O ex-presidente José Sarney
sabe das coisas. Com a autoridade de seus 60 anos de vida pública e um
talento nato para resistir a tormentas, Sarney disse numa conversa
gravada que a delação premiada de executivos da Odebrecht provocaria um
estrago digno de "uma metralhadora de ponto 100". A velha raposa
externava o temor reinante na classe política com a possibilidade da
revelação dos detalhes da contabilidade clandestina da maior empreiteira
do país. Fazia coro com as autoridades empenhadas em melar a
investigação do petrolão. A operação abafa, como se sabe, fracassou. A
delação de diretores e funcionários da Odebrecht já está sendo feita.
Não só ela como a colaboração do ex-chefe da OAS, que fez a reforma do
sítio que servia de refúgio para o ex-presidente Lula. Em vez de uma,
são duas as metralhadoras engatilhadas, ambas com munição de sobra para
permitir que a Lava-Jato feche a lista de políticos beneficiados com
propina e identifique a cadeia de comando do maior esquema de corrupção
já investigado no país. O poder de fogo é ainda mais devastador, letal e
definitivo do que imaginava o experiente Sarney.
A
delação mais aguardada é a de Marcelo Odebrecht, o príncipe das
empreiteiras, provedor-mor das campanhas eleitorais, doador universal do
sistema político brasileiro. Preso em junho do ano passado, Marcelo, de
início, declarou-se inocente e rechaçou a possibilidade de ajudar as
autoridades a esquadrinhar as entranhas do petrolão. "Primeiro, para
alguém dedurar, precisa ter o que dedurar. Isso eu acho que não ocorre
aqui", disse o empresário, já sob a custódia da Polícia Federal, numa
audiência da CPI da Petrobras. Os parlamentares presentes, sabedores de
onde o calo aperta, quase pediam desculpas ao fazer perguntas a ele. "Eu
talvez brigasse mais com quem dedurou do que com aquele que fez o
fato", acrescentou Marcelo, criticando os delatores. Uma sucessão de
fatos mudou suas convicções. Fracassaram todos os recursos jurídicos e
as armações políticas de bastidores para livrá-lo da prisão. A
força-tarefa da Lava-Jato descobriu que a Odebrecht tinha um setor
específico para pagamento de propina que abastecia os partidos
governistas e de oposição. Em março, o juiz Sergio Moro, responsável
pela Lava-Jato, condenou Marcelo a dezenove anos e quatro meses de
prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa. Para
se livrar da cadeia, o condenado finalmente aceitou exercer o papel de
delator que tanto desqualificara.
O
alvo principal de suas revelações será a presidente afastada Dilma
Rousseff. Segundo o empresário, a reeleição de Dilma foi financiada com
propina depositada em contas no exterior. A Lava-Jato já rastreou o
repasse de 3 milhões de dólares da empreiteira para uma conta na Suíça
do marqueteiro João Santana, mago das últimas três campanhas
presidenciais do PT. Além disso, mapeou o pagamento de 22,5 milhões de
reais ao marqueteiro, em dinheiro vivo, entre outubro de 2014, quando
Dilma conquistou o segundo mandato, e maio de 2015. Marcelo confirmará
aos investigadores que, ao remunerar Santana, bancou despesas não
declaradas da campanha da petista.
Com reportagem de Hugo Marques e Ullisses Campbell
Marcelo Odebrecht: o homem que desprezava dedo-duro entregou-se à delação
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