O país começou a conviver com dois Michel Temer desde a semana passada. O
primeiro está promovendo uma agenda positiva na economia, formou uma
equipe de excelência comprovada e acaba de apresentar uma proposta de
emenda constitucional para definir um teto para o crescimento do gasto
público. O segundo está agora às voltas com uma acusação dura.O
delator Sérgio Machado, em depoimento aos investigadores da Lava-Jato,
disse que o presidente interino lhe pediu 1,5 milhão de reais durante um
encontro na Base Aérea de Brasília, em setembro de 2012, para a
campanha de Gabriel Chalita, então no PMDB, à prefeitura de São Paulo. O
dinheiro foi repassado pela Queiroz Galvão na forma de doação
eleitoral, numa tentativa de dar à transação ares de legalidade. Às
autoridades, Machado confessou que a verba não tinha origem lícita. Era
propina. E Temer, que encomendara a mercadoria, tinha plena consciência
disso. A acusação é forte, mas, do ponto de vista jurídico, tende a
morrer na praia, já que Temer não pode ser investigado por atos
estranhos ao mandato.
O
presidente interino estava certo de que teria uma semana positiva. Com
pompa e circunstância, apresentaria aos parlamentares, como de fato fez,
a proposta do teto. Embalado pela repercussão da iniciativa, faria um
pronunciamento em rede de rádio e televisão para exaltar seu governo,
sua capacidade de dialogar com o Congresso e sua injeção de ânimo nos
agentes econômicos. Um otimismo compartilhado por muitos. Sentindo-se
fortalecido, o presidente do Senado, Renan Calheiros, anunciou que
analisaria um pedido de impeachment contra o procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, que defendera as prisões preventivas dele, do
ex-presidente José Sarney e do senador Romero Jucá, rechaçadas pelo
ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal. O céu parecia
clarear para o bom e velho PMDB, finalmente no exercício pleno do poder.
Implacável, a Operação Lava-Jato devolveu os peemedebistas à realidade
dos desvios da Petrobras, a estatal que, na definição já nascida
imortal de Sérgio Machado, é a "madame mais honesta dos cabarés do
Brasil".
Ex-tucano convertido
em peemedebista, Sérgio Machado comandou a Transpetro, subsidiária da
Petrobras, entre 2003 e 2014. Em sua delação, fez acusações a Temer,
Renan, que o indicou ao cargo, e mais oito expoentes do partido de se
beneficiarem do dinheiro desviado dos cofres da Petrobras.
A
divulgação do depoimento pegou Temer de surpresa. Primeiro, o
presidente interino soltou uma nota para dizer que sempre respeitou os
limites legais ao buscar recursos para campanhas eleitorais. Soou
protocolar. Como não conseguiu se afastar das cordas, fez uma declaração
à imprensa, em que tachou de "levianas", "mentirosas" e "criminosas" as
afirmações do colega de partido. Não disse que vai processá-lo. "Alguém
que teria cometido aquele delito irresponsável que o cidadão Machado
apontou não teria condições de presidir o país", afirmou, acrescentando
que contestará cada menção a seu nome em defesa de sua honra e "da
harmonia do país". Machado não se intimidou. Em tréplica, reafirmou tudo
o que declarara às autoridades. Diante da agenda negativa, Temer
cancelou o pronunciamento em rádio e TV que faria na sexta-feira com
receio de um panelaço.
A
delação de Machado chama atenção pela riqueza de detalhes, como o uso de
senhas para impedir que a empreiteira, no papel de corruptor, soubesse a
identidade do destinatário final da propina, o corrompido. Ele contou
que repassou pelo menos 115 milhões de reais a
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políticos de oito partidos. O PMDB ficou com 100 milhões de reais,
sendo as maiores partes destinadas a Renan (32 milhões), Edison Lobão
(24 milhões), Romero Jucá (21 milhões) e José Sarney (18,5 milhões). A
maioria dos valores era paga em dinheiro vivo. Na delação, Machado diz
que teve atritos com Renan, que chegou a receber mesada de 300 000
reais, porque não conseguia saciar o apetite do padrinho político, que
pedia mais do que o afilhado podia entregar. Afirma ainda que Lobão,
então ministro de Minas e Energia, exigia uma bolada maior do que a de
seus colegas de bancada. A disputa pelo dinheiro sujo era renhida. Foi
ela, segundo o delator, que levou Temer a reassumir a presidência do
PMDB em 2014, para arbitrar o rateio de 40 milhões de reais repassados
ao partido, a pedido do PT, pela JBS. Temer e os deputados estariam se
sentindo ludibriados pelos senadores, que na época comandavam a
presidência e a tesouraria da legenda. Por muito pouco, a arenga não
ultrapassou as fronteiras partidárias.
