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  A reforma da Previdência proposta pelo governo Michel Temer pode representar um corte muito duro para trabalhadores e pensionistas, enquanto, mais uma vez, ela não tocará em grupos privilegiados, como a classe política e militares. Para Jorge Boucinhas, professor de Direito Trabalhista e pesquisados do Núcleo de Estudo em Organizações e Pessoas da FGV, a reforma é um descompasso entre os brasileiros e deve afetar, principalmente, os mais dependentes da aposentadoria.

"Vemos que militares não serão afetados e, por outro lado, na iniciativa privada [que estão no INSS] você vê pessoas absolutamente dependes", conta Boucinhas.

Nas novas regras, alguns dos pontos que chamaram atenção são as mudanças dos valores de pensão por morte e do Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Pela proposta enviada ao Congresso Nacional, as pensões por morte poderão ser menores que o valor do salário mínimo. Segundo o secretário da Previdência Social, Marcelo Caetano, nesta modalidade, o valor pago à viúva será de 50% da aposentadoria do morto, com um adicional de 10% para cada dependente. Após o filho completar os 18 anos, o valor volta para a metade de uma aposentadoria (que hoje é de R$ 880).

Para Jorge Boucinhas, as mudanças não são inconstitucionais, mas preocupam. "Ao desindexar o salário mínimo destas pensões, como uma viúva que ficou fora do mercado de trabalho por décadas vai ficar? Quem vai querer contratá-la? Acho uma medida muito dura, muito enérgica para estes grupos de pessoas, enquanto servidores públicos e políticos terão tratamento diferente."

Na avaliação de Fábio Zambitte, professor de Direito Previdenciário do Ibmec-RJ, a mudança do valor da pensão por morte é considerada inconstitucional, uma vez que ela fere a Constituição de 88, que determina que o benefício não deve ser menor que o salário mínimo vigente. "Nos modelos europeus, as pensões têm valores reduzidos. Mas na Constituição brasileira, a pensão não pode ser inferior ao salário mínimo. A reforma terá de alterar essa norma antes de mudar as regras de pensão por morte", explica Zambitte.

O professor do IBMEC-RJ explica que a pensão é ainda mais importante do que a aposentadoria, porque entra na parte da Previdência como um "benefício de risco". "Ela não apenas substitui o salário de um trabalhador, como é o papel da aposentadoria, mas também substitui a renda de uma família inteira. A pensão vem em um momento dramático para a família, que está desprotegida. Pela proposta, uma viúva que acabou de perder seu marido pode receber cerca de R$ 400 para sobreviver."

Além da pensão por morte, o Benefício de Prestação Continuada poderá ser pago abaixo do salário mínimo. Hoje, o auxílio é a garantia de um salário mínimo mensal ao idoso acima de 65 anos ou ao cidadão com deficiência física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo, que o impossibilite de participar de forma plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas.

A redução destes benefícios significaria mais desigualdade social, segundo o professor da FGV, Jorge Boucinhas. “Eles têm por efeito inserir no mercado de consumo cidadãos que, em razão da pobreza extrema, se encontram distante dele. As compras, ainda que apenas de itens básicos, feitas com esses recursos, também ajudam a impulsionar a economia”, diz. Além disso, ele lembra que o BPC é um instrumento para reduzir a miséria e desigualdade de renda. “Alterar a idade mínima para concessão do auxílio pode acentuar ainda mais os problemas sociais.”

Além disso, o professor do IBMEC-RJ acredita que o governo deve rever a idade mínima por contribuição, que hoje é de 15 anos, mas passará a ser de 25 anos com a proposta. "Muitos trabalhadores recorrem à economia informal quando estão sem emprego. Como eles vão provar que trabalharam nesses períodos? É provável que eles cheguem aos 80 anos e ainda precisem trabalhar."

Reforma para sustentar aposentadorias ou solução para a crise?

Na opinião do professor da FGV, além de não debater com a sociedade, a reforma é colocada como solução para a crise fiscal, enquanto deveria ser feita para dar sustentabilidade do sistema para as pessoas que mais precisam deles.
"O problema não é a reforma, ela tem que acontecer. O que mais me assusta é que ela é apresentada não como uma regularização de um problema demográfico, mas como uma salvação para um descompasso fiscal que o governo construiu ao longo dos anos."
Jorge, da FGV, avalia que, antes de debater esta proposta, o governo poderia rever gastos que poderiam ser cortados, como a redução dos privilégios para congressistas. "Poderiam cortar supersalários, cortar carro, aluguel, cargos de confiança, auxílio moradia para juízes que têm imóveis, etc. Mas querem mexer com benefícios que combatem a desigualdade e a miséria."A rapidez com que a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) da reforma foi apresentada e já tem parecer favorável do relator, o deputado Alceu Moreira (PMDB-RS), na Câmara com menos de 24 horas do envio, também dificulta o debate sobre o assunto. "São tantas mudanças de uma vez que as pessoas não conseguem raciocinar sobre como elas vão impactar suas vidas. Eles estão mexendo em muita coisa ao mesmo tempo. Não é para equilibrar, é para reduzir gastos."
"Parece que ela tem que ser aprovada rápido para o governo mostrar que tem controle da situação, mostrar para o mundo que o Brasil pode voltar a crescer. Mas isso não vai adiantar, o rombo da Previdência vai continuar crescendo."
Para o professor de Direito Previdenciário, a reforma é bem dura, mas as alterações são boas e necessárias. Um ponto crítico é saber se ela conseguirá sair do papel. "Os últimos governos que fizeram alterações na Previdência foram governos fortes, como o FHC, Lula, entre outros. Agora temos um governo fragilizado."A PEC já foi enviada à Câmara e o relatório deve ser lido na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) na segunda-feira e votado na quarta. Se for aprovada, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), poderá determinar a criação de uma comissão especial para analisar a reforma.A estimativa de Maia é de que a reforma da Previdência seja aprovada na Câmara em fevereiro ou início de março.