O
dono da empreiteira UTC, Ricardo Pessoa, confessou em sua delação
premiada, que pagou R$ 1,7 milhão ao ex-ministro da Casa Civil (governo
Lula) José Dirceu, em 2012 e 2013, quando ele estava condenado e depois
preso pelo processo do mensalão, como 'ajuda".
"Como José Dirceu
já estava envolvido com o processo do Mensalão, Luiz Eduardo (irmão do
ex-ministro e sócio), em certa data, veio procurar o declarante pedindo
um aditivo ao contrato", registrou a Procuradoria Geral da República, no
termo de colaboração número 21 do empreiteiro, de 28 de maio.
"Luiz
Eduardo afirmou que a JD estava passando por dificuldades financeiras",
contou Pessoa. A UTC foi uma das empreiteiras acusadas de cartel e
corrupção em contratos da Petrobrás, que fatiavam obras e pagavam
propinas de 1% a 3% para PT, PMDB e PP - partidos da base de sustentação
do governo Dilma Rousseff.
O empreiteiro revelou que "aceitou
realizar o aditivo, sabendo que a força de trabalho não era mais o
importante, mas apenas para ajudar José Dirceu". Um ano antes, Pessoa
contratara a JD Assessoria e Consultoria - empresa do pelo ex-ministro
usada após ele deixar o governo Luiz Inácio Lula da Silva, em 2005. O
objetivo era prospectar negócios no Peru. O contrato era de um ano, por
R$ 1,48 milhão.
Esse primeiro contrato foi firmado em fevereiro de
2012 e o primeiro aditivo, já com Dirceu condenado no mensalão, em
fevereiro de 2013. "No meio deste caminho, José Dirceu foi preso." O
ex-ministro-chefe da Casa Civil foi preso em novembro daquele ano -
passando a cumprir pena em regime domiciliar, no ano seguinte.
Atualmente, Dirceu está detido preventivamente, em Curitiba, alvo da
Lava Jato.
Sem serviços. "Depois, Luiz Eduardo veio e solicitou um
segundo aditivo. Nesta época, José Dirceu já estava preso", afirmou
Pessoa. Ele disse ter relutado, mas aceitou. O segundo aditivo foi
assinado em fevereiro de 2014 - mês anterior à deflagração da fase
ostensiva da Lava Jato.
"Depois da prisão de José Dirceu,
claramente não houve nenhuma prestação de serviços", garantiu Pessoa,
apontando que com certeza os pagamentos desse segundo aditivo foram
feitos sem qualquer consultoria prestada.
Abatimento do PT. O
empreiteiro afirmou ter resolvido comentar o assunto com o ex-tesoureiro
nacional do PT João Vaccari Neto - preso desde março, acusado de ser
operador de propinas do partido no esquema montado na Petrobrás - e que
ele se "mostrou ciente da ajuda" dada a Dirceu.
"O declarante
então buscou abater os valores pagos a título de ajuda para José Dirceu
relativo aos dois aditivos, com os valores que o declarante devia ao PT,
relacionados aos contratos da Petrobrás", registrou a PGR. O termo é um
dos pelo menos 11 que foram baixados do Supremo Tribunal Federal (STF),
onde foi feito o acordo, para a Justiça Federal, em Curitiba - onde
estão os processos envolvendo alvos sem foro privilegiado.
"João
Vaccari se negou a abater o valor total, mas aceitou que fosse
descontada parcela do valor dos aditivos", contou Pessoa. Somados, os
dois aditivos contratuais da UTC com a JD valiam R$ 1,74 milhão.
"O
declarante logrou abater, dos valores a título de propina que pagava ao
PT, a quantia de R$ 1.690.000,00", registrou a PGR. Pessoa entregou uma
tabela, que foi juntada no termo, para comprovar o que diz.
"Essa
tabela possui a sigla "URJ", que era a sigla criada para se referir à
propina decorrente da Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de
Janeiro)". Uma segunda linha desta mesma tabela entregue pelo
empreiteiro traz a anotação "V/JD" na coluna "contato" e "1.690" na
coluna valor total.
"Esta anotação representa justamente o
abatimento dos valores pago a José Dirceu, no valor de R$ 1,69 milhão,
em relação aos valores que devia para Vaccari, referente às obras da
Petrobrás/Comperj", registra a PGR. O valor pago para o PT via
ex-tesoureiro referente a essa obra seria R$ 15,5 milhões.
Na
agenda de Pessoa entregue aos investigadores da Lava Jato, estão
anotadas também o encontro inicial com Dirceu, na sede da JD em São
Paulo, em dezembro de 2011, e o almoço que teve em dezembro de 2012 no
apartamento do ex-ministro, em São Paulo.
"Neste almoço que José
Dirceu pediu, por intermédio de Luiz Eduardo, o primeiro aditivo ao
contrato", detalhou Pessoa. "José Dirceu em geral não fazia tais
pedidos, que era feitos por Luiz Eduardo, na frente de Dirceu". O
ex-ministro, segundo o empreiteiro, "assentia com os pedidos e estava
claramente de acordo".
