A BBC Brasil conversou com seis deles - três favoráveis e três contrários ao impeachment - sobre a crise atual e eventuais paralelos com o fim do governo Collor.
Miguel Reale Jr., ex-ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), assinou um dos pedidos de impeachment de Dilma e diz que a presidente foi "omissa" diante da corrupção.
Outro jurista pró-impeachment, Flávio Bierrenbach afirma que a gestão Dilma se tornou "ilegítima". Em agosto, o ex-ministro do Superior Tribunal Militar leu um manifesto pela renúncia da presidente durante almoço de ex-alunos da Faculdade de Direito da USP.
O advogado e professor de direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR) René Ariel Dotti aponta a existência de um "crescente sentimento nacional de reprovação do governo federal".
Do outro lado do espectro, outros três juristas do grupo de 1992 se dizem contrários ao impeachment e já atuam nos preparativos da defesa de Dilma.
Celso Antônio Bandeira de Mello, professor da Faculdade de Direito da PUC-SP, assinou um parecer solicitado pela defesa da presidente e diz que "tudo isso é apenas uma agitação sem base jurídica”.
Co-autor do parecer, Fábio Konder Comparato, professor emérito da USP, diz que o cenário de hoje é "totalmente diferente" do de 1992. Na mesma linha segue Dalmo Dallari, também professor emérito da USP. "Podem ter até havido irregularidades formais, mas não configuram crime de responsabilidade", diz.
Confira os principais trechos das entrevistas dos juristas à BBC Brasil:
Miguel Reale Jr., ex-ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002)
Todos os pontos do pedido de impeachment são igualmente fortes. Os decretos, os empréstimos junto às instituições financeiras, a omissão dolosa em deixar permanecerem os diretores da Petrobras cujas atitudes a presidente não poderia deixar de conhecer, e o fato de a presidente não ter submetido seus subordinados à apuração de ilicitudes.
E sobre as eventuais pedaladas de 2015, são fatos idênticos aos de 2014, ou seja, decretos editados sem autorização legal, o que mostra a continuidade do problema. Mas de agora em diante tudo depende da política."
Flávio Flores da Cunha Bierrenbach, ex-ministro do Superior Tribunal Militar
O que se discute não é a honra da presidente, é a honra do governo dela, e para mim um governo que se torna ilegítimo pelas suas ações tem que ser julgado por quem pode julgá-lo.
Ela conquistou o seu mandato numa eleição legítima, mas perdeu a legitimidade ao longo de poucos meses por aliar-se a uma corrupção que vinha de muito tempo e só foi descoberta agora. Sobre o que deve acontecer daqui para frente, eu acho que a ilegitimidade do governo hoje pode ser a ilegitimidade do Congresso amanhã se o Congresso faltar com a sua responsabilidade."
René Ariel Dotti, advogado e professor de direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR)
O atual pedido de impeachment tem toda razão de ser, e as críticas a ele são totalmente infundadas, não procedem. A petição do Miguel Reale Jr. e do Hélio Bicudo está muito bem fundamentada, e sobre a questão de responsabilidade por irregularidades ocorridas num mandato anterior, há precedentes no Supremo Tribunal Federal.
De qualquer maneira, sou favorável ao impeachment e creio que para que isso vá adiante basta a existência de crimes, como os fatos demonstram, um Congresso propenso a reconhecer estes crimes, e um apoio nacional. Já está se formando uma consciência coletiva, um sentimento nacional de reprovação do governo federal."
Dalmo Dallari, professor emérito da USP
Na verdade o que existe é um caos político total. Ao mesmo tempo em que um partido faz um acordo com a presidente, no Parlamento tem uma posição oposta. Nós estamos num momento de caos, e, naturalmente, de muito oportunismo. Quanto ao pedido de impeachment, não existe nenhuma consistência jurídica.
A Constituição é expressa quando diz que o presidente só pode ser responsável por atos da sua gestão atual. Eu creio que até agora as elites tradicionais não se conformaram com a valorização dos direitos sociais. Esses grupos se acham prejudicados com a destinação de recursos públicos para promoção desses direitos, e eles não toleram isso, acham que isso prejudica seus interesses."
Fábio Konder Comparato, professor emérito da USP
No caso da Dilma, como os advogados quiseram avançar o sinal para criar alguma emoção, eles pediram o impeachment com base em fatos ocorridos durante o primeiro mandato. Quando foram advertidos disso, eles acharam que era melhor fazer um outro pedido, acrescentando mais uma circunstância, e disseram que a presidente continua a fazer as tais pedaladas em 2015.
Mas se as normas que regulam as finanças públicas não foram observadas, como dizem os críticos, em primeiro lugar isso só pode ser examinado pelo Tribunal de Contas da União no ano que vem, porque o tribunal examina contas de um exercício financeiro terminado. Se o TCU no ano que vem entender que houve infração às normas que regem as contas orçamentárias da presidente, este fato vai ser, aí sim, levado ao conhecimento da Câmara dos Deputados, que terá que aceitar a denúncia por dois terços dos votos. Isso tudo leva tempo."
Celso Antônio Bandeira de Mello, professor da Faculdade de Direito da PUC-SP
"A situação é
muito diferente. Há 23 anos era uma coisa grave, e o país inteiro via a
corrupção. Agora, não há uma única pessoa em condições de apontar uma
corrupção, por pequena que seja, da presidenta. A presidenta é uma
mulher inatacável, tanto que as pessoas falam sempre em outras coisas,
mas nunca falam em desmando dela, porque dela não tem.
Juridicamente,
toda a questão é ridícula e infundada, e eu pessoalmente não vejo nada
de sério nisso. Eu diria que tudo isso é apenas uma agitação sem nenhuma
base jurídica, e é algo que pode prosperar no Legislativo, mas num
ambiente de gente qualificada, como no STF, não tem chance de ir
adiante. Só se o Brasil estivesse num estado de catástrofe.
Já
o pedido de impeachment é inconsistente, uma grande bobagem. Eles
alegaram essa questão do orçamento, mas isso é ridículo. Em primeiro
lugar o TCU tem a função de auxiliar o Legislativo na apreciação das
contas, uma função apenas auxiliar, sendo o Legislativo quem aprova ou
rejeita as contas. E sobre o clima no país, eu diria que a grande
imprensa tem muita responsabilidade. Se todo dia você disser que há uma
crise, como é que o empresariado vai investir? A mídia criou esse clima,
e eu considero que a grande imprensa brasileira não merece a mais
insignificante confiança."
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