quinta-feira, 7 de abril de 2016

Empresário confirma no Conselho de Ética que pagou propina de US$ 5,1 milhões

Agência O Globo

A defesa de Cunha pediu a impugnação das oito testemunhas de acusação no processo contra ele no conselho. © Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados A defesa de Cunha pediu a impugnação das oito testemunhas de acusação no processo contra ele no conselho.
Em depoimento ao Conselho de Ética da Câmara nesta quinta-feira, o empresário Leonardo Meirelles disse que fazia várias transferências usando as contas de suas empresas no exterior a pedido do doleiro Alberto Youssef. Mas negou ter conhecimento na época de que parte dos valores movimentados por ele se destinariam ao presidente da Câmara, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
O empresário, um dos delatores da Operação Lava-Jato, relatou que, posteriormente, Youssef lhe contou que US$ 5 milhões seriam para Cunha. Ele também disse que os extratos das contas dele e do empresário Júlio Camargo, além de documentos entregues aos investigadores e vários depoimentos dos delatores, dão suporte à versão de que o dinheiro foi pago a Cunha.
Camargo, que também é delator, já disse aos investigadores que era pressionado pelo deputado para fazer pagamento de propina. — Alberto Youssef utilizava minhas empresas tanto para receber como para fazer pagamentos. Em geral, ele me entregava só as informações bancárias — disse Meirelles, acrescentando:
— Alberto Youssef me colocou, de forma informal, num almoço, que esses recursos eram para Cunha. 
Meirelles disse saber que os US$ 5 milhões eram provenientes da Petrobras. E afirmou que os recursos foram entregues a Youssef. Numa das oportunidades em que parte do valor foi deixado no escritório do doleiro, ele disse que estava presente o ex-policial federal Jayme Alves de Oliveira Filho, o Jayme Careca, apontado como um dos entregadores de dinheiro de Youssef. E que o doleiro fez referências a Júlio Camargo na ocasião.
— Os US$ 5 milhões foram transformados em reais e entregues no escritório de Alberto Yousseff em São Paulo. Em uma dessas oportunidades tinha uma pessoa aguardando, que era o senhor Jayme, que estava indo para o Rio de Janeiro. Mas (Youssef) sempre tratava do assunto do Julinho (Júlio Camargo) — disse Meirelles.
A tomada do depoimento dele e de outros delatores da Lava-Jato chegou a ser questionada por Cunha no Supremo Tribunal Federal (STF), mas a ministra Cármen Lúcia negou o pedido do presidente da Câmara. Cunha é acusado de ter mentido sobre contas bancárias mantidas na Suíça e vem recorrendo a vários expedientes para retardar o processo aberto contra ele. 
O deputado Carlos Marun (PMDB-MS), aliado de Cunha, chamou a decisão de ouvir Meirelles de pirotecnia. Mais calmo que no começo da sessão, quando havia a expectativa de que o depoimento de Meirelles seria mais comprometedor, o parlamentar destacou que o próprio Meirelles disse não ter conhecimento de contas de Eduardo Cunha no exterior. O deputado Sérgio Moraes (PTB-RS), outro aliado de Cunha, ironizou o depoente.
— Me impressiona que pagou a passagem para vir aqui não dizer nada — disse Moraes, acrescentando: - Veio aqui para fazer um show de pirotecnia, se apresentar como um bom menino.
Trata-se de uma referência ao fato de Meirelles ter ido a Brasília com passagem paga por ele mesmo. Segundo o presidente do Conselho de Ética, o deputado José Carlos Araújo (PR-BA), apesar de o pedido ter sido feito há oito dias, a Câmara não custeou o transporte. Isso seria uma tentativa de retardar ainda mais o processo contra Cunha. Nesta quinta-feira, antes do começo do depoimento, Araújo disse que pedirá que Meirelles seja ressarcido.
Deputados críticos a Cunha afirmaram que Meirelles trouxe contribuições importantes ao processo, ao confirmar ter ouvido de Youssef que os valores seriam destinados ao presidente da Câmara. 
— Me parece que a questão central foi respondida. O senhor Leonardo me pareceu um tanto intimidado, acanhado ao responder no transcurso dos questionamentos. Não acho que o senhor veio aqui fazer pirotecnia. O senhor trouxe algo que é relevante e confirma aquilo que já está sendo dito no acordo de delação premiada pela imprensa — afirmou Betinho Gomes (PSDB-PE).
— O que o senhor Leonardo Meirelles trouxe aqui é extremamente valioso — acrescentou o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), outro adversário de Cunha.
— Essas informações são mais que suficientes para nós. O depoimento é muito claro, contundente — declarou Alessandro Molon (Rede-RJ), que também se opõe a Cunha. 
Laerte Bessa (PR-DF) usou o seu tempo para negar a existência de uma tropa de choque com o objetivo de defender o presidente da Câmara, da qual ele próprio faria parte, mas não fez perguntas a Meirelles.
— Não tenho pergunta para fazer, porque ele não trouxe nada de novo — disse Bessa. 

