O retrato de Luiz Inácio Lula da
Silva pendurado acima da mesa do presidente do Sindicato dos
Metalúrgicos do ABC (SMABC), Rafael Marques, não deixa dúvidas sobre a
importância simbólica do ex-presidente para esse sindicalista e a
instituição que ele preside.
Na
parede da frente, outro retrato: o da greve de 1990 na Ford, que
Marques ajudou a organizar um ano depois da derrota de Lula para
Fernando Collor na corrida pela Presidência.
“Foi
nessa greve que conheci Lula”, lembra o sindicalista. “Ele queria
encontrar alguns militantes, tinha ouvido falar que havia uma molecada
nova à frente do movimento. Até hoje ele mora aqui em São Bernardo (do
Campo, na Grande SP), mas na época vivia pertinho do sindicato, então
fui até lá.”
Berço dos
Partidos dos Trabalhadores (PT) e do movimento sindical que deu a Lula
projeção nacional no início dos anos 80, a cidade de São Bernardo
juntamente com toda a região do ABC paulista está sendo duramente
impactada pela recessão econômica em função da forte participação da
indústria e, em especial, do setor automobilístico, na economia local.
E
em poucos lugares fica tão evidente como isso complica o desafio do PT
de vencer a atual crise de popularidade que atinge o partido como na
sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.
Marques
garante que o apoio ao PT ainda é grande entre metalúrgicos - e que é
dos movimentos de trabalhadores que sairá uma reação forte de apoio ao
governo caso a possibilidade de um impeachment volte a assombrar a
Presidência. “Nas manifestações (anti-impeachment) de dezembro lotamos
40 ônibus”, conta.
No andar
de baixo do prédio do sindicato, porém, a poucos metros da antiga sala
ocupada por Lula, as opiniões se dividem entre dezenas de metalúrgicos
que acabaram de ser demitidos de empresas espremidas pela queda das
vendas.
Críticas
“O
PT e o Lula traíram os trabalhadores. Mostraram que esse é um partido
corrupto como outro qualquer”, diz um jovem soldador, cortado
recentemente de uma empresa junto com outros 40 trabalhadores. “Foi uma
pouca vergonha o que fizeram com o país”, reforça um colega, pedindo
para não ser identificado.
“Confiamos
nessas pessoas (do PT), o José Dirceu, mesmo o Lula, então não tem como
não ficar decepcionado com essa corrupção e essa crise econômica. Hoje
não é difícil encontrar entre metalúrgicos quem esteja descontente”,
concorda Isael Ferreira, de 50 anos, demitido de uma fábrica de
ferramentas.
Certamente, também há um grande
número de filiados ao sindicato alinhados com Marques. Para Itamiro
Gonçalvez, por exemplo, o ressentimento com o PT é coisa de gente “mais
jovem” ou que “não se lembra de como era antes (de o partido assumir o
governo)”.
“Consegui avançar
muito na minha vida na época do Lula. Comprei casa, dois carros, não
posso reclamar”, diz Gonçalves, demitido após 20 anos na mesma empresa.
"A crise, afinal, está atingindo diversos países e temos de ter
confiança que logo será superada."
Roberto
Rodrigues, de 26 anos – meio oficial de torneiro mecânico em uma
fornecedora da Petrobras – tem uma opinião semelhante. Na sua empresa,
foram dispensados cerca de 300 funcionários. Seu pai, também torneiro
mecânico, está desempregado. “Mas não dá para culpar só o governo ou o
PT. Com a oposição (no poder) seria pior”, opina.
Questionado
sobre as acusações recentes contra Lula, Marques diz que elas são
"fococa", parte de um esforço para se atacar o legado social do PT.
O
Ministério Público de São Paulo investiga se o ex-presidente teria
ocultado a posse de um tríplex no Guarujá reformado pela construtora
OAS. Lula nega as acusações. Outra investigação em curso diz respeito a
uma reforma feita por um consórcio de empresas envolvidas na operação
Lava Jato em um sítio frequentado pelo ex-presidente.
