RIO — As revelações da Operação Lava-Jato enterram de vez as tentativas do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de se desvincular do doleiro Lúcio Bolonha Funaro, uma sombra na trajetória do parlamentar desde 2005. De acordo com o delator Júlio Camargo, consultor da empreiteira asiática Toyo Setal, Funaro foi um dos passageiros, no ano passado, de voos em táxi aéreo faturados como parte do pagamento de propina a Eduardo Cunha. Num dos voos, no dia 3 de agosto, Funaro e Cunha viajaram juntos.
Em esquema semelhante ao utilizado contra a Samsung, fornecedora de navios-sonda à Petrobras, Cunha teria usado requerimentos assinados pela então deputada Solange Almeida (PMDB-RJ), na Câmara, para pressionar a Schahin Engenharia a pagar uma dívida cobrada por Funaro.
Investigados pela Procuradoria-Geral da República, os voos-propina teriam sido pagos por Júlio Camargo, delator do esquema de corrupção na estatal, para saldar uma dívida residual de R$ 500 mil, a que o deputado julgava ter direito por conta de variação cambial do suborno. Deste total, R$ 200 mil teriam sido quitados em dinheiro e R$ 300 mil em créditos em voos de táxi aéreo.
De acordo com as investigações, Cunha só usou R$ 122.245 da quota em três viagens. Na primeira, dia 29 de agosto do ano passado, ao custo de R$ 44.200, Funaro e Raquel Aldejante Pitta viajaram no jatinho PP MIS, da Global Taxi Aéreo, nos trechos Congonhas/Salvador/São João da Boa Vista/Viracopos. Na segunda, Cunha e Funaro voaram juntos, no jato PR JET, da Reali Taxi Aéreo, dia 3 de setembro, por R$ 38.220, nos trechos Congonhas/Brasília/Aeroporto de Jacarepaguá/Congonhas. Os horários das decolagens sugerem que Furano se encontrou com Cunha em Brasília e, depois, eles voltaram juntos a partir da capital.

OPERADOR A BORDO

A terceira viagem, dia 9 de setembro, transportou no PR JET, por R$ 39.825, Cunha e o assessor Altair Alves Pinto nos trechos Congonhas/Rio de Janeiro/Brasília. Altair aparece na delação premiada de Fernando Falcão Soares como o operador que teria recebido propina em nome de Cunha. Camargo autorizou que a Global Táxi Aéreo faturasse os voos solicitados, mas os investigadores suspeitam que o deputado não tenha usado toda a quota por causa do avanço na Lava-Jato.
A relação entre Cunha e Funaro é publica desde 2005, quando o doleiro teve de explicar à CPI dos Correios as razões que o levaram a pagar, mensalmente, aluguel de R$ 2.200 e condomínio de mais de R$ 600 para o deputado no flat Blue Tree Towers, em Brasília. Uma corretora do doleiro teria lucrado milhões com operações no Fundo Prece, dos funcionários da Companhia Estadual de Água e Esgoto do Rio de Janeiro (Cedae), na época em que o deputado tinha forte influência política na empresa.
Mais tarde, Cunha e Funaro apareceram novamente vinculados a negócios suspeitos em Furnas Centrais Elétricas. Em dezembro de 2007, a estatal, então influenciada pelo PMDB de Cunha no Rio, abriu mão de adquirir um lote de ações para comprá-lo, oito meses depois, por R$ 73 milhões a mais, da Companhia Energética Serra da Carioca II, do grupo Gallway, empresa sediada nas Ilhas Virgens, conhecido paraíso fiscal, e que tinha Funaro como representante no Brasil.
Schahin pressionada
A parceria mais recente entre a dupla envolve a ex-deputada federal Solange Almeida, hoje prefeita de Rio Bonito (RJ). Aliada do presidente da Câmara, ela foi a autora do requerimento de informações que cobrou explicações da Schahin Engenharia, uma das empresas acusadas de integrar o cartel que agia na Petrobras, a respeito do rompimento da barragem de uma pequena hidrelétrica em Rondônia, em 2008.
O objetivo era convocar representantes das empresas envolvidas no projeto a prestar esclarecimentos à Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara “sobre os prejuízos causados pela interrupção do empreendimento”. Entre os chamados estava Milton Schahin, presidente da empreiteira — a mesma empresa foi citada por um dos delatores do esquema Lava-Jato, o ex-gerente da estatal Pedro Barusco.
O acidente na usina aconteceu em 9 de janeiro de 2008. Na época, o prejuízo estimado em mais de R$ 60 milhões motivou uma briga judicial entre o grupo privado Centrais Elétricas Belém (Cebel) e a Schahin, responsável pela construção da pequena central hidrelétrica (PCH) de Apertadinho, em Vilhena (RO), para decidir quem ficava com o prejuízo.
Houve danos ambientais e a retirada preventiva de ao menos 200 famílias de suas casas. Dois aliados de Cunha eram ligados à Cebel: Lúcio Funaro e Lutero de Castro Cardoso, respectivamente representante comercial e diretor do grupo Gallway, holding da Cebel. Ex-funcionário da antiga Telerj, Lutero foi indicado por Cunha para a presidência da Cedae.
Solange fizera o mesmo por Cunha no escândalo da Lava-Jato. Em seu depoimento de delação premiada, Youssef afirmou que Cunha era um dos beneficiários das propinas do esquema na Petrobras. O doleiro citou mais especificamente um contrato de aluguel de um navio-plataforma das empresas Samsung e Mitsui, que teria Júlio Camargo como representante no Brasil.
Propina interrompida
Os dois requerimentos da Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara mostram que, conforme disse Youssef, Solange fez pressão pública sobre a Samsung e sobre Camargo. O motivo, segundo o depoimento, seria uma suposta interrupção no repasse de propinas para o partido.
Os requerimentos serviriam para pressionar as empresas a retomarem o pagamento das comissões ilegais.