A Polícia Federal atribui aos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff
crime de obstrução de Justiça e ao ex-ministro Aloizio Mercadante (Casa
Civil e Educação) os crimes de tráfico de influência e também obstrução
de Justiça. Em relatório de 47 páginas, o delegado de Polícia Federal
Marlon Oliveira Cajado dos Santos, do Grupo de Inquéritos da Operação
Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, sugere que os ex-presidentes e o e
ex-ministro sejam denunciados criminalmente, mas em primeiro grau
judicial - no âmbito da Justiça Federal do Distrito Federal - porque
nenhum deles, Lula, Dilma e Mercadante, detém foro privilegiado na Corte
máxima.
O relatório do inquérito foi encaminhado ao ministro
Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, e ao
procurador-geral da República Rodrigo Janot. Formalmente, a PF não
indiciou Lula, Dilma e Mercadante, mas sustenta que 'o conjunto
probatório é suficiente'.
Para a PF, ao nomear Lula ministro-chefe
da Casa Civil, em março de 2016, a então presidente e seu antecessor -
que com a medida de Dilma ganharia foro privilegiado no Supremo e, na
prática, escaparia das mãos do juiz federal Sérgio Moro - provocaram
'embaraço ao avanço da investigação da Operação Lava Jato'.
A
conclusão da PF ocorre na mesma semana em que o ministro Celso de Mello,
do STF, deu sinal verde para a nomeação do ministro Moreira Franco -
citado em delações de executivos da empreiteira Odebrecht - para a
Secretaria-Geral da Casa Civil do governo Michel Temer.
A nomeação
de Lula, então sob investigação da Lava Jato, foi barrada pelo ministro
Gilmar Mendes, do STF. No caso de Aloizio Mercadante, a investigação
foi baseada na gravação de uma conversa dele com o ex-chefe-de-gabinete
do ex-senador Delcídio Amaral (ex-PT/MS), Eduardo Marzagão. O
ex-ministro teria demonstrado empenho em barrar a delação premiada de
Delcídio. A PF crava que Mercadante provocou 'embaraço à colaboração
premiada do ex-senador Delcídio do Amaral'.
O inquérito foi aberto para investigar simultaneamente três capítulos emblemáticos da Lava Jato:
1)
o teor da conversa gravada entre Mercadante e o ex-chefe de gabinete de
Delcídio no Senado, ocorrida em 28 de dezembro de 2015 - 33 dias depois
da prisão de Delcídio; a nomeação de Lula para o cargo de
ministro-chefe da Casa Civil do governo Dilma; e a indicação do ministro
Marcelo Navarro Ribeiro Dantas para o Superior Tribunal de Justiça,
episódio envolvendo o ex-presidente da Corte, ministro Francisco Falcão.
Com
relação aos ministros do STJ, o delegado da PF sugere desmembramento
dos autos porque ambos desfrutam de foro especial no Supremo. A nomeação
de Navarro para o STJ teria sido resultado de um plano, segundo a
delação de Delcídio, para favorecer o empreiteiro Marcelo Bahia
Odebrecht, preso desde 19 de junho de 2015 na Lava Jato.
Nessa
parte da investigação que cita Navaro e Falcão, o delegado pretendia
ouvir Odebrecht e também o ex-presidente da Andrade Gutierrez, Otávio
Azevedo, além de Delcídio e Diogo Ferreira Rodrigues, que trabalhou no
gabinete do ex-senador. Mas, com os desdobramentos da delação premiada
do ex-presidente da Odebrecht - atualmente, preso em Curitiba -, Cajado
considerou oportuno aguardar que se dê publicidade às revelações do
empreiteiro.
Ao se referir especificamente a Mercadante e à
gravação, a PF diz que "os conteúdos das conversas são reveladores." Os
diálogos foram gravados por Marzagão. Na ocasião, Delcídio já sinalizava
que pretendia fazer uma delação premiada.
O ex-senador foi preso
em flagrante no dia 25 de novembro de 2015, por ordem do Supremo
Tribunal Federal, sob acusação de tentar comprar o silêncio do
ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró (Internacional) - o próprio
Delcídio foi gravado pelo filho de Cerveró tramando até uma possível
fuga do ex-diretor da estatal petrolífera para o exterior.
O
alcance explosivo da delação de Delcídio, que foi líder do Governo Dilma
no Senado, deixou o Palácio do Planalto em alerta máximo. Mercadante
tinha acabado de deixar a Casa Civil de Dilma, no dia 2 de outubro, e
assumira a Educação.
Mercadante teria se empenhado em encontrar
uma estratégia legal para livrar o ex-senador. A prisão de Delcídio foi
endossada pelo Senado, com o que Mercadante nunca concordou. Para ele, a
saída poderia ser encontrada no âmbito do próprio Senado. "Só dá prá
fazer coisa na legalidade, com transparência", disse o ex-ministro na
conversa com Eduardo Marzagão.
"Ele (Delcídio) se defenda como
achar que deve se defender, não tô falando nem como governo nem como
ministro da Casa Civil. Eu serei solidário ao Delcídio", disse, ainda,
Mercadante.
No relatório, o delegado Marlon Cajado afirma que
Mercadante 'atuou de forma consciente para prejudicar acordo de
colaboração premiada de Delcídio do Amaral objetivando embaraçar o
avanço das investigações da Operação Lava Jato'.
A ação de
Mercadante incluiria uma conversa com o ministro Ricardo Lewandowski, do
Supremo. "Também precisa conversar com Lewandowski. Eu posso conversar
com ele para achar uma saída." O ex-ministro e ex-senador sempre
sustentou que a 'saída' que buscava era dentro do aspecto legal e no
próprio Senado, por meio da convocação de uma nova sessão na Casa.
A
PF é taxativa ao apontar a 'existência da materialidade do crime de
tráfico de influência, previsto no artigo 332 do Código Penal com
autoria de Aloizio Mercadante'.
"Vez que o mesmo, a pretexto de
desestimular o acordo de colaboração premiada de Delcídio do Amaral,
jacta-se de que utilizaria seu prestígio para costurar uma 'saída' junto
ao Senado Federal com o então presidente (do Senado) Renan Calheiros e o
advogado-geral do Senado Bruno Dantas, e no Supremo Tribunal Federal,
com o ministro Ricardo Lewandowski e outros, de modo a conseguir a
libertação de Delcídio do Amaral."
Para o delegado da PF, contra Mercadante existem 'indícios de obstrução de Justiça e tráfico de influência'.
Sobre Lula e Dilma, o delegado segue a mesma linha.
"No
tópico 'embaraço à investigação mediante a nomeação de Luiz Inácio Lula
da Silva para a chefia da Casa Civil da Presidência da República',
também acreditamos haver suficientes indícios de materialidade e autoria
do crime previsto no artigo 2.º, parágrafo 1.º, da Lei 12.850/2013
atribuível à Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva, uma vez que
ambos, de forma consciente, impuseram embaraços ao avanço das
investigações da Operação Lava Jato contra o ex-presidente Lula em razão
da sua nomeação para o cargo de ministro-chefe da Casa Civil da
Presidência da República."
A PF diz que com relação aos ex-presidentes, 'a nomeação de Lula caracteriza obstrução de Justiça'.
"O
conjunto probatório (contra Dilma, Lula e Mercadante) foi suficiente'. O
delegado sugere o declínio da competência dessa parte do inquérito
para a Justiça Federal do Distrito Federal (primeira instância
judicial). E recomenda, ainda, a continuação das investigações sobre os
ministros do STJ Marcelo Navarro e Francisco Falcão, mas na alçada do
Supremo Tribunal Federal.
COM A PALAVRA, A DEFESA DE ALOIZIO MERCADANTE
O
ex-ministro Aloizio Mercadante recebe com surpresa a manifestação
policial no inquérito que apura gravações de conversa que teve com o Sr.
