SÃO PAULO. Correspondências diplomáticas apontam que o ex-presidente Lula discutia detalhes de negócios da Odebrecht em Cuba com autoridades cubanas e brasileiras. Os documentos também apontam que Lula dizia aos diplomatas que trataria de temas de interesse da construtora e do governo cubano com a presidente Dilma Rousseff.
Os novos documentos foram divulgados neste sábado pela revista "Época". Nos últimos anos, Lula vem negando que tenha atuado como lobista da construtora brasileira, alegando que realizava apenas palestras a pedido da empresa.
Um dos telegramas divulgados pela “Época” relata conversas do ex-presidente, no ano passado, sobre as garantias que o governo cubano poderia oferecer em novo empréstimo do BNDES, no valor de US$ 290 milhões. Os recursos, ainda não liberados, seriam aplicados em obras de infraestrutura no entorno do porto de Mariel, construído graças a financiamento do BNDES no valor de US$ 682 milhões.
Em telegrama assinado pelo encarregado de negócios na embaixada brasileira, Marcelo Câmara, o diplomata relata que, "em conversa reservada com o pres. Lula", representantes da Odebrecht diziam temer veto do Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações (Config), órgão do BNDES responsável por aprovar empréstimos, ao novo empréstimo.
Para os técnicos, o governo brasileiro poderia exigir de Cuba contrapartida por meio de "garantias soberanas", como a oferta de medicamentos para o Brasil, repasse do Programa Mais Médicos, arrendamento de uma mina de níquel a uma empresa brasileira ou a venda da produção de nafta para a Odebrecht.
Os representantes da Odebrecht relatam a Lula que a opção de venda de nafta seria a mais "factível" a ser aceita pelo governo cubano. Segundo o telegrama, o ex-presidente respondeu ter tratado do tema com o presidente Raúl Castro, "com ênfase à opção pela venda de nafta". Disse também "que reportaria teor das conversações oportunamente" à presidente Dilma Rousseff.

VIAGENS PAGAS PELA ODEBRECHT

Em julho, O GLOBO revelou que Lula, já fora do cargo, atuou em favor da Odebrecht em Cuba e Portugal. Em abril, mostrou que Lula viajava pela Odebrecht na companhia de Alexandrino Alencar, acusado pela PF e pelo MPF de pagar propina a agentes públicos. Ele seria preso dois meses depois, no âmbito da Operação Lava-Jato.
De acordo com relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Fazenda, a Odebrecht foi a empresa que mais pagou pelos serviços do ex-presidente deste que ele deixou a presidência: foram R$ 2,8 milhões.
Entre 2009 e 2014, o BNDES liberou US$ 832 milhões para obras da Odebrecht em Cuba. Do total, US$ 682 foram destinados ao financiamento do Porto de Mariel e US$ 150 milhões para obras de modernização de aeroportos no país. O novo empréstimo, no valor de US$ 290 milhões, ainda está em análise pelo banco.
À revista “Época”, o ex-presidente não quis se manifestar sobre o conteúdo dos telegramas diplomáticos. Durante evento na manhã deste sábado, em São Bernardo do Campo, Lula não quis dar entrevista.
Em julho, ao ser perguntado pelo GLOBO se fazia lobby para a Odebrecht em viagens internacionais, Lula respondeu, por meio da assessoria do instituto que leva seu nome, que “não recebeu, não recebe e jamais receberá qualquer pagamento de qualquer empresa para dar consultoria, fazer lobby ou tráfico de influências”. Ainda segundo o o ex-presidente, os pagamentos feitos pela Odebrecht a ele foram por “palestra para funcionários, empresários ou diretores”.

NOTA DO INSTITUTO LULA

O Instituto Lula acusou a “Época” de fazer “reportagem ofensiva ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com afirmações falsas e manipulação criminosa de documentos oficiais”. Para o instituto, a revista insiste em “atribuir ao ex-presidente condutas supostamente ilícitas que ele jamais adotou ou adotaria”. ´
“O único crime que fica patente, após a leitura do texto, é o vazamento ilegal de documentos do Ministério das Relações Exteriores que, de acordo com a versão da revista, tiveram o sigilo funcional transferido ao Ministério Público”, diz a nota.
A entidade afirma que “ao contrário do que sustenta a matéria, a leitura isenta e correta dos telegramas diplomáticos reproduzidos (apenas parcialmente, como tem sido hábito de Época) atesta a conduta rigorosamente correta do ex-presidente Lula em seus contatos com as autoridades cubanas e com dirigentes empresariais brasileiros”.