Influência
Pessoa
afirmou que Dirceu "indicou Renato Duque ao cargo de Diretor de
Serviços". "José Dirceu tinha uma influência muito grande no Partido dos
Trabalhadores", afirmou Pessoa, em seu termo de delação número 21 -
sobre a propina paga ao ex-ministro, com dinheiro desviado de contratos
da Petrobrás.
O empresário afirmou que conhecia Dirceu há algum
tempo e que "passou a ter maior proximidade com ele especialmente logo
após a saída dele da Casa Civil, que ocorreu em julho de 2005?.
Afastado
do governo como peça central do escândalo do mensalão, o ex-ministro
virou consultor e passou a trabalhar via JD Assessoria e Consultoria,
que tinha com o irmão Luiz Eduardo Oliveira e Silva. "Sabia que ele era
uma pessoa influente e continuava a sê-lo", registrou a PGR, no termo de
Pessoa. Essa influência era tanto no PT como no governo federal.
O
empresário afirmou que "via José Dirceu com frequência no mesmo hotel"
em que ele se hospedava no Rio de Janeiro. Como diversos representantes
de empresas, como OAS, Engevix, Galvão Engenharia, teriam comentado com
ele que o ex-ministro "auxiliava na 'abertura de mercados', em especial
na América Latina'", Pessoa diz ter aproveitado um café da manhã para se
aproximar dele.
Foi um encontro casual em que Dirceu, durante o
café, teria perguntado a ele: "Você não vai para o exterior?". Pessoa
afirmou que ele se referia uma expansão da UTC para outros países.
O
empreiteiro disse ter explicado que por a UTC não ser tão grande, "não
poderia gastar muito dinheiro à toa". "No entanto, José Dirceu disse que
poderia ajudá-lo", afirmou Pessoa, que disse ter entendido como uma
oferta de serviço. O ex-ministro orientou o empresário a procurá-lo no
escritório da JD, em São Paulo.
No primeiro encontro Pessoa disse
ter ido acompanhado do lobista Julio Gerin Camargo, também delator da
Lava Jato. "José Dirceu foi bastante direto e objetivo, dizendo que
poderia auxiliá-lo em diversos países", contou Pessoa. O ex-ministro
teria citado Peru, Colômbia, Equador, Cuba e Espanha.
"José Dirceu
disse que conhecia os países e o governo destes países, tendo acesso
político a estes", declarou o dono da UTC. A empresa decidiu contratar
então a JD para prospectar negócios no Peru.
"Dirceu disse que
iriam firmar um contrato de consultoria e assim fazer uma 'agenda
política', para que (a UTC) tivesse oportunidades - ou seja, obras - nas
áreas de óleo e gás e infraestrutura no Peru", registra a delação.
O
ex-ministro teria comentando que "tinha contatos políticos no Peru e
que o (Ollanta) Humala, presidente do Peru, havia sido eleito e seria
fácil ter acessos políticos".
Pessoa foi questionado pelos
procuradores da PGR sobre quais eram suas expectativas ao contratar os
serviços de consultoria de Dirceu. "Esperava que, em razão da
intervenção de José Dirceu, a autoridade relevante no estrangeiro assim
se posicionasse: 'Eu vou dar a obra para este cara aqui porque o José
Dirceu pediu'", respondeu o empreiteiro.
Pessoa disse que tinha
"confiança de que José Dirceu poderia prover isto, até mesmo porquê
tinha ouvido no mercado que José Dirceu logrou efetivamente isto para
outras empresas".
Os termos de delação de Pessoa, enviados pelo
STF à Curitiba, tiveram sigilo levantado nesta sexta-feira, 11, pelo
juiz federal Sérgio Moro, que conduz os processos da Lava Jato. As
afirmações do empreiteiro geraram a abertura de uma representação
criminal, que vai apurar os pagamentos à JD.
A UTC foi uma das
empreiteiras que pagou por consultorias de Dirceu. A JD recebeu entre
2005 e 2013 um total de R$ 39 milhões, sendo que pelo menos R$ 9 milhões
de empreiteiras do cartel que atuava na Petrobrás.
Defesas
O
ex-ministro José Dirceu nega o recebimento de propinas. O criminalista
Roberto Podval, que defende Dirceu, apresentou à Justiça contratos e
notas dos recebimentos pela JD Assessoria da UTC. Ele afirma que os
valores são legais referentes à consultoria de prospecção de negócios no
exterior.
O advogado Luiz Flávio Borges D'Urso, que defende João
Vaccari Neto, afirmou que o ex-tesoureiro do PT 'jamais arrecadou
propinas'.
D'Urso é taxativo. "O sr. Vaccari jamais recebeu
qualquer doação ilegal. Todas as doações foram realizadas ao PT,
depositadas na conta bancária e prestado contas às autoridades." Com
informações do Estadão Conteúdo.
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