Ex-ministro da Educação da
presidente Dilma Rousseff, Renato Janine Ribeiro acredita que o
ex-presidente Lula seria o único com capacidade de articulação para
promover uma conciliação e destravar a crise política, mas avalia que
mesmo se ele conseguisse, não chegaria como favorito nas eleições de
2018.
Para ele, a ferida do
Partido dos Trabalhadores depois dessa crise é muito grande e o partido
não conseguirá se recuperar para o pleito presidencial.
Mesmo
com a nomeação aclamada por especialistas, Janine foi demitido depois
de cinco meses no cargo para "acomodar" a saída de Aloizio Mercadante da
Casa Civil. Ele diz que nenhum dos lados conseguirá governar por
loteamento de cargos - nem a presidente Dilma Rousseff, nem o vice
Michel Temer, caso assuma a presidência.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
BBC Brasil - Qual a sua avaliação do momento atual para o governo – dá para pensar na continuidade do mandato da presidente Dilma Rousseff?
Renato Janine Ribeiro -
Imprevisível agora. Todos os sinais das últimas semanas caminham na
direção do fim do mandato dela, mas ao mesmo tempo, há fatores que vão
na outra direção, está tudo muito oscilante de um ano e pouco para cá.
No fim do ano passado parecia que o impeachment estava afastado, que a
oposição havia cometido um enorme erro se associando à extrema direita, e
que o governo tinha conseguido um êxito ao colar a imagem do Eduardo
Cunha nas iniciativas do ex-candidato Aécio Neves. De lá para cá uma
série de medidas mudou essa percepção, ações no Supremo, decisões
judiciais, a má repercussão da indicação do ex-presidente Lula como
ministro. Mas continua sendo uma contagem do olho eletrônico para saber o
que vai acontecer. O fato é que se ela conseguir evitar o impeachment,
não resolverá os problemas do Brasil e se o impeachment passar, também
não. As questões estão excessivamente colocadas no protagonismo político
quando o grande problema que temos hoje é redefinir uma política
econômica, que é uma demanda especialmente da oposição, preservando os
programas sociais e até os ampliando, que é o que defende o PT. E juntar
essas duas metas está extremamente difícil, está um certo diálogo de
surdos agora.
BBC Brasil - Para
tentar barrar o impeachment o governo vem tentando apoios individuais,
promovendo uma espécie de leilão, varejão dos cargos. Pode ser que isso
realmente consiga reunir os votos necessários para evitar o processo,
mas é possível pensar num governo pós essas articulações, com essa nova
base? Como governar pós esse "saldão"?
Janine
- Minha experiência de acompanhar política há muito tempo mostra que
nunca o resultado é tão ruim quanto o que foi propalado. Eu não acredito
que o varejão vai ser como estão dizendo. Mas já houve casos assim
delicados, como a retirada do ministro Artur Chioro da Saúde para
entregar a pasta a um representante do PMDB que não tem o mesmo nível e
que não agrega votos para a presidente. Fala-se de entregar a Saúde e a
Educação para um desses menores - pode ser que haja troca desse tipo, e
pode ser que isso faça diferença nos votos. Mas é evidente que, para ter
um governo, vai ser necessário que o lado vitorioso veja bem como faz
com essas concessões – o governo vem fazendo isso e a oposição faz igual
– quando a oposição apoia o Cunha, ou quem o apoia, se abraça em gente
igual, ou pior. Se Michel Temer assumir a presidência vai conseguir
governar com um governo loteado pelo PMDB e outros partidos? Se Dilma
continuar, vai governar com o ministério loteado por partidos desse
nível? Nenhum dos lados terá condições de governar o Brasil pelo
loteamento. Por outro lado, esses partidos menores, essas forças
políticas pequenas conseguiram espaço porque o Executivo e o Legislativo
se enfraqueceram, nunca os vi tão fracos, e isso abriu esse tipo de
espaço, para preencher esse vazio. Tudo isso está ligado ao esvaziamento
de lideranças.