"Lula
é o melhor personagem da esquerda brasileira, então o ataque contra ele
teria de ser o mais duro", afirma Marques. "Getúlio (Vargas) foi levado
ao suicídio porque ficou isolado, não tinha time. Mas o Lula não tem
esse problema: ele tem time, os movimentos sociais, movimentos sindicais
como o nosso."
O líder
sindical reconhece, porém, que é possível que "alguns trabalhadores
estejam com muita dúvida" sobre o tema. "Ontem mesmo, encontrei um
companheiro no caixa do supermercado que perguntou: 'E esse negócio do
Lula, cara?' Eu fiquei nervoso, comecei a falar o que eu penso,
defendendo o Lula. E a moça do caixa me apoiou. É só fazer o debate. O
Lula ainda é uma figura muito forte."
Reforma
O
prédio do SMABC hoje é o mesmo dos tempos em que Lula liderou a famosa
greve que levou a sua prisão pelo governo militar, em 1980, embora tenha
passado por uma ampla reforma.
"Planejamos essa reforma em
2010, um ano muito bom. E terminamos em um ano nada bom (2015), tanto
que nem teve inauguração - nem bandinha, não tinha clima", conta
Marques.
Ele diz que nos
últimos três anos a base do sindicato, que representa trabalhadores de
São Bernardo e Diadema, passou de 100 mil para 83 mil metalúrgicos, o
que significa que 17 mil empregos foram perdidos.
Só
no ano passado, teriam sido fechados 10.900 postos de trabalho – embora
boa parte dos desligamentos tenha sido feita via programas de demissão
voluntária.
Dos que ainda estão empregados, mais de um terço também está trabalhando menos - e, com frequência, ganhando menos.
Isso porque para cortar custos sem demitir, muitas empresas têm adotado principalmente três estratégias.
Primeiro, as férias coletivas. Segundo, os esquemas conhecidos comolay offs, que envolvem a suspensão temporária de contratos de trabalho.
Por
fim, o chamado Programa de Proteção ao Emprego (PPE), aprovado por
medida provisória, que permite que os trabalhadores tenham uma redução
da jornada de trabalho com redução de salário (compensada, parcialmente,
por recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador).
Mais de 20 mil trabalhadores ligados ao SMABC teriam sido incorporados ao programa.
"Hoje, em vez de encontrar os amigos em churrascos de fim de semana, nós nos vemos na rua, procurando emprego”, diz Ferreira.
“Moro
em um bairro com muitos metalúrgicos, onde a situação é crítica. Agora,
você quebra o gelo com o vizinho perguntando: 'Está de férias?' E claro
que não está”, conta o inspetor de qualidade João Ribeiro, de 22 anos.
Anapatrícia Morales Vilha,
coordenadora da Agência de Inovação da Universidade Federal do ABC
(UFABC), explica que a economia da região tem sofrido com o processo
"dramático" de queda das vendas de veículos porque isso impacta em toda a
cadeia de fornecedores das montadoras. Em 2015, a produção de veículos
brasileira caiu 22,8% segundo a principal associação do setor.
Problemas antigos
Outras
indústrias da região também colocaram o pé no freio, como a química, a
petroquímica e a indústria têxtil. E em muitos casos as dificuldades
desses setores precedem a recessão de 2015, como explicam Vilha e a
economista Cristina Reis, também da UFABC.
"Vivemos
há algum tempo um processo de 'desindustrialização', impulsionado pelo
câmbio valorizado e problemas estruturais que minam a competitividade de
nossas empresas”, diz Reis. “Isso teve um impacto significativo em
emprego e renda no ABC que se acentuou com a queda do consumo."
Segundo
a Fundação Seade e o Dieese, o desemprego no ABC subiu para 13,3% em
dezembro. Em 2015, a taxa média foi de 12,5%, contra 10,7% de 2014.
