Se um delator da Justiça coloca um político contra a parede, o melhor
é encampar a proposta para se mudar a lei da delação premiada. Se um
procurador pede sua prisão, dá-se o aviso que cinco pedidos de
impeachment do magistrado serão analisados. E se alguém disser que não
há isenção para fazer essa análise, você cria um fato e diz que três
procuradores do grupo de trabalho da operação Lava Jato
não têm condições de investigar o caso, por isso, também deveriam se
declarar impedidos. Esta foi a maneira que um dos investigados no
esquema criminoso investigado pela força tarefa, o presidente do Senado Federal, Renan Calheiros
(PMDB-AL), reagiu às últimas denúncias feitas por um dos delatores do
esquema, o ex-senador, ex-presidente da Transpetro e ex-amigo do próprio
Calheiros, Sérgio Machado.
As
reações do senador alagoano ocorreram na quinta-feira, um dia após a
divulgação da delação de Machado, e tiveram um tom de como se nada
tivesse ocorrido. O peemedebista conversou tranquilamente com a imprensa
por quase meia hora – o que é incomum – e não fugiu de nenhuma
pergunta. Citado em onze ocasiões nas investigações, o tom dado por
Calheiros só reforçam uma ofensiva política que desde o início das
apurações dos desvios bilionários na Petrobras tem crescido. Atualmente,
oito projetos tramitam no Legislativo pedindo alterações na atual lei da delação premiada,
uma legislação aprovada pelo Congresso no ano de 2013 e, que após
garantir ao menos 50 acordos de colaboração, deixou o meio político em
desespero.
Os principais pontos reclamados por Calheiros, que já
constam de uma das oito propostas de alteração (a assinada pelo deputado
petista Wadih Damous), é a de que réu preso não poderia fazer delação e
de que se o termo de colaboração vazasse, ele seria anulado. A lógica
de Calheiros se baseia em seu próprio caso, que foi gravado pelo então amigo Machado criticando a Lava Jato
e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. “No desespero, ele [o
delator] envolve até a mãe, quanto mais um amigo”, afirmou a
jornalistas na tarde de quinta-feira.
Suas palavras ganham atenção
depois que as gravações divulgadas do ex-presidente da Transpetro
Sergio Machado mostraram a cúpula do PMDB se articulando por um pacto
que estancasse a investigação. Um levantamento feito pelo Ministério
Público Federal, no entanto, prevê que menos de 30% das delações
premiadas são firmadas por réus encarcerados. Ainda assim, o grupo que
luta pela aprovação da mudança nas regras de colaboração diz que esse
número causa uma falsa sensação de Justiça. Recentemente, Damous disse
que os outros 70% dos delatores seriam pessoas com menor grau de
influência no esquema criminoso. Ou seja, na sua avaliação seriam os
familiares ou secretários dos peixes-grandes do esquema, os
empreiteiros, executivos da Petrobras, políticos e doleiros que teriam
sido presos antes de assinarem o termo de delação. Quando Damous apresentou o projeto de lei, Machado, que em nenhum momento esteve detido pela polícia, ainda não havia delatado boa parte da classe política brasileira.
Os projetos que querem mudar a lei da delação
- PL 4372/2016, de autoria do deputado Wadih Damous (PT-RJ)
- PL 223/2015, de autoria do deputado André de Paula (PSD-PE)
- PL 275/2015, de autoria do deputado Heráclito Fortes (PSB-PI) -- este deputado foi um dos citados como receptor de propina por parte de Machado, o que ele nega.
- PL 4078/2015, de autoria de Hugo Motta (PMDB-PB) e Luiz Sérgio (PT-RJ). O petista é citado por Machado em sua delação premiada.
- PL 4082/2015, de autoria de Hugo Motta (PMDB-PB) e Luiz Sérgio (PT-RJ).
- PL 4081/2015, de autoria de Hugo Motta (PMDB-PB) e Luiz Sérgio (PT-RJ).
- PLS 283/2014, de autoria do senador Vital do Rêgo (PMDB-PB) -- hoje ministro do TCU, ele também foi citado por Machado em sua delação premiada.
- PL 8079/2014, de autoria de Marco Maia (PT-RS)
As
possíveis mudanças na legislação deixaram o Ministério Público em
alerta. “Há meros três anos o Brasil passou a ter essa lei da delação.
Não há razão para mudar a lei que é tão recente. Quem quer mudá-la só
pensa na hipótese dos crimes de colarinho branco e se esquece que ela
também vale para os casos clássicos de mafiosos. Como um matador, membro
de uma quadrilha iria delatar o chefe do grupo se não houvesse nenhuma
garantia para ele?”, diz o presidente da Associação Nacional dos
Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti.
"Chance de Governo Temer ser prejudicado é zero", diz ministro
Temer e Padilha no dia 8 de junho. UESLEI MARCELINOREUTERS
Gil Alessi I São Paulo
Em
evento com empresários na cidade de São Paulo o ministro chefe da Casa
Civil, Eliseu Padilha, saiu em defesa do Governo, e disse que a chance
de o Planalto ser prejudicado pela Lava Jato
é “zero”. Três ministros indicados pelo presidente interino já caíram,
todos por incidentes relacionados à operação, e ontem a delação do
ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado resvalou em Temer. “A citação
ao Temer é gratuita, aquela conversa não aconteceu, não existe Temer
nesse negócio”, afirmou.Questionado, o peemedebista evitou falar sobre o caso específico do presidente do Senado, Renan Calheiros, que também foi mencionado por Machado, e disse que cabe “ao Ministério Público Federal julgar se acha oportuno aprofundar as investigações”. O ministro criticou também o delator Sérgio Machado por “partir do pressuposto de que os políticos todos sabiam que as doações oficiais eram propina”.
