Imerso em profunda
crise política e econômica, o Brasil celebrou a tolerância e a
diversidade na abertura dos Jogos Rio-2016 – uma festa que refletiu de
fato o “espírito da gambiarra”, definido pelos organizadores como “o
talento para fazer algo grande a partir de quase nada”. Mas a tensão no
país se fez sentir no Maracanã. Para evitar vaias, o nome do presidente
interino Michel Temer não foi anunciado ao lado do presidente do Comitê
Olímpico Internacional (COI), Thomas Bach, no início da cerimônia. O
peemedebista, contudo, não escapou dos protestos: ao declarar aberta a
Olimpíada, Temer foi alvo de sonoras vaias – e de alguns aplausos. Ao
fazer seu discurso, já no final da cerimônia, Bach apenas agradeceu às
autoridades brasileiras, sem citar Temer nominalmente.
Antes do início da festa, um
grupo chegou a ensaiar um ”fora Temer” das arquibancadas – e outra
parcela do estádio vaiou a manifestação. Ao fim do Hino Nacional, houve
quem gritasse o nome do juiz Sergio Moro, que comanda as ações
decorrentes da Operação Lava Jato em Curitiba. Na última sexta-feira,
Temer afirmou que estava “preparadíssimo” para ouvir eventuais vaias no
Maracanã. Na cerimônia de abertura da Copa do Mundo de 2014, a
presidente afastada Dilma Rousseff foi alvo de vaias e xingamentos no
estádio Itaquerão.
Estiveram
presentes à cerimônia 38 chefes de Estado e governo – número muito
inferior aos 70 que assistiram a festa londrina em 2012 e aos 80 que
estiveram em Pequim em 2008. O presidente americano Barack Obama
prestigiou a abertura em Londres ao lado da mulher, Michelle. Desta vez,
os Estados Unidos enviaram o secretário de Estado John Kerry.
No
começo da tarde, em Copacabana, na Zona Sul da cidade, um protesto
contra Temer alterou o trajeto do revezamento da tocha olímpica, que
deixou de passar por um trecho da orla e seguiu por ruas internas do
bairro. Diversos movimentos de esquerda e centrais sindicais protestaram
com faixas e cartazes em português e em inglês, em frente ao Hotel
Copacabana Palace. Houve um momento de tensão, quando a manifestação foi
impedida de avançar, até que a tocha deixasse Copacabana.
Em
São Paulo, houve protesto contra os Jogos na Avenida Paulista. A
Polícia Militar paulista reprimiu com cassetetes e spray de pimenta
cerca de 200 manifestantes que iniciaram uma caminhada a partir do vão
do Masp.
Em meio à tensão no
país, a festa no Maracanã deu espaço a causas socioambientais. As
favelas foram representadas com um show de ritmos como o samba e o funk,
que reuniu as cantoras Elza Soare e Ludmilla. O rapper Marcelo D2 e o
cantor Zeca Pagodinho simularam um duelo de ritmos, representando a
diversidade da música do Rio de Janeiro. A importância dos negros para a
cultura nacional foi celebrada com as rappers Karol Conka e McSofia.
Manifestações culturais como o maracatu, os bate-bolas e o bumba-meu-boi
também dividiram o espaço no palco do Maracanã e o treme-treme, do
Pará, foi representado pela Gang do Eletro. Houve também espaço para um
alerta sobre o aquecimento global.
Os
protestos não ofuscaram a festa no Maracanã. Nas redes sociais, a
beleza da cerimônia provocou manifestações de orgulho cada vez mais
raras em um país desiludido. A Copa do Mundo de 2014 teve como grande
legado a alegria que tomou conta do país ao longo da competição – e que
sobreviveu até mesmo ao 7 a 1 da semifinal contra a Alemanha. Há dois
anos o mundo conheceu o soft power brasileiro: o termo é usado na
diplomacia para definir a competência de um país para conseguir o que
deseja por meio de sua cultura e de sua imagem, de sorrisos e paciência,
em oposição a balas e canhões.
Ao
discursar, o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos
Arthur Nuzman, apelou a esse poder: “Nunca desistimos, essa é a força do
nosso povo. Os filhos do Brasil não fogem à luta”. Foi ovacionado.
Pouco depois, foi vaiado ao falar da cooperação entre os três níveis de
governo. É o espírito olímpico em tempos de crise política.
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