A epidemia de zika vírus no
Brasil está trazendo à discussão formas de combate ao mosquito
diferentes da tradicional eliminação de criadouros em água parada. Uma
delas ganhou grande popularidade na internet: a armadilha conhecida como
"mosquitérica" – feita com uma garrafa pet e tecido microtule. Mas
artifícios como esses são capazes de ajudar a acabar com uma epidemia
que preocupa o mundo?
Os
pesquisadores estão divididos. Os defensores da invenção dizem que ela
pode ajudar sim – desde que seja utilizada em larga escala ou como
instrumento educacional.
Contudo,
os institutos Oswaldo Cruz, do Rio de Janeiro, e Emílio Ribas, de São
Paulo, dão ênfase às estratégias tradicionais e não recomendam a
utilização individual da armadilha durante a atual epidemia.
Sua
utilização, alertam, poderia em tese atrair mais mosquitos para a casa
do usuário – aumentando o risco para ele e para seus vizinhos.
Em
linhas gerais, a armadilha é feita com uma garrafa pet, uma tela de
tecido tipo microtule e uma isca, que pode ser arroz, alpiste ou ração
de gatos. A ideia da invenção é capturar o Aedes aegypti enquanto ele ainda é uma larva e ainda não se transformou em mosquito.
Funcionamento
Em
sua versão caseira, a garrafa é cortada, lixada e colada para se
transformar em um recipiente de armazenamento de água com duas câmaras –
uma em contato com o ambiente e outra isolada. Elas são separadas pela
tela de microtule.
A ideia é que a fêmea do mosquito Aedes aegypti seja atraída pela água em evaporação natural de um local que acredita ser seguro para depositar seus ovos.
A
mosquitérica fornece um ambiente de água parada e rica em
microrganismos, cujo crescimento é estimulado pela presença da ração de
gato ou alpiste.
"O mosquito
não precisa só de água parada e limpa. A água precisa ter micróbios que
são o alimento para as larvas", afirmou o professor Maulori Cabral,
chefe do departamento de virologia do Instituto de Microbiologia Paulo
de Góes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele é um dos
criadores da armadilha.
Inicialmente,
ovos do mosquito são depositados na câmara em contato com o ambiente e
se transformam em larvas. Atraídas pelo alimento, essas larvas
atravessam a tela de microtule e passam para a segunda câmara, onde está
o alimento.
Lá elas
desenvolvem e crescem a ponto de não serem capazes de retornar para a
primeira câmara através da tela, ficando assim presas. O dono da
armadilha então precisa matar larvas e mosquitos que se acumulam na
segunda câmara e reiniciar o processo.
Utilização
Segundo
Cabral, a armadilha começou a ser desenvolvida no Brasil no início dos
anos 2000. A pesquisa fazia parte de uma iniciativa do meio acadêmico,
que temia uma possível epidemia de vírus do oeste do Nilo (febre do Nilo
ocidental) – que também é transmitida por picadas de mosquito e poderia
chegar ao Brasil por meio de aves migratórias.
A
epidemia não ocorreu e o invento chegou a ser patenteado, embora não
tenha atraído o interesse de empresas para a comercialização. Os
criadores então abriram mão da patente para que o instrumento fosse
utilizado no combate à dengue.
Para que a armadilha funcione, é necessário que o usuário elimine todos os outros locais de água parada em sua casa, para que o Aedes aegypti encontre água para depositar seus ovos apenas na mosquitérica.
Segundo Cabral, há duas principais formas de usar a armadilha, uma isolada e outra coletiva.
Isoladamente,
a armadilha tem caráter educacional e serve para apontar se o mosquito
transmissor dos vírus da dengue, chikungunya e zika está presente na
região. "Se capturar o Aedes aegypti na mosquitérica, a pessoa pode alertar as autoridades para procurar focos do mosquito na vizinhança", disse Cabral.
Mas a armadilha, em tese, também pode ser usada coletivamente - dessa vez com o objetivo de erradicar o mosquito de uma região.
Mas
para isso, seria necessária uma mobilização da população, por meio de
redes sociais ou por canais de mídia, por exemplo, para que todas as
casas preparassem armadilhas ao mesmo tempo. Assim, toda uma geração do
mosquito poderia ser eliminada.
Segundo
o professor, esse tipo de mobilização nunca aconteceu, embora esteja
sendo estudado em áreas do Maranhão. "Temos que fazer uma campanha pela
erradicação do mosquito e não pelo combate a ele", afirmou.
Risco
Contudo, as posições de Cabral causam polêmica.
Segundo o professor Jean Gorinchteyn, infectologista do Instituto Emílio Ribas, o uso de armadilhas caseiras para o mosquito Aedes aegypti é "problemático".
"O mosquito não deposita seus ovos em um local só, ele espalha em diversos pontos", afirmou.
"Ele
pode depositar ovos na armadilha, mas também na casa do vizinho (que ao
invés de ter armadilhas pode ter criadouros em potencial)", disse.
Novos mosquitos podem então nascer e migrar para a casa do dono da armadilha.
Novos mosquitos podem então nascer e migrar para a casa do dono da armadilha.
Cabral diz porém que a mosquito fêmea em busca de um local para pôr seus ovos não necessita de sangue e por isso não pica.
Outro
risco apontado por Gorinchteyn e por pesquisadores do Instituto Emílio
Ribas é que a pessoa monte uma armadilha, que atrai mosquitos, sem ter
eliminado outros criadores potenciais, como caixas d'água abertas, pneus
expostos ao tempo, pratos sob vasos de plantas e recipientes de água
para animais domésticos.
Segundo
esses institutos, o número de insetos abatidos com o uso individual da
armadilha não é representativo e pode atrair mosquitos infectados para a
casa do dono da armadilha.
Contudo,
assim como Cabral, Gorinchteyn diz que, se fosse usada coletivamente
por toda uma população, a armadilha poderia funcionar. Contudo ele diz
que há outras alternativas de combate coletivo ao mosquito menos
dispendiosas.
Prevenção tradicional
Os institutos Emílio Ribas e Oswaldo Cruz afirmam que a melhor forma de combater o mosquito Aedes aegypti é eliminando a água parada em locais que podem se transformar em criadouros.
O que não puder ser eliminado deve ser vedado para evitar o contato do mosquito com a água.
O
ciclo de vida do mosquito dura entre 7 e 10 dias, por isso recomenda-se
a verificação e eliminação de eventuais criadouros uma vez por semana.
O objetivo é interromper o ciclo de vida do inseto.
O
pesquisador Ricardo Lourenço, do Laboratório de Mosquitos Transmissores
de Hematozoários do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), diz que um
erro comum das pessoas ao verificar criadouros é não saber da existência
de ovos do mosquito nas bordas de recipientes.
"Os ovos do Aedes aegypti
possuem uma substância altamente aderente, portanto ficam bem colados
nos recipientes. Por conta disso, limpar as paredes dos receptáculos que
não podem ser descartados ou vedados, semanalmente, é de extrema
importância no combate ao vetor", afirmou.
Até agora não há vacina ou soro conhecido contra o zika vírus.
Nenhum comentário:
Postar um comentário