SÃO PAULO - O ex-ministro José
Dirceu recebeu propinas antes, durante e depois de condenado pelo
Mensalão. Os valores eram pagos por meio de falsos contratos de
prestação de sua empresa, a JD Consultoria, em dinheiro vivo e até mesmo
em ressarcimento de despesas pessoais, como pagamentos de viagens com
táxi aéreo e reformas de imóveis em São Paulo e Vinhedo - apenas as duas
obras custaram R$ 2,3 milhões. No despacho em que decretou a prisão
preventiva de Dirceu, por corrupção e lavagem de dinheiro, o juiz Sérgio
Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, afirmou que o fato do
ex-ministro ter recebido vantagem indevida durante toda a tramitação da
ação 470, do julgamento e mesmo depois de condenado à prisão caracteriza
"acentuada conduta de desprezo não só à lei e à coisa pública, mas
igualmente à Justiça criminal e a Suprema Corte".
O
juiz diz ter “fundada suspeita” de que as propinas recebidas por José
Dirceu na Petrobras tenham se iniciado ainda na época na qual ele
exercia o cargo de ministro chefe da Casa Civil e ainda durante o
exercício do mandato de parlamentar federal. Para Moro, as provas de
recebimento de propina durante o julgamento do Mensalão “reforça os
indícios de profissionalismo e habitualidade na prática do crime”.
O
despacho de Moro dá detalhes de como Dirceu se beneficiou de propinas
cobradas de contratos com a Petrobras, segundo depoimentos de dois
delatores a Operação Lava-Jato, Milton Pascowitch e Júlio Camargo.
Pascowitch
afirmou que duas fornecedoras da Petrobras garantiam a "maior parte da
renda para o grupo de Dirceu". A primeira delas seria a Hope, que
administra mão de obra técnica terceirizada para a estatal, e pagava 3%
do valor líquido do contrato, com valores que variavam de R$ 500 mil a
R$ 800 mil por mês. Do total pago pela empresa, Dirceu ficava com 30%. O
restante era dividido entre o lobista Fernando Antônio Guimarães
Hourneaux de Moura (R$ 180 mil), Renato Duque (40%) e Pascowitch (30%). A
segunda empresa era a Apolo, fornecedora de tubos. Outra era a Personal
Services.
Tanto a Hope
quanto a Personal pagavam em dinheiro vivo. Os pagamentos da Personal
eram entregues na casa de Pascovitch pelo presidente da empresa, Artur
Costa, ou pelo motorista dele. Por duas vezes, o operador foi à sede da
Personal, no Rio, para pegar valores com a tesouraria. A propina paga
pela Hope também lhe era entregue ou retirada no escritório da empresa,
em São Paulo, com Rogério Penha da Silva, diretor comercial, ou um dos
sócios, chamado Raul Ramirez. Pascovitch também levava pleitos das duas
empresas a Renato Duque, que, em geral, eram pedidos para excluir outras
empresas das licitações.
Pascovitch
disse que o dinheiro era entregue a Dirceu no escritório da JD
Consultoria, próximo ao Parque do Ibirapuera (SP). Quando ele não
precisava de recursos, o saldo era entregue a João Vaccari, tesoureiro
do PT. Havia ainda propina paga esporadicamente a Dirceu, como as pagas
pela Engevix, que firmou um falso contrato de prestação de serviços com a
JD Consultoria, a empresa de Dirceu. Para cobrir o caixa da JD em
qualquer eventualidade, Pascovitch fez um contrato falso também em nome
de sua empresa, a Jamp Engenheiros.