“O PMDB tem mais de 2 milhões de filiados, gostaríamos que nenhum tivesse que deixar a vida pública por causa da Lava Jato, mas caso o partido sofra perdas teremos pessoas novas que irão substituí-las”, afirmou. Padilha também não quis comentar a possível ofensiva de Calheiros contra o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que pediu a prisão preventiva do senador – posteriormente negada pelo ministro do STF Teori Zavascki. O parlamentar criticou abertamente a PGR, e estaria propenso a dar encaminhamento a um pedido de impeachment de Janot encaminhado à Casa.
Apesar da
tentativa de mudança nas regras, Calheiros reforçou que seu objetivo é
“aperfeiçoar” a delação, não alterar a Lava Jato. No mês passado, quando
seu nome apareceu nas gravações de Machado, o senador disse que a
investigação era intocável. Esse discurso dele ressoa também no Palácio
do Planalto. Na quinta-feira, em evento com empresários na cidade de São
Paulo, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, aproveitou para
elogiar as investigações: “O Brasil será outro depois da operação”. No
entanto ele disse “ter certeza” de que as autoridades responsáveis pela
investigação saberão concluir seu trabalho, “para evitar que aconteça
aqui o que ocorreu na Itália, com a operação Mãos Limpas”. No caso
italiano, houve uma contraofensiva do Legislativo, que acabou anulando
algumas das conquistas da operação.
Em outro sentido, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) também age para tentar desacreditar a Lava Jato. Nesta semana sua
defesa e de seus familiares que são investigados na operação entraram
com uma representação para que a Procuradoria investigue se o juiz
Sergio Moro cometeu abusos na condução dos processos.Os defensores da
família Lula acusam o magistrado responsável pela Lava Jato de ter
cometido ao menos três supostas irregularidades: conduzir
coercitivamente o ex-presidente para prestar depoimento, autorizar
mandados de busca e apreensão em imóveis relacionados a ele, e concordar
com interceptações telefônicas por um período superior a 15 dias. Pedem
que Moro seja investigado por violação à Convenção Interamericana de
Direitos Humanos por crimes de abuso de autoridade na condução da Lava
Jato na primeira instância. Não há nenhuma decisão sobre a abertura de
investigação contra Moro.
A ofensiva contra a operação, porém, é
um imbróglio para o presidente interino Michel Temer que além de
enfrentar a desconfiança nacional, tem aparecido na mídia estrangeira
mais pelos casos de corrupção que afetam o seu Governo, e que implicaram
seu nome, do que pelas medidas que tem tomado desde que assumiu há um
mês. Qualquer movimento contrário à Lava Jato afundaria sua imagem.
Nesta quinta, ele optou por um pronunciamento para desqualificar Machado
que o mencionou em sua delação por pedir 1,5 milhão de reais para a
campanha de Gabriel Chalita para a campanha a prefeito em 2012. Os
recursos seriam ilegais, saídos do caixa de uma das empreiteiras
fornecedoras da Transpetro. As declarações de Temer não impediram que
ele perdesse seu terceiro ministro, Henrique Alves do Turismo, que teve
seu nome implicado na Lava Jato.
Impeachment de Janot
Se a
Lava Jato seria impossível de mudar, o mesmo não se pode dizer sobre
quem a comanda no Ministério Público. Calheiros prometeu analisar até a
próxima quarta-feira cinco pedidos de impeachment do procurador-geral,
Janot. Segundo ele, nove deram entrada na Casa e quatro foram arquivados
por serem ineptos. A divulgação sobre esses pedidos de impedimento,
porém, só vieram à tona agora, quando a cúpula do PMDB é colocada no
meio do turbilhão das investigações. Apesar de ser um dos alvos da
operação, o peemedebista diz que só vai se declarar impedido de dar
andamento aos processos caso seja citado em um deles. “Ainda não li. Se
me sentir impedido, não vou decidir”, afirmou.
Logo após essa
fala, Calheiros tentou colocar em xeque a atuação de três procuradores
da República que já tiveram nomeações para o Conselho Nacional do
Ministério Público rejeitadas pelo Senado e, segundo ele, estariam no
grupo de trabalho criado por Janot para atuar junto aos processos
envolvendo políticos com foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal e
no Superior Tribunal de Justiça.
O senador citou os procuradores
Vladimir Aras, Nicolao Dino e Wellington Cabral Saraiva. Ocorre que
nenhum deles está diretamente vinculado ao grupo de 17 procuradores
cedidos especificamente para cuidar da Lava Jato. Dino é o
vice-procurador-geral eleitoral. Saraiva é o assessor de Janot para
tratar de assuntos constitucionais. Aras é o que mais se aproxima dessa
investigação porque é o responsável pelo departamento de relações
internacionais da procuradoria, mas atua em todas as apurações que
envolvem termos de colaboração com outros países, não só os que são
alvos dos desvios da Petrobras.
Em nota pública, seis associações de procuradores repudiaram a tentativa de desacreditar o trabalho de Janot
à frente da PGR. “O postulado republicano de que todos são iguais
perante a lei diz respeito tanto à proteção dos direitos fundamentais
quanto ao dever de toda e qualquer pessoa responder por suas condutas
ilícitas e criminosas”, diz trecho do documento.
Com informações de Gil Alessi
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