O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, tomou uma decisão
inédita: suspendeu as negociações de delação com o empreiteiro Léo
Pinheiro, ex-presidente da OAS, no âmbito da Lava Jato. Janot tomou a
decisão sob o impacto da capa da edição de VEJA que está nas bancas. Na
reportagem, VEJA informa ao longo de seis páginas que Léo Pinheiro,
atendendo a um pedido de Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal,
mandou engenheiros da OAS examinar os problemas de infiltrações que o
ministro estava tendo em sua casa. Depois disso, recomendou uma empresa
de Brasília para fazer o conserto e, uma vez concluído o serviço, mandou
que os engenheiros da OAS voltassem à casa do ministro para checar o
resultado. Dias Toffoli, segundo a delação de Léo Pinheiro, pagou a
empresa indicada pelo serviço, o que aparentemente mostra que, na
transação, não houve nenhuma ilicitude. O caso é que ninguém faz uma
proposta de delação para contar trivialidades. No momento em que a
delação fosse homologada, o empreiteiro teria então de apontar os crimes
e as provas.
Antes que se chegasse a essa etapa decisiva, o
procurador Rodrigo Janot resolveu cancelar as negociações com a OAS. Sua
decisão inédita – porque jamais se cancelou uma delação em função de
vazamentos de qualquer espécie – foi, na realidade, uma resposta às
suspeitas levantadas pelo ministro Gilmar Mendes. Na segunda-feira,
Mendes especulou que o vazamento da delação para VEJA talvez fosse obra
dos “próprios investigadores”. Disse Mendes ao jornal Folha de S. Paulo: “Não quero fazer imputação, mas os dados indicam que a investigação (do vazamento) deve começar pelos próprios investigadores. Estão com mais liberdade do que o normal”.
Em
seu gabinete, durante conversa com jornalistas nesta terça-feira,
Gilmar Mendes foi explícito. Atribuiu o vazamento a um “acerto de
contas” dos procuradores. Isso porque Toffoli teria contrariado os
procuradores quando mandou soltar da cadeia o ex-ministro do
Planejamento, Paulo Bernardo, e também decidiu fatiar a investigação
sobre a mulher do ex-ministro, a senadora Gleisi Hoffman (PT-PR). “Como
os procuradores se sentem onipotentes decidiram fazer um acerto de
contas”, disse o ministro. “Não há nenhuma censura imputável a Toffoli,
mas tudo indica que ele está na mira dos investigadores”, prosseguiu. As
declarações do ministro são as mais potentes até hoje disparadas por um
membro do STF contra os procuradores da Lava Jato. “Não se combate
crime com a prática de crime. É preciso moderação, que os procuradores
calcem as sandálias da humildade”, disse Mendes. “Isso não vai
prosseguir assim, a gente tem instrumentos para colocar freios. Isso já
ocorreu antes no Brasil. O cemitério está cheio desses heróis”,
completou.
Colocado sob suspeita, Janot reagiu, suspendeu as
negociações e foi mais longe. Declarou que, na prática, não houve
vazamento algum, pois o Ministério Público não recebera nada que pudesse
eventualmente ter vazado. Disse Janot, durante uma sessão do Conselho
Nacional do Ministério Público, nesta terça-feira: “O que eu posso
afirmar, peremptoriamente, é que este fato não foi trazido ao
conhecimento do Ministério Público. Esse pretenso anexo jamais ingressou
em qualquer dependência do Ministério Público. Ou se trata de um fato
que o jornal, ou um meio de comunicação, houve por bem publicar. Ou se
trata de um fato que alguém vendeu como verdadeiro a este meio de
comunicação e isso escapa da minha possibilidade de análise disto.”
A
declaração de Janot parece uma manifestação de perplexidade, mas contém
um truque retórico. Ele diz que a informação não pode ter sido vazada
porque o anexo da delação não “ingressou” no Ministério Público. O termo
remete a uma entrega formal de delação, quando se faz um protocolo e
demais formalidades. Mas não é isso que VEJA noticiou. A revista
informou que a proposta de delação da qual faz parte o anexo sobre Dias
Toffoli fora “apresentada recentemente à Procuradoria Geral da
República” e ainda não fora aprovada ou formalizada. Estava em
negociação. A reportagem de VEJA informa ao leitor, mais de uma vez, que
a delação era uma “proposta de delação” e que ainda não fora nem
homologada. Dizer que o anexo não “ingressou” no Ministério Público é o
truque retórico para negar a existência do anexo sobre Dias Toffoli. Ele
existe, sim, e seus termos estão – ou estavam, até agora – sob
negociação.
VEJA, naturalmente, conhece os bastidores do que se
convencionou chamar de “vazamento”. Durante a apuração, a revista firmou
o compromisso de manter suas fontes no anonimato — e vai manter o
compromisso. A reportagem de VEJA teve acesso ao anexo da delação em que
Léo Pinheiro mencionou o nome de Dias Toffoli. A expressão “ter acesso”
significa que os repórteres de VEJA viram e leram o anexo. E apuraram
que os termos do anexo estavam em discussão na proposta de delação de
Léo Pinheiro. Por isso, VEJA mantém tudo o que foi publicado na edição
que está nas bancas.
O dado mais intrigante na versão pública de
Janot é sua decisão de cancelar as negociações com Léo Pinheiro. É
intrigante não apenas porque é a primeira vez que o noticiário
antecipando os termos de uma delação resulta em cancelamento das
negociações. É intrigante, também, porque tem uma falha de lógica. Se
nunca houve delação contra Dias Toffoli, se nunca houve anexo algum
sobre o assunto, por que o procurador-geral cancelou as negociações? Por
que não a manteve normalmente?
Em sua fala na reunião do conselho
desta terça-feira, Janot dá uma pista das razões de sua decisão. Disse o
seguinte: “Na minha humilde opinião, trata-se de um quase estelionato
delacional, em que inventa-se um fato, divulga-se o fato para que haja
pressão ao órgão do Ministério Público para aceitar desta ou daquela
maneira eventual acordo de colaboração.” Com isso, fica claro que Janot
acha que a divulgação da menção a Dias Toffoli é parte de uma
conspiração — da qual VEJA participaria — para forçar que a delação
seja aceita. Mas, se não passa de um “quase estelionato delacional”,
volta-se à pergunta que não quer calar: por que cancelar a negociação?
Não bastaria ao procurador aceitar a delação nos termos que bem
entendesse – e desprezar o que a imprensa mentirosa e leviana noticia?
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