Documentos mostram que Lula fez lobby para a Odebrecht no exterior
BRASÍLIA — Telegramas
diplomáticos trocados entre chefes de postos brasileiros no exterior e o
Ministério das Relações Exteriores, entre 2011 e 2014, indicam que as
atividades do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em favor do grupo
Odebrecht no exterior foram além da contratação para proferir palestras,
diferentemente do que o petista e a construtora têm sustentado. Os
documentos apontam que Lula, em pelo menos duas ocasiões, atuou para
beneficiar a Odebrecht — uma delas, com pedido expresso para que o
primeiro-ministro de Portugal, Pedro Passos Coelho, desse atenção aos
interesses da companhia num processo de privatização naquele país. Em
outra, Lula atuou na prospecção para aperfeiçoamento da matriz
energética cubana relacionada a Mariel, onde a empreiteira construiu um
porto com recursos do BNDES. Na época, Cuba buscava financiamento
externo para um ambicioso programa de modernização na área.
Liberados
na última quinta-feira pelo Itamaraty a partir de pedido por meio da
Lei de Acesso à Informação, os documentos descrevem, ainda, encontros de
Lula em Cuba, sempre em companhia de altos representantes da
construtora. Em uma das visitas à ilha, ele foi recepcionado no hotel
pelo presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, e pelo ex-ministro José
Dirceu. Por meio da assessoria de imprensa de seu instituto, o
ex-presidente Lula negou que tenha recebido de qualquer empresa para
“dar consultoria, fazer lobby ou tráfico de influência”. A Odebrecht
também negou ter usado serviços de Lula para tentar obter contratos.
Lula
é investigado pela Procuradoria da República do Distrito Federal por
suposto crime de “tráfico de influência em transação comercial
internacional”, incluído no Código Penal em 2002. O tipo penal
caracteriza como crime “solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou
para outrem, direta ou indiretamente, vantagem ou promessa de vantagem a
pretexto de influir em ato praticado por funcionário público
estrangeiro no exercício de suas funções, relacionado a transação
comercial internacional”. A pena prevista (2 a 5 anos de prisão) pode
ter aumento de 50%, se o beneficiário da vantagem for estrangeiro. A
legislação tem como origem uma convenção internacional de 1997, da qual o
Brasil é signatário, com objetivo de combater a corrupção no comércio
internacional.
A
movimentação do ex-presidente a favor da Odebrecht em Portugal é
relatada em dois telegramas. Em 25 de outubro de 2013, o embaixador
brasileiro em Lisboa, Mario Vilalva, enviou comunicado abordando a
visita de Lula a Portugal, ocorrida entre os dias 21 e 23 daquele ano. O
diplomata deixou claro que a visita do ex-presidente se deu em razão de
convite da Odebrecht, por conta dos 25 anos de presença da construtora
brasileira em Portugal. Na descrição da agenda de Lula em Lisboa, o
embaixador narrou que, no dia 22 de outubro, à tarde, o petista
“encontrou-se com empresários brasileiros, dentre os quais o dr. Emílio
Odebrecht”.
Menos de sete
meses depois, em outro telegrama, Vilalva, em 2 de maio de 2014, fez uma
análise sobre a privatização da Empresa Geral de Fomento (EGF), que
encontrava resistência por parte de alguns municípios portugueses que,
na avaliação do embaixador, havia gerado pouco resultado. Após descrever
como estava o processo, o diplomata observou que as empresas
brasileiras Odebrecht e Solvi, em parceria com o grupo português
Visabeira, demonstraram interesse pela EGF, o que gerou simpatia dos
formadores de opinião em Portugal. O diplomata registrou a ação direta
de Lula em favor da Odebrecht.
“Repercutiu
positivamente na mídia recente declaração do ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, em entrevista à RTP no dia 27/04 último, no sentido de
que o Brasil deve se engajar mais ativamente na aquisição de estatais
portuguesas. O ex-presidente também reforçou o interesse da Odebrecht
pela EGF ao primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, que reagiu
positivamente ao pleito brasileiro”, informou o diplomata.
