A Polícia Federal suspeita que a ex-ministra Erenice Guerra permitiu
que lobistas tivessem acesso antecipado ao texto da Medida Provisória
471, de 2009, antes de o texto ser publicado no Diário Oficial da União
(DOU) e encaminhado ao Congresso. A norma, que concedeu incentivos
fiscais a montadoras de veículos, teria sido ‘comprada’ por um suposto
esquema de lobby e corrupção investigado na Operação Zelotes.
Como
o Estado revelou em outubro, lobistas contratados por empresas do setor
automotivo receberam o conteúdo da MP antes de ela ser publicada no
Diário Oficial da União. Além disso, puderam alterar o seu conteúdo,
incluindo regras de interesse das empresas.
Na época, Erenice era
secretária executiva e braço-direito da presidente Dilma Rousseff, então
ministra da Casa Civil. A pasta é a última instância de análise de
normas dessa natureza, antes da assinatura pelo presidente da República,
da publicação e do envio ao Legislativo.
A PF questionou
diretamente o advogado Eduardo Valadão, um dos investigados que tiveram
acesso ao texto, se o vazamento partiu da então secretária-executiva. O
delegado Marlon Cajado, da Polícia Federal, quis saber “se foi Erenice
Guerra quem repassou” a ele “as minutas da MP 471, de 2009, e da sua
exposição de motivos, que foram encaminhadas posteriormente para Mauro
Marcondes, ainda antes da publicação”.
Marcondes e a mulher,
Cristina, estão presos em Brasília desde outubro, acusados de atuarem
para ‘comprar’ a norma de 2009 e outras duas MPs, editadas em 2010 e em
2013. A Marcondes e Mautoni, empresa que pertencia ao casal, formou um
consórcio com a empresa SGR Consultoria, do advogado José Ricardo da
Silva. O consórcio foi contratado por montadoras para viabilizar as
medidas.
Das 20 perguntas feitas a Valadão, ele respondeu a 18. Só
recorreu ao direito de permanecer calado quando questionado sobre o
suposto envolvimento de Erenice com o esquema.
O delegado também
quis saber se Erenice e o ex-assessor da presidência do Senado Fernando
Cesar Mesquita, outro investigado, faziam parte de um grupo que atuou no
consórcio SGR/Marcondes e Mautoni, ligado à elaboração e à aprovação da
MP 471 no Executivo e no Legislativo. Mais uma vez, Valadão silenciou.
Erenice
Guerra foi chefe da Casa Civil entre abril e setembro de 2010, quando
foi demitida sob a suspeita de praticar tráfico de influência no
governo. Ela sempre negou ter cometido irregularidade enquanto exerceu
cargos públicos. Antes de ser ministra, foi secretaria-executiva da Casa
Civil quando Dilma Rousseff era a ministra do órgão.
Bumlai. A
ex-ministra também teria atuado para conseguir clientes para a Davos
Energia, empresa que tem Valadão como sócio, conforme mensagens obtidas
pela PF. Um deles seria o empresário José Carlos Bumlai. Amigo pessoal
do ex-presidente Lula, Bumlai está preso pela Operação Lava Jato,
acusado de fazer empréstimos fictícios para lavar dinheiro de propina ao
PT. Uma das mensagens, trocada por Valadão em de 18 janeiro de 2012,
diz: “Na semana passada, a Erenice esteve com o Bumlai aqui em São Paulo
e conseguiu fazer um acerto com ele para que façamos a comercialização
da energia excedente dele no mercado livre”.
No depoimento, o
advogado explicou que “nunca houve” essa negociação e que não sabe o
nível de relacionamento do empresário preso com Erenice. Disse que,
provavelmente, como eram novos no mercado, “recebia indicações de
diversas pessoas para comercialização de energia.”
Valadão contou
que algumas vezes recorreu a Erenice como consultora e se recorda de que
ela passou à Davos uma demanda de Fernando Bertin, do grupo Bertin,
para compra de energia elétrica no mercado. A indicação, contudo, levou à
descapitalização da sua empresa, porque, segundo ele, o grupo não pagou
o que havia sido pactuado.
Consultoria. Após deixar o governo,
Erenice montou um escritório de advocacia e passou a prestar consultoria
a empresas que têm negócios no governo.
A Polícia Federal
descobriu no ano passado que o escritório dela associou-se ao de José
Ricardo Silva para atuar na defesa na empresa Huawei Telecomunicações no
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão do ministro
da Fazenda que julga recursos de sanções aplicadas pela Receita a
grandes contribuintes.
Em depoimento à PF, Erenice negou ter
ajudado José Ricardo a aprovar medidas de interesse do setor automotivo
no governo. Sustentou que “não se recorda de ter participado de alguma
forma na MP 471/2009” e que lhe foram oferecidas “vantagens”.
Ainda
em seu depoimento, a ex-ministra ressaltou que “a Casa Civil não tinha
participação na elaboração de medidas provisórias do governo”, cabendo à
pasta “somente a análise jurídica de constitucionalidade”. Ela explicou
que a elaboração das MPs é feita “pelos ministérios temáticos”.
Procurada
pela reportagem, Erenice não quis dar entrevista. O advogado de
Valadão, Pedro Machado de Almeida Castro, não comentou.
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