BBC Brasil - O
jornal Folha de SP neste fim de semana pediu a renúncia da presidente, e
se fala também em novas eleições. Ela mesma já disse que “não tem cara
de quem vai renunciar”. Conhecendo a presidente como você conhece, se
pode imaginar um anúncio de renúncia por parte dela, ou a convocação de
novas eleições?
Janine
- Uma renúncia eu acho muito difícil, uma pessoa que já passou pelo o
que ela passou, que tem frieza e tranquilidade mesmo em circunstâncias
muito difíceis, acho muito improvável ela ceder a isso até porque o jogo
é colocado na base do tudo ou nada. É bom notar que o editorial da
Folha significa, antes de qualquer coisa, que há reconhecimento, por
parte deste jornal, de que não há provas suficientes para o impeachment,
e que isso poderia gerar problemas sociais muito maiores do que os de
agora, então não é um ataque contra a presidente apenas. Penso que seria
muito importante introduzir novos atores nessa discussão – vejo o
empresariado e os movimentos sociais muito fracos na discussão que está
sendo protagonizada nesse momento por parlamentares, alguns com
representatividade escassa. Um dos aspectos terríveis dessa crise, para
além do fato de que a própria presidente não exerce uma liderança
respeitada pela maior parte da população brasileira, é que o mesmo vale
para o Congresso. Então, é preciso fazer novas injeções de
representatividade aí. Mas não acredito que nesse momento novas eleições
seriam benéficas, no clima de raiva e ódio que o Brasil está hoje é
possível que acirrasse as tensões mais do que poderia colaborar para
construir um futuro para o país. Muito mais importante é dialogar, ver
como se sai desse impasse. O que eu estou vendo nos atores políticos é
que eles parecem preferir perder a negociar.
BBC Brasil - Que avaliação o senhor faz do impacto disso tudo no PT e na esquerda brasileira?
Janine -
A esquerda não fez um balanço adequado do que foi o governo Lula – para
boa parte foi de grande sucesso, mas os acordos dele com o empresariado
e com o capital são vistos como uma mancha, como algo que poderia e
deveria não ter sido feito. Muita gente que pensa em refazer a esquerda,
pensa numa esquerda sem o compromisso com o capital, quando na verdade
foram esses acordos que permitiram a ele ter ganhos sociais. A esquerda
vai fazer o que quando sair do governo? Vai retomar política de
reinvindicações e solicitações sem dizer de onde virá esse dinheiro? Ou
vai tentar outra política, que no fundo seria uma social democracia? O
PT teria que fazer um bom reexame da sua trajetória, ver para quem ele é
um partido – para os trabalhadores, políticos, classe média? E escolher
mais de um desses grupos. E piora o fato de que algumas lideranças do
PT, totalmente contra a vontade do Lula e da Dilma, desenvolveram um
clima de ódio à classe média. Então a classe média, sobretudo em São
Paulo, tem uma hostilidade até selvagem ao PT.
BBC Brasil - Há
uma crítica grande da postura da presidente de colocar o Lula como
ministro-chefe da Casa Civil de que ela teria feito isso para tirá-lo
das investigações em Curitiba, concedendo ao ex-presidente foro
privilegiado. Há quem diga que a decisão foi tomada por que ele teria
uma grande capacidade de articulação política. Pegou mal para o governo?
Tem uma questão ética aí?
Janine -
Tem um fato que eu conheço, que é o seguinte: em agosto do ano passado o
nome dele já era cogitado para um cargo de ministro importante. Isso é
um fato. Então não vejo um problema ético já que era uma questão antiga e
que não envolvia blindá-lo contra um juiz. O Lula tem uma posição
única. Ele é uma pessoa que pode chegar aos trabalhadores e aos
movimentos sociais e convencê-los de que certos sacrifícios são
necessários. A economia está fraca, está definhando. O Lula tem essa
possibilidade, e eles confiariam no Lula como não confiariam num líder
de direita que dissesse a mesma coisa. E dentro do PT é o único que
conquistou credibilidade junto ao empresariado, que era maior antes do
segundo mandato Dilma, mas quanto dessa credibilidade foi desgastada é
difícil mensurar. Mas ele é o único que poderia promover uma política de
diálogo, de conciliação entre as duas forças principais da sociedade
que são capital e trabalho. Isso seria mais profundo do que articulação
dos partidos. Mas mesmo se ele tiver sucesso em fazer isso, não acredito
que conseguiria reverter a coisa a ponto de ser candidato favorito em
2018, creio que a ferida no PT foi muito grande, não vejo o partido com
chances de se recuperar a ponto disso.
