Deputados que
representam diferentes igrejas evangélicas usaram a mesma Bíblia para
defender diferentes posições em relação à cassação do mandato de Eduardo
Cunha (PMDB-RJ), ex-presidente da Câmara, agora com direitos políticos
suspensos por oito anos.
"Eu pediria a vocês o voto, e que Deus
possa iluminar vocês", pediu Cunha, membro da Assembleia de Deus, maior
denominação evangélica do país, no fim de seu discurso de defesa na
sessão de segunda-feira.
Minutos depois, entretanto, foi chamado
de "fariseu" pela deputada Clarissa Garotinho (PR-RJ), também
evangélica, seguidora da igreja Presbiteriana e apoiadora da candidatura
de Marcelo Crivella à prefeitura do Rio, membro da Igreja Universal do
Reino de Deus.
Já o deputado Marco Feliciano (PSC-SP), da Catedral
do Avivamento, foi um dos dez deputados a votarem contra a cassação de
Cunha - o resultado final foi de 450 votos a favor, 10 contra e 9
abstenções. Ele ficou mudo durante toda a sessão.
Cabo
Daciolo (PTdoB-RJ), que se apresenta como evangélico fervoroso, mas sem
ligação direta com nenhuma igreja, chegou a rezar um trecho do Pai
Nosso no palanque do plenário.
"Eu sou cristão, e a maior decepção que eu tive no Congresso foi a bancada evangélica", afirmou, enquanto segurava a Bíblia.
Jesus.com
Garotinho
foi a autora do discurso mais enfático entre os parlamentares
evangélicos contrários a Eduardo Cunha, chegando a classificar o
ex-presidente da Casa como "mafioso" e "psicopata".
A deputada
fluminense se apresentou como autora da pergunta que deu origem às
investigações contra Cunha sobre quebra de decoro parlamentar, após ele
supostamente ter mentido na CPI da Petrobras sobre manter contas no
exterior.
"Eu o questionei na CPI da Petrobras: 'deputado Eduardo
Cunha, o senhor pode afirmar que não possui contas no exterior, em
offshore?' E vossa excelência mentiu descaradamente."
A deputada
citou empresas e domínios criados na internet por Cunha com alusões
religiosas. "Teve a coragem de colocar carros luxuosos, comprados com
dinheiro de propina, em nome de uma empresa dele chamada Jesus.com",
afirmou.
Cunha é dono de mais de 200 sites na internet com cunho
religioso, entre eles Jesus.com, Louvejesus.com, Portaljesusmais.com.br e
Facebookjesus.com.br.
Garotinho
também citou a Bíblia durante sua argumentação. "Vossa excelência se
afirma evangélico. Vossa excelência deveria se lembrar de um versículo
que a Bíblia diz. Um versículo muito importante, que trata, deputado, do
dinheiro. Está em Timóteo e diz: O amor ao dinheiro é a raiz de todos
os males. E esse foi o mal de vossa excelência. Fora Cunha."
A
família da deputada e Eduardo Cunha estão, há anos, em trincheiras
políticas distintas. Pai de Clarissa, o ex-governador do Rio de Janeiro
Anthony Garotinho comemorou o resultado da votação em seu blog, logo
depois da divulgação do resultado.
"A cassação é só o começo da sua agonia. Agora vai ter que acertar as contas com a Justiça", escreveu.
O silêncio de Feliciano
Notório apoiador de Cunha, o pastor Marco Feliciano se manteve calado durante toda a sessão que puniu o colega evangélico.
O
pastor é presidente da Catedral do Avivamento, denominação ligada à
Assembleia de Deus de Cunha. "O coração do pr. Marco Feliciano pulsa no
ritmo do coração do povo evangélico, é a voz desse povo que fala por sua
voz", diz o site da Igreja.
Em entrevista à BBC Brasil em abril deste ano, Feliciano classificou Cunha como seu "malvado favorito".
"O Cunha, todo mundo chama de malvado, né? Se ele é malvado, para mim
é meu malvado favorito. Porque ele colocou o impeachment para andar."
Feliciano
é um dos dez deputados (de um total de 469) que votaram em favor de
Cunha. Os demais foram Arthur Lira (PP-AL), Carlos Andrade (PHS-RR),
Carlos Marun (PMDB-MS), Dâmina Pereira (PSL-MG), João Carlos Bacelar
(PR-BA), Jozi Araújo (PTN-AP), Júlia Marinho (PSC-PA), Paulinho da Força
(SD-SP) e Wellington Roberto (PR-PB).
O único deles a defender Cunha publicamente durante a sessão foi Marun.
Propina para igreja
Em
denúncia apresentada em agosto do ano passado contra o agora
ex-deputado, o procurador-geral da República Rodrigo Janot acusou Cunha
de destinar parte da propina de US$ 5 milhões que teria recebido em
esquema de corrupção da Petrobras para a Assembleia de Deus.
De
acordo com a denúncia, duas transferências com valor total de R$ 250 mil
teriam sido realizadas, em agosto de 2012, de empresas do lobista Júlio
Camargo para uma filial da Assembleia de Deus Ministério Madureira sob
"falsa justificativa de pagamento a fornecedores".
Para Janot,
segundo o documento oficial, "não há dúvidas de que referidas
transferências foram feitas por indicação de Eduardo Cunha para
pagamento de parte do valor residual da propina".
Cunha nega veementemente todas as acusações.
Nenhum comentário:
Postar um comentário