O Arquivo X de Eike Batista é um curioso baú de histórias que
oscilam entre o fulgor e a indolência do capitalismo de laços
consolidado na era Lula-Dilma. Quando entrou no gabinete do ministro da
Fazenda, Guido Mantega, na quinta-feira 1º de novembro de 2012, Eike era
um homem de negócios com ativos de US$ 12,7 bilhões, na avaliação da
época feita pela agência Bloomberg. Às vésperas de completar 56 anos,
perdera a liderança nas listagens sobre os mais ricos do Brasil, e suas
empresas submergiam em perdas, mas insistia em manter estrutura de
serviços de mordomias ao custo de US$ 7 milhões ao mês debitados no
caixa da holding.
O ministro pediu-lhe o equivalente a US$ 2,5
milhões para cobrir despesas de campanha do Partido dos Trabalhadores,
contou ao Ministério Público Federal, em maio passado, num depoimento
que seguiu o roteiro de uma colaboração espontânea — ele foi aos
procuradores e pediu para falar: “O ministro de Estado me pediu, que que
você faz? Eu tenho 40 bilhões investidos no país, como é que você
faz?”. Aceitou.
Seu advogado tentou socorrer-lhe, esclarecendo que
no mundo X aquele dinheiro “não era um valor significativo”. Foi uma
fugaz lembrança da época em que Eike Batista mantinha 100 garrafas de
champanhe no escritório. O empresário interrompeu: “Hoje, para mim, é
muito dinheiro”.
Ele se esmerava em gestos de retribuição ao
governo. Dois anos antes, na terça-feira 17 de agosto de 2010, foi a São
Paulo participar de um leilão beneficente promovido pelo cabeleireiro
da então primeira-dama, Marisa Letícia. Arrematou a cena noturna ao
pagar US$ 250 mil (R$ 500 mil, na época) por um terno usado de Lula. E
se comprometeu a dobrar o valor da coleta filantrópica.
Quarenta e
oito horas depois, estava no Palácio do Planalto, conversando com Lula
sobre uma reserva maranhense “de 10 a 15 trilhões de pés cúbicos” de gás
natural, equivalentes a “quase a metade das reservas confirmadas de gás
da Bolívia”. Eufóricos, assessores do governo e teóricos do PT
exaltavam Eike como “figura emblemática” de uma “camada de empresários
dispostos a seguir as orientações do governo”. Dilma Rousseff, àquela
altura, contava 11 pontos de vantagem sobre adversários nas pesquisas, e
porta-vozes de Lula escreviam: “É talhada, por sua biografia, para
levar adiante um projeto nacional pluriclassista.”
Em 2012, no
gabinete do ministro da Fazenda, o dono do mundo X tentava dissimular o
óbvio: o abalo sistêmico em seu universo de negócios. Planejara perfurar
três de dezenas de poços de petróleo, decidira aumentar em 67% e ainda
queria dobrar a atividade de perfuração.
Os resultados eram
modestos e o investimento elevado (US$ 700 milhões). Eike precisava do
governo Dilma tanto quanto o PT precisava dele para pagar contas
atrasadas com o publicitário João Santana, que trabalhara nas campanhas
de Dilma em 2010 e do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, eleito na
semana anterior à reunião com Mantega.
O problema do empresário
eram as porteiras fechadas da Petrobras, que lhe recusava novos
negócios, e do BNDES, que julgava ter ultrapassado o limite prudencial
de empréstimos ao grupo X. Havia um agravante: o governo também já havia
atravessado a fronteira da prudência, com repasses do Tesouro ao banco
público, correspondentes a mais da metade do crédito dado pelo BNDES ao
grupo de empresas eleitas como “campeãs nacionais”. Esses socorros do
governo ao banco estatal inflaram o endividamento público. Eram as
“pedaladas”.
Para Eike Batista faltaram tempo, meios e aliados,
apesar das múltiplas doações de dinheiro (houve ano em que chegou a
distribuir US$ 7 milhões em benemerências políticas). Punido “pelo
mercado”, como costuma repetir, nunca deixa de lembrar suas diferenças
com os competidores que julga terem sido mais privilegiados pelo poder.
Na
mesa do Ministério Público Federal, em Curitiba, Eike deixou algo além
do seu testemunho espontâneo sobre um ministro da Fazenda coletando
dinheiro para o partido do governo. Sugeriu que fosse feita uma extensão
das investigações sobre os negócios do BNDES na era Lula-Dilma: “Eu
entreguei todo o meu patrimônio como garantia”, disse, “olhem para os
outros que não deram seus avais pessoais, que aí está a grande
sacanagem”.
Como se abrisse uma fresta no seu Arquivo X,
arrematou em tom de apelo aos procuradores: “Vocês que estão passando o
Brasil a limpo, por favor, essa é uma área crítica. Porque é fácil né.
Você bota o que quiser (como garantia ao crédito do BNDES). Uma fazenda
que não vale nada, o cara avalia por um trilhão de dólares. É fácil,
né.”
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