desdenhar essa caraterística do processo político
brasileiro.
Em decorrência, não se pode esquecer que o PT é peça
de uma trama articulada por ele, mas que envolve vários partidos
políticos e um grande número de pessoas com ele envolvidas. De certo
modo, o declínio do partido arrasta consigo outros partidos e políticos
não petistas, a começar do PMDB e com ele, o próprio vice-presidente da
República. O impedimento de Dilma não encerra um ciclo, apenas o
fragiliza. Nem fortalece o PMDB, que agora terá que propor uma nova
aliança política de governo. Com algumas exceções significativas, uma
parte dos ministros já recrutados mostra que o elenco dos nomes
disponíveis para recompor o governo ou fundar um novo governo é pequeno e
incapaz de injetar confiança em relação ao mandato do sucessor.
A
crise do governo e a crise do PT não constituem crises das esquerdas. O
PT não é, propriamente, um partido de esquerda, a não ser na retórica
publicitária. Os 13 anos de governos petistas deixaram isso claro. O
partido manipulou os grupos populares, mas fez alianças significativas
com grupos de direita, como é o caso do agronegócio. As verdadeiras
esquerdas estão muito longe de alianças desse tipo. Por outro lado, as
esquerdas brasileiras estão muito divididas e muito fragilizadas. De
classe média, estão longe dos grupos referenciais de base da tradição de
esquerda, como a classe operária e os trabalhadores rurais. Hoje estão
predominantemente circunscritas a grupos constituintes do setor médio,
como é o caso dos estudantes. Tendo, mesmo, que se valer dos menores de
idade da escola média, como os que ocuparam as escolas nos últimos
meses, para ter visibilidade política.
É pouco provável que as
esquerdas encontrem o rumo no corpo da crise atual. Elas tem se revelado
incapazes de interpretar dialeticamente o processo político e seu
próprio lugar na História”.
Daniel Aarão Reis, historiador da Universidade Federal Fluminense:
“Recorro a uma expressão francesa: cure d’opposition.
Quando um partido perde o ímpeto renovador, e se esclerosa no governo,
começa o desgaste, que, em parte, é inevitável no exercício de qualquer
nível de poder. Nestas condições, de desgaste crescente, é melhor fazer
uma “cura” na oposição e refazer forças para tentar, mais tarde,
retornar.
Vamos concretizar: depois de uma primeira administração
infecunda, e de ter cometido um grande estelionato eleitoral, omitindo
os dados da crise e prometendo o que não ia cumprir, Dilma foi
procurar o dono do Bradesco para ser seu ministro da Fazenda. Acabou
ficando com o Joaquim Levy, indicado por ele, e aí a enrascada aumentou
ainda mais. Perdeu confiança de suas bases e não ganhou apoio das
elites. Isolou-se. Não teria sido melhor para ela e para o seu partido
terem ido para a oposição? Onde poderiam dar combate às “fórmulas”
tradicionais e nada milagrosas de superar as crises à custa dos
trabalhadores? Se o impeachment prevalecer, como parece que vai ser o
caso, o PT e as forças de esquerda terão um horizonte de lutas para se
reinventarem. Para um Partido popular, não será melhor do que cumprir o
programa dos banqueiros, do capital financeiro, do agro-negócio e dos
empreiteiros para “solucionar” a crise?
Não haverá outro caminho. E
o PT tem reservas para isto, apesar do desgaste. O partido é
nacionalmente muito ramificado e, acima de tudo, representa interesses
específicos que não serão defendidos por outros governos. Por outro
lado, o Partido e suas lideranças associam-se na memória das gentes a
melhorias substanciais do ponto de vista econômico, mas também de outros
ângulos – político, cultural. A cultura política prevalecente em
muitas camadas populares e até em níveis mais altos da sociedade é a
cultura política nacional-estatista, marcada pelo corporativismo. Ela
tem uma longa história, desde sua fundação, no quadro da ditadura do
Estado Novo, liderada por Vargas. Metamorfoseando-se, enraizou-se de
modo profundo neste país. E o PT e suas lideranças exprimem melhor do
que qualquer outro, pelo menos por enquanto, esta cultura política. Não
custa repetir – o PT está muito enfraquecido, mas seu cortejo fúnebre
ainda não saiu. Agora, se ele continuar repetindo os erros cometidos, e
não se reinventar, é possível que, num prazo dado, outros aventureiros
apareçam para por a mão na sua coroa”.
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