Lula,
de fato, deu uma entrevista à televisão portuguesa, falando dos 40 anos
da Revolução dos Cravos e abordando vários temas, inclusive defendendo
maior participação de empresas brasileiras nas privatizações conduzidas
em Portugal — mas sem citar nenhuma empresa especificamente. A gestão a
favor da Odebrecht, pelo que se depreende do comunicado emitido pelo
diplomata, foi feita em caráter privado ao primeiro-ministro português.
Segundo site do Instituto Lula, o ex-presidente se encontrou com Passos
Coelho no dia 24 de abril. Eles teriam falado apenas da situação
econômica mundial e da Copa no Brasil.
Na
ocasião do telegrama, a empreiteira brasileira era uma das sete que
tinham manifestado oficialmente interesse no negócio. Dois meses depois,
porém, a Odebrecht não formalizou proposta. A EGF acabou vendida por
149,9 milhões de euros para a Suma, consórcio entre as empresas Mota e
Engil.
EM CUBA, RECEBIDO POR MARCELO ODEBRECHT
O
encarregado de negócios brasileiros em Cuba, Marcelo Câmara, num
telegrama de 3 de março de 2014, informou sobre a visita que Lula fez à
ilha entre 24 e 27 de fevereiro do mesmo ano. Resumo da mensagem: “Tema
central de suas interlocuções foi a prospecção de iniciativas para
aperfeiçoamento da matriz energética à zona especial de Mariel, e o
reforço da cultura de soja no país”. Nessa viagem, “em atendimento a
convite do governo local e com apoio do grupo COI/Odebrecht”, como
descreve o documento, Lula foi acompanhado, entre outros, do senador
Blairo Maggi (PR-MT) e do ex-ministro de Minas e Energia Silas Rondeau,
que deixou o governo em 2007 acusado de receber propina para favorecer
empresas com obras federais.
Os
comunicados da diplomacia brasileira demonstram ainda que Lula também
atuou para abrir as portas do BNDES a países africanos, embora não fique
claro se houve ligação direta com a Odebrecht. Em comunicado enviado da
sede do ministério para a representação brasileira no Zimbábue, há a
descrição de que o ex-presidente solicitou que o embaixador daquele país
fosse recebido no banco de fomento. A reunião teria ocorrido em 3 de
maio de 2012.
Na lista de
financiamentos de obras e serviços no exterior divulgada pelo BNDES não
consta nenhum financiamento para a atuação de empresas brasileiras no
Zimbábue, mas em 2013 por meio do Ministério de Desenvolvimento Agrário
foram liberados recursos (US$ 98 milhões) para aquele país no âmbito do
programa Mais Alimentos Internacional. Desde 1980, o Zimbábue é
governado pelo ditador Robert Mugabe.
Os
documentos do Itamaraty registram ainda outras viagens de Lula a Cuba.
Em junho de 2011, ele foi recebido por Marcelo Odebrecht e por José
Dirceu. “Em sua chegada ao hotel, Lula recebeu os cumprimentos do Senhor
José Dirceu e do empresário Marcelo Odebrecht, Diretor-Presidente
daquela construtora”, registrou o encarregado de negócios em Cuba na
ocasião, Albino Poli Jr., em telegrama enviado para o ministério.
Marcelo
está preso em Curitiba há um mês, após ser detido na fase “Erga Omnes”
da Operação Lava-Jato. Dirceu está em prisão domiciliar por sua
condenação no mensalão e já foi mencionado na Lava-Jato por alguns
delatores como beneficiário de propina por meio de sua empresa de
consultoria. Na visita em que fez na companhia deles a Cuba, o
ex-presidente se reuniu com Raúl e Fidel Castro. Pelo relato do
telegrama, Marcelo ficou fora das duas reuniões, enquanto Dirceu
acompanhou Lula apenas na conversa com Raúl.
O
ex-presidente teve ainda outra viagem ao país dos irmãos Castro
associada à Odebrecht. Conforme revelado pelo GLOBO, Lula esteve no país
em janeiro de 2013 com as despesas pagas pela empreiteira. Alexandrino
Alencar, então diretor de Relações Institucionais da empresa, chegou no
mesmo jatinho no qual viajou o ex-presidente. Alencar também foi preso
na Lava-Jato no mês passado e deixou a empreiteira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário