Até o último minuto, os procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato
tentaram fortalecer sua posição pela manutenção da prisão do
ex-ministro petista José Dirceu. Apresentaram nesta terça-feira uma nova
denúncia contra Dirceu, acusado de receber 2,4 milhões de reais em
propinas das empreiteiras UTC e Engevix, mas o esforço foi em vão. O STF
(Supremo Tribunal Federal) decidiu, por 3 votos a 2, libertar o petista preso desde 2015.
Em
resposta, Deltan Dallagnol, procurador que lidera a força-tarefa,
publicou um duro texto no Facebook no qual se diz "frustrado" com o
Supremo e volta sua artilharia para os ministros que votaram pela
soltura do petista. Não é a primeira vez que integrantes da Lava Jato
trocam farpas públicas com o Supremo.
Nesta terça, em seu voto, o
ministro do Supremo Gilmar Mendes já se antecipou às críticas: "Não
cabe a procurador da República nem a ninguém pressionar o Supremo
Tribunal Federal, seja pela forma que quiser. É preciso respeitar as
linhas básicas do estado democrático de direito. Quando nós quebramos
isso, estamos semeando o embrião, a semente do viés autoritário."
Leia a íntegra do texto do procurador:
A incoerente soltura de José Dirceu pelo Supremo
O
que mais chama a atenção, hoje, é que a mesma maioria da 2ª Turma do
Supremo Tribunal Federal que hoje soltou José Dirceu – Ministros Gilmar
Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski – votaram para manter presas
pessoas em situação de menor gravidade, nos últimos seis meses.
A história de Delano Parente
O
ex-prefeito Delano Parente não teve a mesma sorte de José Dirceu. Ele
foi acusado por corrupção, lavagem e organização criminosa. São os
mesmos crimes de Dirceu, mas praticados em menor vulto e por menos
tempo. Foram 17 milhões de reais, entre 2013 e 2015, quando Dirceu é
acusado do desvio de mais de 19 milhões, entre 2007 e 2014, sem contar o
Mensalão. O âmbito de influência de Delano era bem menor do que o de
Dirceu. Chefiou o pequeno Município de 8.618 habitantes do interior do
Piauí, Redenção do Gurgueia. Na data do julgamento no Supremo, em 7 de
fevereiro de 2017, nem mais prefeito era. Contudo, todos os integrantes
da 2ª Turma entenderam que sua prisão era inafastável. A decisão de
prisão original estava assentada na prática habitual e reiterada de
crimes.
O Ministro Dias Toffoli afirmou: “O Supremo
Tribunal Federal já assentou o entendimento de que é legítima a tutela
cautelar que tenha por fim resguardar a ordem pública quando evidenciada
a necessidade de se interromper ou diminuir a atuação de integrantes de
organização criminosa.”
A prisão de Thiago Poeta
Preso
aparentemente há mais de 2 anos (mais tempo do que José Dirceu), Thiago
Maurício Sá Pereira, conhecido como “Thiago Poeta”, também não teve a
sorte de Dirceu em julgamento de março deste ano. Ele reiterou a prática
de crimes de tráfico em diferentes lugares e foi preso com 162 gramas
de cocaína e 10 gramas de maconha, além de alguns materiais que podem
ser usados para manipular drogas. Sua pena foi menor do que a de Dirceu,
17 anos e 6 meses – a de Dirceu, só na Lava Jato, supera 30 anos, sem
contar a nova denúncia. Contudo, para Thiago, não houve leniência. Todos
os ministros da 2ª Turma votaram pela manutenção da prisão.
O
Ministro Gilmar Mendes assim se pronunciou: “Por oportuno, destaco
precedentes desta Corte, no sentido de ser idônea a prisão decretada
para resguardo da ordem pública considerada a gravidade concreta do
crime”. E seguiu dizendo que “Ademais, permanecendo o paciente
custodiado durante a instrução criminal, tendo, inclusive, o Juízo
entendido por sua manutenção no cárcere, ao proferir sentença
condenatória, em razão da presença incólume dos requisitos previstos no
art. 312 do CPP, não deve ser revogada a prisão cautelar se não houver
alteração fática apta a autorizar-lhe a devolução do status libertatis
.” Essas colocações também serviriam, aparentemente em cheio, para
manter José Dirceu preso, com a ressalva de que a situação de Dirceu é
mais grave.
O caso de Alef Saraiva
Alef
Gustavo Silva Saraiva, réu primário, foi encontrado com menos de 150
gramas de cocaína e maconha. Após quase um ano preso, seu habeas corpus
chegou ao Supremo. Em dezembro de 2016, a prisão foi mantida por quatro
votos, ausente o Ministro Gilmar Mendes, em razão da “gravidade do
crime”.
O Ministro Ricardo Lewandowski foi assertivo na
necessidade de prisão de Alef: “Com efeito, há farta jurisprudência
desta Corte, em ambas as Turmas, no sentido de que a gravidade in
concreto do delito ante o modus operandi empregado e a quantidade de
droga apreendida - no caso, 130 invólucros plásticos e 59 microtubos de
cocaína, pesando um total de 87,90 gramas, e 3 invólucros plásticos de
maconha, pesando um total de 44,10 gramas (apreendidas juntamente com
anotações referentes ao tráfico e certa quantia em dinheiro), permitem
concluir pela periculosidade social do paciente e pela consequente
presença dos requisitos autorizadores da prisão cautelar elencados no
art. 312 do CPP, em especial para garantia da ordem pública.”
Conclusão
Diz-se
que o tráfico de drogas gera mortes indiretas. Ora, a corrupção também.
A grande corrupção e o tráfico matam igualmente. Enquanto o tráfico se
associa à violência barulhenta, a corrupção mata pela falta de remédios,
por buracos em estradas e pela pobreza. Enquanto o tráfico ocupa
territórios, a corrupção ocupa o poder e captura o Estado,
disfarçando-se de uma capa de falsa legitimidade para lesar aqueles de
quem deveria cuidar. A mudança do cenário, dos morros para gabinetes
requintados, não muda a realidade sangrenta da corrupção. Gostaria de
poder entender o tratamento diferenciado que recebeu José Dirceu, quando
comparado aos casos acima.
O Supremo Tribunal Federal é a
mais alta Corte do país. É nela que os cidadãos depositam sua
esperança, assim como os procuradores da Lava Jato. Confiamos na Justiça
e, naturalmente, que julgará com coerência, tratando da mesma forma
casos semelhantes. Hoje, contudo, essas esperanças foram frustradas.
Mais ainda, fica um receio. Na Lava Jato, os políticos Pedro Correa,
André Vargas e Luiz Argolo estão presos desde abril de 2015, assim como
João Vaccari Neto.
Marcelo Odebrecht desde junho de 2015. Os
ex-Diretores Renato Duque e Jorge Zelada desde março e julho de 2015.
Todos há mais tempo do que José Dirceu. Isso porque sua liberdade
representa um risco real à sociedade. A prisão é um remédio amargo, mas
necessário, para proteger a sociedade contra o risco de recidiva, ou
mesmo avanço, da perigosa doença exposta pela Lava Jato.
Fontes dos casos: HCs 138.937 (Delano Parente), 139.585 (Thiago Poeta) e 135.393 (Alef Saraiva).
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