FORÇA-TAREFA RECEBE 145 EXTRATOS

Meirelles entregou ao Ministério Público Federal (MPF) e à Polícia Federal (PF) 145 extratos bancários e comprovantes de depósitos de propinas pagas no exterior para beneficiários de fraudes na Petrobras e outras áreas públicas. Youssef disse ter recorrido a Meirelles para pagar US$ 2 milhões ao lobista Fernando Soares, o Fernando Baiano, e que o dinheiro teria como destino final Cunha. Youssef e Baiano também fazem parte da lista de delatores da Lava-Jato que, se dependesse de Cunha, seriam impedidos de falar.
No começo da sessão, o relator do caso, o deputado Marcos Rogério (DEM-RO), atacou o atraso da Câmara em responder o pedido de compra de passagem para Meirelles depor no Conselho de Ética.
— O tempo corre contra o Conselho. O prazo para instrução é de 40 dias. Se a cada pedido de passagem tivermos essa postergação, vamos terminar em 2017 - disse o relator, acrescentando: — Isso é claramente um processo de obstrução ao trabalho do Conselho de Ética.
— Não quero que a turma contra o impeachment (da presidente Dilma Rousseff) use o depoimento faça pirotecnia - rebateu o deputado Carlos Marun (PMDB-MS), aliado de Cunha.
— Vossa Excelência está açodado — disse Rogério.
— Não, estou muito tranquilo — devolveu Marun, ainda exaltado.
— É evidente a aparência — respondeu o relator.
Depois, quando o depoimento já tinha começado, o deputado Júlio Delgado (PSB-MG), contrário a Cunha, criticou a estratégia dos aliados do presidente da Câmara de misturar o processo no Conselho ao impeachment de Dilma. Segundo eles, as acusações contra Cunha tirariam o foco do processo que pode resultar no afastamento da presidente da República.
— O que acontece aqui é que tem companheiros fazendo tanta confusão nessa celeuma. Além de cidadão, o que o senhor tem a ver com o processo de impeachment? — questionou Júlio Delgado.
— Nada — respondeu Meirelles. 
Inicialmente, por orientação da defesa, Meirelles não assinaria o termo de compromisso para dizer a verdade. Mas após reclamações de parte dos deputados, ele voltou atrás. 
— Leonardo aparece a esta sessão atendendo a um convite. Não viemos por interesse pessoal. É interesse da nação brasileira. Ele vem colaborando, e assumindo compromisso perante o Judiciário, a Polícia Federal, o Ministério Público. Leonardo não está aqui para mentir, mas para elucidar os fatos - disse o advogado de Meirelles, Haroldo Nater.
O relator Marcos Rogério agradeceu a decisão de assinar o termo, mas destacou:
— Os nobres deputados que conhecem os precedentes sabem que, neste conselho, na maioria das vezes, não se assinou o termo de compromisso. E mesmo na CPI (da Petrobras), onde o depoente esteve, não assinou o termo.

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