Entre os países da América Latina, situação brasileira é somente
melhor do que a da Guatemala, onde apenas 30% da população respaldam o
regime democrático. Na região como um todo, índice caiu de 61% para 54%
desde 2010.
O apoio à democracia na América Latina caiu para um nível
histórico. E o Brasil – onde Dilma Rousseff acaba de ser destituída do
cargo de presidente – é o país em que mais se verifica essa tendência.
"O
passado não conta, e como governante é preciso reconquistar [a
aprovação dos eleitores] a cada dia", afirma uma das conclusões de uma
pesquisa de opinião divulgada no início de setembro pela Corporación
Latinobarómetro.
Desde 1995, a renomada organização não
governamental avalia a cada ano o apoio dos latino-americanos à
democracia como forma de governo. A instituição é apoiada pelo Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) e pela Transparência
Internacional.
A atual análise é resultado de uma sondagem
realizada com 20 mil pessoas em 18 países da América Latina. O
resultado: desde 2010, o índice de apoio à democracia na região caiu de
61% para 54%.
Terremoto político no Brasil
No
Brasil, o índice caiu de 54% para 32% em apenas um ano. Somente na
Guatemala – onde, em 2015, o presidente Otto Pérez Molina teve que
renunciar por causa de acusações de corrupção – o índice de apoio à
democracia é menor: 30%.
As consequências da situação no Brasil
são especialmente grandes. "O Brasil não é somente o maior e mais
poderoso, mas também o único país da América Latina que está lado a lado
com as potências mundiais", diz o estudo.
Por isso, o estado da
democracia brasileira tem fundamental importância para toda a América
Latina. "A recuperação política do Brasil está vinculada à capacidade do
governo de mostrar progressos na luta contra a corrupção", conclui o
texto.
Os resultados atuais da pesquisa estão alinhados com uma
tendência mundial de ceticismo em relação à democracia abordada pelo
pesquisador americano Marc F. Plattner no ano passado, em seu livro
Democracy in decline? ("Democracia em declínio?", em tradução livre).
Herança do passado
Na
América Latina, muitos países voltaram à democracia há não mais de 30
anos. A análise das consequências das ditaduras militares dos anos 1970 e
1980 ainda não foi concluída.
Segundo o estudo, o aumento da
indiferença política na região é particularmente grave. Do total de
entrevistados, 23% da população não se importam se o governo foi eleito
democraticamente ou não. Em 2010, esse índice era de somente 16%.
"A
perda de confiança se manifesta num momento em que as perspectivas
sombrias para a região se misturam com as altas exigências dos cidadãos
em relação aos seus representantes no governo", afirma Marta Lagos,
fundadora e diretora da Corporación Latinobarómetro. Esta é a primeira
vez que a combinação desses fatores foi verificada na pesquisa.
Recessão e corrupção
Perspectivas
econômicas negativas dificilmente são os fatores decisivos para a
crescente desilusão com a democracia. Isso porque, justamente durante a
crise mundial de 2008 e 2009, o índice de aprovação alcançou,
respectivamente, 57% e 59%. Um ano depois, em 2010, ele chegou a 61%.
"A
sociedade mudou", constata Marta Lagos. "O que ainda era tolerado há
cinco anos, não é mais aceitável hoje." As pessoas exigem soluções
concretas que precisam ser implementadas imediatamente contra problemas
também concretos. "Eles não estão mais dispostos a esperar para depois",
opina.
À primeira vista, o resultado da pesquisa na Venezuela é
surpreendente. Embora o país esteja em colapso político e econômico, a
democracia tem 77% de aprovação. Uma possível explicação é que muitos
venezuelanos não consideram mais o governo do presidente Nicolás Maduro
democrático e desejam que a Constituição volte a ser respeitada.
Só o presente importa
Em
Chile, Uruguai, Nicarágua e El Salvador, o apoio à democracia também
caiu. No Chile, não diminuiu somente o apoio à democracia, mas também à
presidente Michelle Bachelet.
Embora ela tenha terminado seu
primeiro mandato em 2010 com um índice de aprovação de cerca de 80%, seu
segundo mandato, iniciado em 2014, registra números bem menores.
A
razão para a queda não foi somente a crise econômica provocada pela
diminuição dos preços de exportação no mercado internacional da
principal matéria-prima do país – o cobre –, mas um escândalo de
corrupção no qual o filho de Bachelet estava envolvido. "Esses são
sinais do tempo: não há mais garantia sobre êxitos alcançados no
passado", explica Lagos.
"Com a democracia crescem também as
exigências aos representantes eleitos para que resolvam os problemas
estruturais da região", resume Lagos, citando o único resultado positivo
da pesquisa: o apoio à volta de regimes autoritários caiu de 16% para
15%.
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