O
setor de serviços também acabou atingido pela recessão. Entre os
estabelecimentos que fecharam as portas neste ano está até o restaurante
São Judas Tadeu - da rota do frango com polenta de São Bernardo -,
famoso por sediar reuniões políticas e os encontros do Sindicato dos
Metalúrgicos.
Reis diz que a crise econômica
deixou os sindicatos em uma posição "politicamente delicada", lembrando
que as críticas da "esquerda" apontam medidas de austeridade adotadas
pela gestão Dilma Rousseff como parte do problema.
"As
lideranças têm mantido o apoio ao governo, mas um apoio crítico,
deixando claro que não são a favor de algumas dessas políticas."
A
percepção, nesses movimentos, parece ser a de que este é um governo "em
disputa" entre interesses do mercado financeiro e dos trabalhadores. E
que um afastamento poderia permitir que o outro lado ganhasse terreno.
O
ex-líder sindicalista Nelson Campanholo, que participou da greve de
1980 ao lado de Lula e "põe a mão no fogo pelo ex-presidente", admite,
porém, que o discurso de que o PT “acabou com o país” está ganhando
terreno até em São Bernardo. “Trata-se de um resultado lamentável dessa
polarização política e que põe em risco importantes ganhos dos
trabalhadores”, opina.
"Na
realidade é a crise política que está agravando nossos problemas
econômicos, mas há alguns grupos se aproveitando desse contexto."
Polarização
Até
no prédio em que Lula mora, no centro de São Bernardo, o único indício
da presença do ex-presidente hoje é uma pichação ofensiva, no muro em
frente: “Lula ladrão”, lê-se na mensagem.
Marques
diz que nunca recebeu nenhum tipo de "abordagem negativa ou
desrespeitosa" nas ruas da cidade, mas, em função a polarização, alguns
companheiros hoje evitam discussões políticas em bares.
"Na questão mais ideológica
sinto que há certo abatimento", diz. "Muita gente deixou de frequentar o
boteco que frequentava porque vai lá e a pessoa começa a falar... nosso
pessoal quando estava por cima também exagerou um pouco na conta de
alguns. Agora recebe o troco de quem nunca gostou da gente."
Claudio
Couto, cientista político da FGV, ressalta que, diante deste cenário,
será um desafio para o PT garantir os votos da região nas eleições
municipais deste ano.
"Independentemente
das especificidades da política local, ela acaba sendo contaminada pelo
desgaste do partido no âmbito nacional, pela crise econômica e os
escândalos de corrupção envolvendo o PT", diz Couto.
O
atual prefeito Luiz Marinho (PT) - ex-presidente do SMABC e ex-ministro
da Previdência e do Trabalho - foi reeleito no primeiro turno em 2012
com 65% dos votos válidos.
Nas
eleições de 2014, porém, Dilma teve menos votos que Aécio Neves (PSDB)
em São Bernardo, além de São Caetano e Santo André (ela ganhou apenas em
Diadema).
E para este ano, sondagens do jornal Diário do Grande ABC
colocam o candidato de Marinho - o atual secretário de Serviços
Urbanos, Tarcisio Secoli - em um mero terceiro lugar, com menos de 10%
das intenções de voto.
Para Brás Marinho, irmão do prefeito e presidente municipal do PT, a sondagem não é relevante.
"A
campanha municipal nem começou e nosso candidato ainda é pouco
conhecido. A gestão atual tem sido muito bem avaliada e estamos
confiantes de que isso nos ajudará a garantir a vitória”, diz ele.
Para
Couto, uma derrota nas eleições municipais em São Bernardo seria
“simbólica” dado as relações históricas do PT e de Lula com a cidade.
“São
Bernardo é o berço do PT. Se o partido sofrer um revés em um lugar como
esse certamente será importante mesmo em meio a todas as dificuldades
que já tem enfrentado.”
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