Irresponsabilidade com gastos dá impeachment? Juristas expõe visões opostas
Há a expectativa de que a maioria da corte, formada por nove ministros, vote pela reprovação da gestão fiscal petista, devido a operações irregulares que teriam melhorado artificialmente o resultado do Orçamento e evitado a necessidade de cortes de gastos no ano eleitoral.
Um parecer nesse sentido aumentaria a pressão para que o Congresso rejeite as contas de Dilma, decisão que a oposição pretende usar para fundamentar a tentativa de abertura de um processo de impeachment na Câmara dos Deputados. A BBC Brasil entrevistou dois juristas sobre essa possibilidade, um contra e outro a favor.
Na avaliação de Joaquim Falcão, diretor da faculdade de Direito da FGV-Rio, a rejeição das contas não é suficiente para embasar um impeachment. Entre outros argumentos, ele cita o fato de que não há precedente de uma autoridade do Poder Executivo (seja governador ou prefeito) afastado do cargo por esse motivo.
Já o professor de direito administrativo da PUC-SP Adilson Dallari, defende o contrário e sustenta seu argumento no artigo 85 da Constituição Federal, que prevê que "atos que atentem contra a lei orçamentária" são crimes de responsabilidade que podem gerar impeachment.
Diante do risco elevado de uma decisão desfavorável no TCU, o governo vem atuado para tentar atrasar a apreciação das contas pela corte. Nesta semana, a Advocacia Geral da União protocolou um pedido de suspeição (quando há suspeita de falta de imparcialidade) contra o ministro-relator do caso, Augusto Nardes, tentando afastá-lo do julgamento. A justificativa é que ele deu diversas declarações à imprensa antecipando seu voto contra o governo, o que é proibido pelas regras do tribunal de contas.
A previsão é que os demais oito ministros decidam na tarde desta quarta-feira se Nardes deve ou não ser afastado. Caso votem pela sua manutenção no caso, a apreciação das contas ocorrerá em seguida.
Confira abaixo a opinião dos dois juristas ouvidos pela BBC Brasil: A rejeição das contas de governo é motivo para um processo de impeachment?
________________________________________________________________
NÃO
Joaquim Falcão, diretor da faculdade de direito da FGV-Rio, considera que uma eventual parecer do TCU pela rejeição das contas de 2014 do governo de Dilma Rousseff, mesmo que venha a ser confirmado pelo Congresso, não é suficiente para justificar juridicamente a abertura de um processo de impeachment da presidente.Ele argumenta que não haveria precedente de decisões anteriores nesse sentido. Segundo pesquisa realizada por sua equipe, a punição aplicada pela Justiça Eleitoral a prefeitos e governadores que já tiveram as contas rejeitadas pelo Poder Legislativo local foram multas e a proibição de poder se candidatar nos anos seguintes.
"Será uma novidade você dizer que cometer crime contra responsabilidade fiscal dá impeachment. Nunca houve (impeachment por rejeição de contas)", disse.
"Depois, uma eventual rejeição (das contas) vai ser contestada no Supremo pelo governo. É imprudente o Congresso decidir (abrir um processo de impeachment) com base em um assunto pendente no Supremo", destacou.
Outro ponto citado por Falcão para refutar essa hipótese é que as contas que estão sendo analisadas pelo TCU são de 2014, último ano do primeiro mandato de Dilma, e a Constituição Federal prevê que apenas crimes de responsabilidade praticados no atual mandato poderiam justificar um impeachment. "Ou seja, mais uma questão para o Supremo", afirma.
Além, disso, observa Falcão, mesmo que tenha havido irregularidades, teria que ser comprovado que foi uma decisão direta da presidente para que seja possível sustentar a abertura de um processo de impeachment. "O terceiro argumento (contra a abertura de impeachment) é que não é um ato individual dela, mas é uma política de governo (a gestão fiscal)", diz.
"Meu raciocínio é que esse conjunto torna a coisa, do ponto de vista técnico, extremamente difícil", acrescentou.
O diretor da FGV
Direito Rio, no entanto, não descarta completamente a possibilidade de
impeachment devido ao aspecto político do julgamento. Ele ressalta,
porém, que um impeachment sem uma justificativa clara poderia
comprometer a imagem do Brasil perante à comunidade internacional, o que
pode servir como um fator inibidor desse processo.
"É
um julgamento político. Então, o Congresso pode dizer, como disse para o
(ex-presidente Fernando) Collor, que isso (a rejeição das contas) fere a
dignidade do cargo. Agora, você ferir a dignidade do cargo é uma coisa
muito ampla. Não existe uma definição unívoca do que é a dignidade. O
que vai decidir isso é o número de votos (no Congresso)", observou.
"Estive
com vários banqueiros e investidores. Para o mercado externo, é muito
complicado um impeachment que não seja totalmente claro porque a
continuidade democrática é um dos ativos do Brasil hoje. A visão externa
não comporta interpretações muito elásticas", insistiu.
Ele
observa que, no caso o impeachment do Collor, havia comprovações de uso
de recursos provenientes de corrupção para uso pessoal, como a compra
de um carro Fiat Elba.
Na
avaliação de Falcão, a estratégia da oposição à Dilma é "criar um clima
de insegurança a favor do impeachment". Segundo ele, "nenhum dos
pedidos (de abertura de processo já apresentados na Câmara) traz fatos
concretos".
"Eles tratam de
hipóteses com base em decisões futuras do TSE (que vai julgar as contas
de campanha de Dilma) ou do TCU. De momento não tem nada. O que não quer
dizer que pode vir a ter", ressalta.
________________________________________________________________
SIM
O
jurista Adilson de Abreu Dallari, professor de direito administrativo
da PUC-SP, produziu em maio um parecer sustentando que Dilma poderia
sofrer um impeachment por atos do primeiro mandato do seu governo. O
documento havia sido encomendado pelo Instituto dos Advogados de São
Paulo.
De lá para cá, ele
considera que as evidências de irregularidades na gestão fiscal se
avolumaram e tornaram mais fortes os argumentos favoráveis ao
impeachment.
Ele cita o
artigo 85 da Constituição Federal que prevê que "atos que atentem conta a
lei orçamentária" são considerados crimes de responsabilidade. Na sua
avaliação, o governo também desrespeitou trechos da lei 1.079, que
regulamenta o processo de impeachment, e a Lei de Responsabilidade
Fiscal, que proíbe que o governo tome recursos emprestados de bancos
públicos.
O professor destaca
o caso das "pedaladas fiscais", em que o governo atrasou em grande
volume (R$ 40 bilhões) repasses para bancos pagarem benefícios como o
Bolsa Família e o seguro-desemprego. Como os bancos desembolsaram os
recursos mesmo assim, isso configuraria empréstimo à União.
Dallari
considera que o caso é ainda mais grave porque as irregularidades
melhoram as contas públicas artificialmente em ano eleitoral. Na sua
avaliação, já está comprovado que houve crimes.
"No
Tribunal de Contas, o ministro decide depois do pronunciamento dos
órgãos técnicos. E os órgãos técnicos já se pronunciaram. Então, não dá
mais para negar um fato, porque está tudo documentado", disse.
Dallari argumenta que Dilma tem responsabilidade direta sobre os atos praticados.
"Pela
Constituição Federal, o Presidente da República é o chefe de governo.
Os ministros são subordinados. Então, a responsabilidade é do chefe. Não
tem como escapar disso", argumenta.
"O importante
nessa história é que não estamos falando de uma transgressão feita por
uma subagência do instituto de pesquisa contra malária lá no interior da
Amazônia. Estamos falando de coisas que aconteceram necessariamente no
nível superior do governo", ressaltou.
Dallari
rebate o argumento de que não haveria precedente para um impeachment da
presidente por rejeição de contas do governo. Na sua avaliação, o fato
de decisões de órgãos do Legislativo locais não terem levado à cassação
de mandatos de prefeitos pode ser consequência do apoio político
angariado por eles nas câmaras municipais.
"Para
que o pedido de impeachment vá para diante, é preciso ter dois terços
do Legislativo. Vamos falar português, é o que a Dilma está tentando
fazer agora com essa reforma (ministerial, anunciada semana passada):
conseguir apoio de um terço dos parlamentares. Ela pode ter cometido
todos os crimes do mundo, se tiver um terço dos votos, não haverá
impeachment", observou.
Na
avaliação de Dallari, quando um governante do Poder Executivo é
reeleito, seu mandato passa a ter oito anos na prática, pois não há
interrupção de governo. Para ele, isso permite que juridicamente Dilma
sofra um impeachment por atos praticados antes da sua reeleição. O
professor considera que se isso não for possível cria-se um incentivo
para que se cometam irregularidades no quarto ano de mandato.
"Essa teoria de restringir ao mandato atual é completamente absurda porque ela é um incentivo à corrupção", afirmou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário