A DECISÃO DE MORO
É
a primeira vez que o ex-presidente vai para o banco dos réus, em
Curitiba - sede da Lava Jato - acusado de se beneficiar do esquema
de corrupção e desvios de recursos da Petrobrás, que teria vigora de
2004 e 20014, gerando um rombo de R$ 42 bilhões na estatal. Partidos da
base aliada - PT, PMDB e PP - comandaria diretorias por meio das quais
desviavam de 1% a 3% em propinas de contratos fechados com empreiteiras
cartelizadas.
No primeiro processo contra Lula, a força-tarefa imputa ao ex-presidente os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, considerados "vantagens indevidas" recebidas por ele e familiares de forma direta e indiretamente no apartamento do Guarujá e no armazenamento de bens pessoais em empresa especializada, custeada pela OAS.
"Quanto às reformas e benfeitorias, há indícios de que se destinariam ao ex-Presidente e a sua esposa também sem a contraprestação correspondente."
Valores. Ao
todo, diz a denúncia, o ex-presidente recebeu R$ 3,7 milhões a título
de propina da empreiteira OAS. Parte do valor está relacionada ao
apartamento no Edifício Solaris: R$ 1,1 milhão para a aquisição
do imóvel, outros R$ 926 mil referente a reformas, R$ 342 mil para
a instalação de cozinha e outros móveis personalizados, além de R$ 8
mil para a compra de fogão, micro-ondas e geladeira. O armazenamento dos
bens do ex-presidente, pago também pela OAS, segundo os
procuradores, custou R$ 1,3 milhão.
"Por ora, o fato de que grande parte, talvez a
maior parte, do faturamento do Grupo OAS decorresse de contratos com a
Petrobrás, aliado ao comprovado, pela sentença prolatada na ação penal
5083376-05.2014.404.7000, envolvimento do Grupo OAS no esquema criminoso
que vitimou a Petrobrás, tornam esses mesmos contratos uma provável
causa e fonte dos supostos benefícios concedidos pelo Grupo OAS, sem
aparente contraprestação financeira, ao ex-Presidente", registra Moro,
no seu despacho.
"Tais fatos e provas são
suficientes para a admissibilidade da denúncia e sem prejuízo do
contraditório e ampla discussão, durante o processo judicial, no qual os
acusados, inclusive o ex-Presidente, terão todas as oportunidades de
defesa", afirmou o juiz.
Além de Lula e
sua mulher, viraram réus Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula,
José Adelmário Pinheiro, o Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, Paulo
Gordilho, arquiteto e ex-executivo da OAS, Agenor Franklin Magalhães
Medeiros, ex-executivo da OAS, Fábio Hori Yonamine, ex-presidente da OAS
Investimentos e Roberto Moreira Ferreira, ligado à OAS.
O apartamento
foi construído inicialmente pela Cooperativa Habitacional dos Bancários
(Bancoop), criada pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo - entidade
que era dirigida pelo ex-tesoureiro do PT João Vaccari Netto. Em 2009,
após a falência da entidade, a assumiu o empreendimento e concedeu aos
cooperados prazo de 30 dias para optar pelo ressarcimento dos valores
até então pagos ou celebrar contrato de compromisso de compra e venda de
unidade e prosseguir no pagamento do novo saldo devedor.
"Luiz
Inácio Lula da Silva seria beneficiário direto das vantagens concedidas
pelo Grupo OAS e, segundo a denúncia, teria conhecimento de sua origem
no esquema criminoso que vitimou a Petrobrás", afirma Moro. Sobre a
abertura de processo contra a ex-primeira-dama, o juiz disse que
"lamenta" a imputação realizada, mas que os elementos apresentados
contra ela são suficientes para o recebimento da acusação.
"Muito
embora haja dúvidas relevantes quanto ao seu envolvimento doloso,
especificamente se sabia que os benefícios decorriam de acertos de
propina no esquema criminoso da Petrobrás, a sua participação específica
nos fatos e a sua contribuição para a aparente ocultação do real
proprietário do apartamento é suficiente por ora para justificar o
recebimento da denúncia também contra ela e sem prejuízo de melhor
reflexão no decorrer do processo."
O juiz
da Lava Jato citou ainda as mensagens encontradas no celular do
ex-presidente da OAS José Aldemário Pinheiro Filho, o Léo Pinheiro - que
também virou réu no processo - de fevereiro de 2014 com o engenheiro da
empreiteiras Paulo Cesar Gordilho - outro réu - que indicariam a
relação de Lula com o tríplex. "É possível inferir que os destinatários
das cozinhas, instaladas pela OAS na mesma época no apartamento 164-A e
no Sítio em Atibaia seriam o ex-Presidente e a sua esposa", afirma Moro.
Propriedade.
O juiz destaca no despacho, que "apesar da realização das reformas e
benfeitorias do apartamento para atender o ex-Presidente e sua esposa,
não foi formalizada a transferência do apartamento 164-A da OAS para
eles" e considera que a Lava Jato pode ter interrompido o negócio.
"É
possível que ela tenha sido interrompida pela prisão preventiva, em 14
de novembro de 2014, do Presidente da OAS, o acusado José Adelmário
Pinheiro Filho. Não obstante, se, como afirma o MPF, o imóvel já tinha
sido atribuído ao ex-Presidente em 2009, ainda durante o mandato
presidencial, então, já naquela época, teria havido consumação da
prática dos crimes, apesar da formal manutenção do bem em nome do
vendedor, esta para ocultar e dissimular o real proprietário."
'Comandante'.
A atuação de Lula como líder da organização criminosa não integra
a denúncia criminal aceita por Moro. O suposto crime de associação à
organização criminosa é alvo de uma apuração aberta no Supremo Tribunal
Federal (STF).
Na decisão, Moro ressalta que "o fato está em
apuração" no Supremo. "Apesar da argumentação constante na primeira
parte da denúncia, o Ministério Público Federal não imputou, ao
contrário do que se esperaria da narrativa, ao ex-presidente o crime de
associação criminosa. A omissão encontra justificativa plausível, pois
esse fato está em apuração perante o Egrégio Supremo Tribunal Federal
(Inquérito 3989), pois a suposta associação também envolveria agentes
que detêm foro por prerrogativa de função e em relação ao ex-presidente
não teria havido desmembramento quanto a este crime."
Para
Moro, "os fatos não foram descritos gratuitamente, sendo necessários
para a caracterização das vantagens materiais supostamente concedidas
pelo Grupo OAS ao ex-presidente como propinas em crimes de corrupção e
não meros presentes".
Lula foi alvo de condução coercitiva, no dia 4 de março, quando foi deflagrada a 24ª fase da Lava Jato, batizada de Operação Aletheia. Na ocasião ele negou conhecer o engenheiro da OAS Paulo Gordilho, que teria participado da reforma da cozinha do tríplex e de outra propriedade que investigadores atribuem a Lula, o sítio de Atibaia(SP).
Provas. Moro afirmou que o processo aberto ontem é a oportunidade para Lula "exercer livremente sua defesa" e que caberá ao Ministério Público Federal produzir "a prova acima de qualquer dúvida razoável" do envolvimento do petista nos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, dentro do esquema de desvios na Petrobrás.
"É
durante o trâmite da ação penal que o ex-Presidente poderá exercer
livremente a sua defesa, assim como será durante ele que caberá à
Acusação produzir a prova acima de qualquer dúvida razoável de suas
alegações caso pretenda a condenação", escreveu Moro no despacho que
aceito denúncia apresentada contra Lula, sua mulher, Marisa Letícia, e
outras seis pessoas.
Para o juiz, a ação
penal - primeira aberta contra Lula, na Lava Jato, em Curitiba - , é
"uma oportunidade para ambas as partes".
A existência de provas ou na presentação da denúncia pelos 13
procuradores da força-tarefa da Lava Jato na quarta-feira, 14, em
Curitiba, foi alvo de críticas da defesa de Lula e de aliados. Além de
criticarem o que foi chamado de "espetacularização" da acusação, as
críticas foram feitas ao conteúdo, levantando questionamentos sobre as
provas elencadas pelos acusadores.
Moro afirmou que o "juízo de
admissibilidade da denúncia não significa juízo conclusivo quanto à
presença da responsabilidade criminal".
"Nessa
fase processual, não cabe exame aprofundado das provas, algo só viável
após a instrução e especialmente o exercício do direito de defesa.
Basta, nessa fase, analisar se a denúncia tem justa causa, ou seja, se
ampara-se em substrato probatório razoável", afirmou o juiz da Lava
Jato.
Também alvo de críticas, por parte das defesas dos
investigados, Moro considerou ser necessária as explicações no despacho
de aceitação da denúncia, devido a "celeuma" surgidas pelo acusação
contra o ex-presidente Lula.
"Tais
ressalvas são oportunas pois não olvida o julgador que, entre os
acusados, encontra-se ex-Presidente da República, com o que a
propositura da denúncia e o seu recebimento podem dar azo a celeumas de
toda a espécie", afirmou Moro.
"Tais
celeumas, porém, ocorrem fora do processo. Dentro, o que se espera é
observância estrita do devido processo legal, independentemente do cargo
outrora ocupado pelo acusado. Examina-se, portanto, se presente ou não
justa causa."
COM A PALAVRA, A DEFESA DE LULA:
"Diante
de todo o histórico de perseguição e violação às garantias fundamentais
pelo juiz de Curitiba em relação ao ex-Presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, não causa surpresa a decisão por ele proferida nesta data
(20/9/2916) determinando o processamento da denúncia protocolada pelo
Ministério Público Federal em 14/9/2916.
Nem mesmo os defeitos
formais da peça acusatória e a ausência de uma prova contra Lula, como
amplamente reconhecido pela comunidade jurídica, impediu que o referido
juiz levasse adiante o que há muito havia deixado claro que faria: impor
a Lula um crime que jamais praticou.
Esse é um processo sem juiz
enquanto agente desinteressado e garantidor dos direitos fundamentais.
Em junho, em entrevista, o procurador da República Deltan Dallagnol
reconheceu que ele e o juiz de Curitiba são "símbolos de um time", o que
é inaceitável e viola não apenas a legislação processual, mas a
garantia de um processo justo, garantia essa assegurada pela
Constituição Federal e pelos Tratados Internacionais que o Brasil se
obrigou a cumprir.
Na qualidade de advogados do ex-Presidente,
apresentamos uma exceção de suspeição (5/7/2016) - ainda não julgada - e
temos convicção nos seus fundamentos. Esperamos que a Justiça
brasileira, através dos órgãos competentes, reconheça que o juiz de
Curitiba perdeu sua imparcialidade para julgar Lula, após ter praticado
diversos atos que violaram as garantias fundamentais do
ex-Presidente.Cristiano Zanin Martins e Roberto Teixeira"
COM A PALAVRA, A DEFESA DE PAULO OKAMOTTO:
O
advogado de defesa de Paulo Okamotto, Fernando Augusto Fernandes,
ressalta que "não há corrupção ou vantagem ilícita no pagamento para
conservação de um acervo de ex-presidente porque é considerado como
'patrimônio cultural brasileiro de interesse público' pela Lei 8394/91",
e não há lavagem de dinheiro porque nem Lula, nem Okamotto, nem o
Instituto se beneficiaram. Fernando Henrique Cardoso teve o acervo pago
por empresas privadas beneficiadas com diminuição de impostos por
incentivo cultural".
A defesa afirma que Okamotto, presidente do
Instituto Lula, não recebeu o que foi pago para a Granero, "o valor foi
pago para a empresa, que mantinha o acervo em depósito. Portanto, a
denúncia sem provas, sem justa causa, não poderia ser recebida e o
processo também não pode ser uma farsa com o único objetivo de condenar
publicamente inocentes", conclui Fernandes. A defesa vai recorrer da
decisão.
COM A PALAVRA, A OAS:
Por meio de sua assessoria, a empreiteira informou que não comentaria o assunto.
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