A
entrega normal de dinheiro da Jamp para a JD girava em torno de R$ 80
mil a R$ 90 mil. Porém, segundo o operador, era normal que o assessor de
Dirceu, Roberto Marques, ou o irmão do ex-ministro ligassem dizendo que
não tinham como fechar o mês ou cobrir a folha de pagamentos, pedindo
adiantamentos para futura compensação. Pascovitch citou dois pagamentos
extras - de R$ 300 mil e R$ 400 mil, este último para pagar um
escritório de advocacia
Segundo
o delator, apenas o primeiro dos contratos firmados com Dirceu com a
Engevix teve de fato prestação de serviços, pois o ex-ministro levou
representantes da empresa para negociar contratos no Peru, no setor de
águas, energia e petróleo. O restante do pagamento da construtora era
propina pela obra de Cacimbas 2, uma unidade de tratamento de gás, onde a
construtora ganhou sem licitação e o contrato, de cerca de R$ 1,3
bilhão, teve seu valor aumentado pelo menos três vezes.
As
contrapartidas pela obra de Cacimbas 2 a Dirceu incluíram também a
reforma de um apartamento em São Paulo e de uma casa em Vinhedo, que era
vizinha à do ex-ministro e que ele utilizaria como escritório e
endereço e que estava em nome de uma empresa, a TGS Consultoria, em nome
de Júlio César dos Santos, que foi sócio de Dirceu até o fim de 2013..
Os pagamentos à arquiteta foram feitos por meio de uma doação de R$ 1,3
milhão. Já no apartamento em São Paulo, localizado na rua Estado de
Israel, que estava em nome do irmão de Dirceu, Luiz Eduardo, a Jamp
pagou na reforma R$ 1 milhão à construtora Halembeck Engenharia. Durante
as obras, Pascowitch ligou 62 vezes para Marcelo Halembeck, dono da
construtora.
O lobista
Pascowitch disse ainda que comprou um imóvel para a Filha de Dirceu,
Camila Ramos de Oliveira e Silva, no valor de R$ 500 mil, “tendo o valor
sido decorrente de propinas acertadas em contratos da Petrobras”, disse
o juiz.
Pascovitch contou
que foi chamado por Moura assim que a Engevix ganhou a licitação de
Cacimbas 2, que lhe informou que era necessário pagar comissão "ao grupo
político" que era representado por Renato Duque. Na ocasião foram pagos
R$ 5,3 milhões em doações feitas a pessoas indicadas por Moura, como
irmão, filhos e sobrinhos, entre 2009 e 2010.
Sobre
os pagamentos feitos por Pascowitch ao PT por intermédio de João
Vaccari Neto, “foram colhidas provas mediante dezenas de registros
telefônicos entre ambos”.
PROPINAS PAGAS ATÉ 2014
O
juiz Moro afirma em seu despacho que Dirceu também recebeu valores de
empreiteiras. No total, foram R$ 8,597 milhões pagos por empresas como
Camargo Corrêa, Galvão Engenharia, UTC e Egesa, além da própria Engevix,
pagos de 2009 até outubro de 2014. Pelo menos duas delas, a OAS e a
UTC, fizeram pagamentos até 2014, depois que Dirceu já havia sido
condenado.
O ex-ministro
também recebeu R$ 8,446 milhões do laboratório EMS e R$ 1,379 da empresa
Monte Cristalina em parcelas mensais, que continuaram a ser pagas mesmo
depois que ele foi recolhido à prisão.
Dirceu
foi condenado pelo STF em dezembro de 2012 e foi preso em 15 de
novembro de 2013. Permaneceu na prisão até 28 de outubro de 2014.
Moro
demonstra surpresa por pagamentos feitos após a prisão. "Afinal, não é
crível que José Dirceu, condenado por corrupção pelo plenário do Supremo
Tribunal Federal, fosse procurado para prestar serviços de consultoria e
intermediação de negócios após 17 de dezembro de 2012 e, inclusive,
após sua prisão. Em realidade, parece pouco crível que fosse procurado
até mesmo antes, pelo menos a partir do início da ação penal 470 pelo
plenário do STF em meados de 2012."
Para
o juiz, os pagamentos neste período eram indicativos de pagamentos de
propina pendentes por contratos das empreiteiras com a Petrobras.
Para
se ter uma ideia, um dos contratos, com a OAS, prevê serviços de
assistência jurídica, sem e o juiz observa que não se tem notícia que
ele tenha conhecimento na área.
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