Eduardo Marzagão, assessor do então senador Delcídio do Amaral. Os
diálogos não retratam qualquer tentativa de obstrução da Justiça, mas um
gesto de apoio pessoal. Nas conversas, Mercadante diz expressamente que
não interferiria na estratégia jurídica de Delcídio e nem na decisão
por eventual delação. Sugeriu, apenas, que a defesa buscasse a
rediscussão da prisão do Senador junto ao Senado Federal, com absoluta
legalidade e transparência, uma vez que acreditava na ausência dos
requisitos para a detenção.
Mercadante reafirma que jamais
intercedeu junto a qualquer autoridade para tratar deste tema. Reitera
que confia plenamente na Justiça e no Ministério Público Federal,
colocando-se, como sempre, à disposição das autoridades para todos os
esclarecimentos necessários.Pierpaolo Bottini, advogado de defesa do
ex-ministro Aloizio Mercadante
COM A PALAVRA, A DEFESA DO EX-PRESIDENTE LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
NotaÉ
desprovida de qualquer fundamento jurídico e incompatível com a decisão
proferida no último dia 14/02/2017 pelo Decano da Supremo Tribunal
Federal, o Ministro Celso de Mello, nos autos do Mandado de Segurança nº
34.690/DF, a conclusão apresentada pelo Delegado Federal Marlon
Oliveira Cajado dos Santos nos autos do Inquérito Policial nº 4.243, que
também tramita perante o STF -- afirmando, conforme notícias já
veiculadas pela mídia, "haver suficientes indícios de materialidade e
autoria" da prática do crime de obstrução à Justiça (Lei nº 12.850/2013,
art. 2º, §1º) em relação ao ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em
virtude de sua nomeação para o cargo de Ministro Chefe da Casa Civil da
Presidência da República no dia 16/03/2016.
Celso de Mello foi
claro em sua decisão ao afirmar que "a investidura de qualquer pessoa no
cargo de Ministro de Estado não representa obstáculo algum a atos de
persecução penal que contra ela venham eventualmente a ser promovidos
perante o seu juiz natural, que, por efeito do que determina a própria
Constituição (CF, art. 102, I, alínea "c"), é o Supremo Tribunal
Federal".Esse entendimento, no entanto, não vale para Lula. No dia
20/03/2016, o ex-Presidente foi impedido de exercer o cargo de Ministro
de Estado a despeito de preencher todos os requisitos previstos no
artigo 87 da Constituição Federal. O impedimento foi imposto por liminar
deferida pelo Ministro Gilmar Mendes, que mudou seu posicionamento de
longa data sobre a ilegitimidade de partidos políticos para impugnar
esse tipo de ato e acolheu pedidos formulados pelo PSDB e pelo PPS.
Agora
um agente policial pretende transformar em crime um ato de nomeação que
cabia privativamente à então Presidente da República Dilma Rousseff.
Para chegar a tal conclusão, o agente público recorreu à "mídia
especializada em política", mas deixou de apresentar qualquer fundamento
jurídico para sua manifestação.
Registra-se que carece de
fundamento igualmente a outra acusação contra Lula de obstrução à
Justiça, aquela relativa à suposta compra do silêncio de Nestor Cerveró.
Os depoimentos colhidos nessa ação têm exposto a fragilidade da tese,
principalmente considerando que o próprio Cerveró desmentiu qualquer
ação do ex-Presidente no sentido de retardar sua delação.
O ato do
Delegado Federal Marlon Cajado se soma a diversas outras iniciativas de
agentes públicos que perseguem Lula por meio do uso indevido da lei e
dos procedimentos jurídicos, prática internacionalmente conhecida como
"lawfare".Esperamos que o STF rejeite a proposta do citado agente
policial e aplique em relação a Lula o mesmo entendimento que é
destinado aos demais jurisdicionados. Cristiano Zanin Martins
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