Após sete meses de manobras, o deputado Marcos Rogério (DEM-RO) finalmente conseguiu ler seu voto recomendando a cassação do mandato do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), no Conselho de Ética. O parecer agora será submetido à análise do colegiado e, se aprovado, seguirá para aval do plenário. Como houve o previsível pedido de vista formulado por aliados de Cunha, a votação só deverá ter início na próxima terça-feira.

O mandato de Cunha está em jogo por ele ter mentido à CPI da Petrobras em março do ano passado, quando negou a manutenção de contas secretas no exterior - o Ministério Público da Suíça, no entanto, comprovou a existência de quatro contas ligadas a ele. A Operação Lava Jato suspeita que esse era um dos caminhos para mascarar o recebimento de propina no petrolão.

"Há provas robustas, amparadas em evidências documentais, extratos bancários, declarações de autoridades e bancos estrangeiros e diversos depoimentos convergentes, que demonstram ter o representado recebido vantagens indevidas de esquemas relacionados à Petrobras e deliberadamente mentido perante a Comissão Parlamentar de Inquérito e a Câmara dos Deputados", disse o relator.
Se perder o mandato, o peemedebista ficará inelegível por oito anos e - para seu temor - perderá o foro privilegiado, o que remete seu processo para as mãos do juiz federal Sergio Moro.

"A instrução probatória deixou cabalmente demonstrado que as omissões intencionais e as declarações falsas do Deputado Eduardo Cunha não foram fruto de ingenuidade ou de mera interpretação equivocada da legislação tributária. Muito pelo contrário, as provas revelaram uma intenção deliberada de criar uma estrutura financeira e jurídica dedicada a escamotear e dissimular o recebimento de propina", afirmou o relator.

Marcos Rogério acrescentou que Eduardo Cunha, ao prestar um depoimento de forma espontânea à CPI da Petrobras, tinha a clara tentativa de colocar o Congresso Nacional contra as investigações que vinham sendo efetuadas pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot.

Trust - Ao longo da ação, Eduardo Cunha se dedicou a negar a manutenção de contas fora do país com o argumento de que não tem investimentos no exterior, mas sim é ligado a um trust - um instituto jurídico mediante o qual alguém transfere o controle de bens a um terceiro. De início, Cunha dizia ser "usufrutuário em vida" de ativos fora do país - o que, conforme destaca o relatório, constitui direito real de conteúdo econômico. Rogério destaca a mudança de estratégia do peemedebista, quando, em maio, tentou se descolar dos trusts, dizendo-se apenas beneficiário deles.

Em um dos trechos mais duros do parecer, o deputado Marcos Rogério afirmou que a partir do material compartilhado pelo STF e pelo Banco Central é possível concluir que "os trusts instituídos por Cunha representaram instrumentos para tornar viável a prática de fraudes: uma escancarada tentativa de dissimular a existência de bens, sendo tudo feito de modo a criar uma blindagem jurídica para esconder os frutos do recebimento de propinas, cujos valores foram relatados por testemunhas e lastreiam a denúncia já recebida do Supremo, também confirmados perante este conselho".

Rogério lista ainda uma série de argumentos para sustentar que Cunha era, de fato, titular de uma conta na Escócia. Entre eles, o deputado aponta para uma circunstância "peculiar" e "ilustrativa": a resposta secreta usada quando a senha era esquecida. No caso, a pergunta para a recuperação da senha é "o nome da minha mãe". O acesso era permitido com a palavra "Elza", segundo Rogério, uma "inequívoca prova", já que a mãe de Cunha é Elza Consentino da Cunha.

A família do presidente afastado da Câmara aparece também nos gastos vultosos de conta em nome de sua mulher, a ex-jornalista Cláudia Cruz, e da filha Danielle Dytz da Cunha. O relator chama atenção para o fato de que Cláudia, embora seja formalmente considerada a titular da conta, aparece nos formulários como dona de casa. "Fica clara a existência de uma engenharia financeira montada precipuamente para permitir a fruição de patrimônio pelo representado sem que haja gastos e contas oficialmente em seu nome. Tal contexto fica ainda mais evidente pelo fato de o representado ser considerado o garantidor da conta individual de Cláudia Cruz. Afinal, o patrimônio, como afirmado pelo próprio banco, é todo dele".

Manobras - O parecer de Marcos Rogério registra as sucessivas interferências da cúpula da Câmara dos Deputados no Conselho de Ética. O deputado cita a destituição do primeiro relator, o deputado Fausto Pinato, à época filiado ao PRB, que levou à anulação de todo o processo. Ele destaca que é tradição na Casa as decisões dos colegiados terem como instância recursal um outro órgão colegiado, e não um único deputado, "mesmo ele sendo o presidente ou seu substituto".

Defesa - O advogado de Cunha, Marcelo Nobre, apresentou a defesa antes da leitura do parecer pela cassação. Ao longo de quase trinta minutos, Nobre dedicou-se a atacar as delações premiadas, usadas em trecho do parecer para sustentar o pagamento de pelo menos 5 milhões de dólares em propina ao peemedebista, a negar a existência de manobras no conselho e reiterar que seu cliente não é proprietário de contas no exterior. "Só se pode afirmar que Cunha tem contas no exterior no seu nome se forem feitas manobras com esse intuito. Não existe uma prova material, isso é claro. Quem quer condenar que apresente prova material de que existe conta no exterior em nome do meu cliente", disse.