Dono da construtora Delta, o empresário Fernando Cavendish ganhou
notoriedade por duas razões. A primeira, sua fantástica capacidade de
angariar contratos públicos. Entre 2007 e 2012 foram quase 11 bilhões,
que representaram mais de 96% do faturamento de sua empresa no período. A
outra, pelo estreito relacionamento com o então governador do Rio de
Janeiro, Sergio Cabral. Passeios de helicóptero, jantares caros em
restaurantes da Europa, festas com guardanapos na cabeça e presentes
milionários marcaram essa promíscua simbiose entre o público e o
privado. Mas acabou-se o que era doce. Em julho passado, o empreiteiro
foi preso pela Polícia Federal na Operação Saqueador. Seu destino: Bangu
8.
Enquanto os Jogos Olímpicos incendiavam a cidade, Cavendish
ocupou a cela na galeria C da Cadeia Pública Pedrolino Werling de
Oliveira, no Complexo de Gericinó, zona oeste do Rio de Janeiro. Passava
os dias pensativo e, entre uma conversa e outra com parentes e
advogados nos dias de visita, bateu o martelo de que aceitaria o acordo
de delação premiada. Na tarde de 17 de agosto, ao empacotar suas coisas e
deixar a cela C6, virou-se para um dos agentes penitenciários e avisou:
“Deixem a cela arrumada que vem mais um hóspede grande”.
Não
era um blefe. O bilionário empreiteiro que havia acabado de conquistar
na Justiça o direito à prisão domiciliar estava decidido a não apodrecer
na cadeia de Bangu. Até então, as provas reunidas pelos procuradores do
Ministério Público Federal contra ele indicavam uma lavagem de dinheiro
de cerca de 370 milhões através de 18 empresas de fachada criadas para
praticar crimes. Cavendish precisaria, então, acenar com algo muito
maior. E Sergio Cabral se tornaria um alvo natural.
No acordo que
vem negociando, Cavendish apresentou algumas provas contundentes. E uma
delas constrangeu o ex-governador fluminense de tal maneira que ele não
se viu na condição de negar a versão do ex-amigo. A história foi
revelada pelo jornal O Globo, no mês passado. Em uma das
nababescas viagens em parceria que fizeram à Europa, em 2009, Cabral
levou Cavendish para um passeio certa manhã. Na porta de uma das
joalherias mais caras do mundo, a Van Cleef & Arpels, entrou para
buscar o anel de aniversário que havia encomendado para a mulher,
Adriana Ancelmo. E deu a conta para o empreiteiro pagar: 220 000 euros
(mais de 800 000 reais).
Como o empreiteiro disponibilizou a
fatura do cartão aos investigadores, não havia como Cabral negar. Em
nota, ele disse apenas que se tratava de um presente do amigo e que
jamais tomou conhecimento do valor. A entrega do anel aconteceu no
restaurante Le Louis XV, do chef Alan Ducasse, no Hotel de France, em
Mônaco, na noite de 17 de julho de 2009. “Posteriormente, quando foram
divulgadas as denúncias contra Cavendish envolvendo Carlos Cachoeira, o
Estado acompanhou o Governo Federal na decretação da inidoneidade da
Delta, motivo pelo qual o casal praticou o gesto de devolver o
presente”, dizia o ex-governador no texto divulgado por sua assessoria.
A
devolução do anel foi feita por um amigo em comum dos casais, o
empresário Paulo Fernando Magalhães Pinto Gonçalves, um assessor
especial de Cabral que, agora, na Operação Calicute, também foi preso e
mandado para Bangu 8, onde divide a cela C6 com o governador. Dono de
pelo menos dez empresas, era Paulo Fernando Magalhães Pinto quem pagava o
aluguel da sede no Leblon da empresa Objetiva, criada por Cabral em
2014 para dar consultoria e por onde, segundo os investigadores, o
dinheiro acumulado de propinas vinha sendo lavado.
O anel, no
entanto, não foi a única prova que Cavendish entregou contra Cabral até
aqui. Ele contou ainda na proposta de delação ter dado uma picape Ford
Ranger 2007 (placa KXG 0628), de presente ao ex-governador. O veículo
foi registrado em nome de…Paulo Fernando Magalhães Pinto, o mesmo que
tinha em seu nome um helicóptero e uma lancha de 5 milhões que os
procuradores acreditam ser de Cabral.
Cavendish prometeu entregar mais gente. Na edição desta semana
que chega às bancas, VEJA revela que a lâmina do Tribunal de Justiça do
Rio de Janeiro é uma das obras da Delta que o dono da empresa vai
detalhar. Houve propina ainda nas reformas do Rio Turvo e do Parque
Aquático Maria Lenk, na Barra da Tijuca, contrato feito sem licitação.
Além de Cabral, estão na mira de Cavendish outros políticos do PMDB e do
PSDB no Rio, São Paulo e Goiás.
Dia 17 de novembro de 2016,
exatos três meses depois de o profético Cavendish deixar a cela C6, o
ex-amigo Cabral entrou sem saber ao certo quanto tempo passará lá
dentro. Vai depender muito do que O empreiteiro vai contar à Justiça.
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