BBC Brasil - Você fala em novos atores - seria o momento de aparecer uma nova liderança dessa crise?
Janine
- Se você olhar grandes movimentações populares, em 92, época do
impeachment do Collor, somente uma liderança emergiu, o então presidente
da União Nacional dos Estudantes (UNE) e agora senador, Lindberg Farias
– único nome que veio de 92. Em 2013, toda movimentação das ruas não
gerou ninguém. Ano passado e agora você não tem nenhum nome viável, você
tem criaturas que estão se construindo pelo ódio e claro que não se
pode pensar no Bolsonaro como uma liderança nova, promissora de futuro,
que poderia unificar o país. Além disso, temos partidos que não se
empenharam em construir novas lideranças. Pense que o PT tem como ideal
de candidato em 2018 o homem que o fundou – são quase 40 anos a mesma
pessoa. O PSDB oscila em três nomes há pelo menos dez anos. A pessoa que
eu tinha esperança em uma nova liderança, que seria a Marina (Silva)
não consegue comunicar aquilo que é o texto essencial dela: a defesa do
verde, da sustentabilidade, que agrada o meio empresarial, mas isso não é
o tema das campanhas dela. Não foi em 2014, em que se focou mais no
Banco Central, e não foi em 2013. A única liderança nova que eu vejo
hoje no Brasil é o Fernando Haddad, independentemente de gostarem ou não
do partido dele, acho que teria capacidade de ser um novo líder
promissor. Mas para renovação mesmo, não consigo ver no PT, PSDB ou na
Rede esse horizonte.
BBC Brasil - E no PMDB? Eles se colocam quase como uma alternativa, não?
Janine -
É um partido complicado, porque funciona nas coxias, garante
governabilidade porque atua apoiando quem quer que esteja no governo.
BBC Brasil -
Que desfecho você acredita que pode ser menos prejudicial para a crise?
O governo está demonstrando uma incapacidade de governar por uma série
de razões que parece irreversível...
Janine
- Está difícil porque veja: a economia caiu. Minha experiência como
ministro foi numa fase que não havia dinheiro, como hoje em dia não há. E
a demanda era quase toda era dinheiro, e a impressão que me dava é que
as pessoas estavam desinformadas porque não acreditavam que não havia
dinheiro. Minha impressão é que o Brasil demorou muito a acreditar que
estava numa crise. No ministério, a minha experiência é que somente em
setembro de 2015 é que começou a cair uma ficha que estava na mídia
desde janeiro e isso exigiu revisar uma série de investimentos e
programas. E isso não é fácil de fazer quando você tem setores que foram
acostumados a crescer, e com recursos, nos últimos anos e quando você
diz que esse dinheiro não virá, fica muito difícil. Há dificuldade do
Brasil acreditar que está numa crise e que sacrifícios serão
necessários.
BBC Brasil - Mas o governo também poderia ter alertado sobre a crise antes, tem uma parcela de responsabilidade aí, não?
Janine
- Sim. As eleições foram em outubro, e somente em setembro do ano
seguinte uma parte significativa da sociedade se deu conta do problema. É
claro que o fato do governo não ter anunciado a situação econômica
antes das eleições aumentou o problema, mas governo nenhum em lugar
nenhum do mundo entra numa eleição falando: estamos em crise. Eu acho
que a base de tudo é a crise econômica, se estivéssemos indo de vento em
popa, a queixa seria menor. Agora, isso somado a uma crise de liderança
política pronunciada, se torna explosivo.
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