Criminosos
ou não, os depoimentos de Machado provocaram uma nova baixa no governo.
Apontado como beneficiário de 1,5 milhão de reais em propina levantada
na Transpetro, Henrique Eduardo Alves pediu demissão do Ministério do
Turismo. Com a decisão, disse que fazia um gesto de grandeza, para não
constranger a Presidência interina de seu amigo. Balela. Henrique Alves
já era investigado pela Procuradoria-Geral da República sob a suspeita
de embolsar propina paga pela OAS. Também foi citado na delação premiada
de Fábio Cleto, ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal, que
coletava propinas para o PMDB da Câmara, do qual Henrique Alves era
expoente. Para completar, tramita na Justiça um processo de improbidade
administrativa contra o ex-ministro no qual são citadas suas contas na
Suíça. Os extratos foram entregues por sua ex-mulher. Temer cobrou
explicações sobre essas contas no exterior supostamente abastecidas por
meio de transações nebulosas. Recebeu, no dia seguinte, um pedido de
demissão de Alves, que admitiu estar à espera de chumbo grosso.
Foi
o terceiro ministro de Temer a cair em decorrência da Lava-Jato. Romero
Jucá (Planejamento) e Fabiano Silveira (Transparência) foram exonerados
depois de ser gravados pelo operante Sérgio Machado maquinando para
"estancar a sangria" das investigações. O horizonte também é sombrio
fora da Esplanada dos Ministérios. Hoje, a principal preocupação de
Temer está na Câmara dos Deputados. O presidente afastado da Casa,
Eduardo Cunha, peça-chave no afastamento de Dilma Rousseff, sente-se
credor do interino e cobra dele ajuda para se safar de um processo por
quebra de decoro parlamentar. Na semana passada, o Conselho de Ética,
depois de uma infindável sucessão de manobras protelatórias, finalmente
aprovou parecer favorável à cassação de Cunha. Isso foi o suficiente
para recrudescerem os boatos de que ele, caso perca o mandato, negociará
um acordo de delação premiada por meio do qual entregará o mandarinato
de Temer de bandeja ao Ministério Público. O Planalto sabe que Cunha
levantou recursos para financiar a campanha eleitoral de Geddel Vieira
Lima, ministro da Secretaria de Governo, em 2014. Sabe também que ele
intermediou o repasse de dinheiro para outras eminências peemedebistas.
Numa delação, citaria de cabo a rabo sua clientela. Com isso, está posta
a ameaça.
Os assessores de
Temer dizem ter a informação de que Cunha será preso nos próximos dias, o
que, se confirmado, pode acelerar eventual colaboração com as
autoridades. Há um pedido de prisão preventiva contra ele sobre a mesa
do ministro Teori Zavascki. As informações prestadas às autoridades por
Fábio Cleto, afilhado político de Cunha na Caixa Econômica, também
alimentam a expectativa de prisão do deputado. A VEJA, Cunha disse que
não fechará delação premiada porque não tem o que delatar. Marcelo
Odebrecht dizia a mesma coisa. Mudou de ideia depois de quase um ano
preso. Deflagrada em março de 2014, a Lava-Jato teve peso decisivo na
perda de apoio popular e no afastamento da presidente Dilma. Agora,
ameaça o PMDB e, com a acusação a Temer, instala-se novamente no Palácio
do Planalto.
No governo anterior, Lula, Dilma, um senador e dois ministros foram pilhados tentando sabotar as investigações da Lava-Jato.
A
ascensão de Temer ao poder não diminuiu o ímpeto da operação. Todas as
incursões contra as investigações até hoje foram malsucedidas. Diante do
fracasso, políticos passaram a tentar reduzir o poder dos
investigadores e constrangê-los. Alvo de oito inquéritos no petrolão,
Renan quer aprovar um projeto para proibir presos de aderir à delação
premiada. Suspeito de receber favores de empreiteiras e assustado com o
garrote da prisão, Lula entrou com uma representação contra o juiz
Sergio Moro na Procuradoria-Geral da República. Os criminosos ainda
sonham com um golpe de última hora no Supremo Tribunal Federal. E olhe
que nem vieram a público as delações dos empreiteiros Marcelo Odebrecht e
Léo Pinheiro e do ex-tesoureiro petista João Vaccari Neto. A faxina
ganhou tração e, ao que parece, não para mais.
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