Dias antes de ter a prisão revogada, José Dirceu escreveu do cárcere uma carta de 14 páginas à qual o Estado
teve acesso. Comparou os delatores que o acusam a “cachorros da
ditadura”, defendeu uma virada à esquerda do PT, criticou o Ministério
Público Federal, a Polícia Federal e a ação do juiz Sérgio Moro.
Qualificou como golpistas o governo Temer e a mídia. E, diante do risco
do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não ser candidato em 2018, em
razão dos processos em que é réu na Operação Lava Jato, o petista
escreveu: “Darão outro golpe, condenarão e prenderão Lula? Serão capazes
dessa violência e ilegalidade? Veremos”.
A carta em papel almaço e
a letra miúda e cursiva remetem à imagem das correspondências mantidas
pelos presidiários comuns. Mas as palavras são as de um político. Não de
um qualquer, mas de alguém que simboliza a “tragédia de uma geração, a
de 1968”, como disse um de seus ex-companheiros, o deputado federal
Chico Alencar (PSOL-RJ). Alencar conviveu com o ex-ministro e deixou o
PT no início da crise provocada pelo mensalão, em 2005.
Dirceu leu
28 perguntas e, com base nelas, construiu sua última carta do cárcere.
Reafirmou seu álibi e sua interpretação sobre os processos do mensalão e
da Lava Jato, misturando no documento análise política e o que seria o
programa para um futuro governo petista.
Condenado a 32 anos e 1
mês de prisão por Moro em dois processos da Operação Lava Jato, o
petista escreveu do Complexo Médico-Penal, em Pinhais, no Paraná. Desde
2016, ele enviava cartas para companheiros de partido, grupos internos e
amigos tratando de seu caso, do futuro da esquerda e das táticas para
2018. “Na prisão ou em liberdade, sou um militante político e sempre
serei”, escreveu.
Prisão. O ex-ministro descreveu
sua rotina no cárcere. Sua cela de três metros de largura por seis de
comprimento tem três camas. O antigo condestável da República, cujos
cabelos aparados expõem sua calva, escreveu durante os dias 30 de março,
4, 5 e 6 de abril. “É muito triste para nós que convivemos com ele
desde a luta pela redemocratização vê-lo preso. No fim, tudo aquilo que
se podia imaginar de pior na forma de eles agirem, de manter o poder a
todo custo, se mostrou verdade e real. E isso é muito pesaroso”, afirmou
o vice-presidente do PSDB, Alberto Goldman.
Apesar do que pensam
seus adversários políticos, o petista escreveu na carta que espera ser
absolvido. “Se há juízes em Brasília sairei da prisão e serei absolvido.
Trata-se de um processo político, sumário, de exceção.” E criticou as
decisões de Moro. “Na prática, eu estou condenado à prisão perpétua.
Basta somar as penas – 32 anos e 1 mês que, mesmo unificados, como
determinou o juiz, são 25 anos e 6 meses. Como não se autoriza a
progressão penal sem a reparação do dano, serei obrigado a cumprir a
pena em regime fechado. Toda a pena.” Dirceu escrevia antes do
julgamento do habeas corpus pela 2.ª Turma do Supremo Tribunal Federal,
que o libertou.
Ele disse que as delações na Lava Jato são
“forçadas, ilegais fruto das prisões preventivas, ameaças de pena sem
direito a responder em liberdade ou progredir”. “É delação ou prisão
perpétua. Feitas de encomenda e de comum acordo são como os chamados
‘cachorros’ (presos que, sob tortura, aceitavam mudar de lado) da ditadura.”
Ao
seu interlocutor, Dirceu afirmou ainda: “Não tinha e não tenho que
delatar”. “Não participei das campanhas do PT de 2006, 2010 e 2014. Não
fiz parte de sua direção ou da Executiva, com exceção do diretório
nacional de 2009 a 2012, sem nenhuma função ou cargo”.
Política. Em
sua carta, Dirceu afirmou que Dilma Rousseff “foi deposta por um
golpe”. “Não há justificativa para a ruptura do pacto constitucional de
1988. Hoje a verdade vem à tona: um presidente repudiado por 80% dos
brasileiros, um programa de reformas que é uma regressão social e
política, um Congresso em pânico e uma mídia que assiste ao fracasso de
sua guerra midiática contra o PT, Lula e o governo Dilma.”
Para
ele, a médio prazo a “Justiça e a democracia se restabelecerão” no País.
O futuro de Lula, de Dilma, do PT “não está decidido”, e os petistas
devem protestar e “acreditar”.
Em sua carta, Dirceu traça uma
estratégia para o PT. “Nada será como antes e não voltaremos a repetir
os erros. Seguramente, voltaremos com um giro à esquerda para fazer as
reformas que não fizemos na renda, riqueza, poder, a tributária, a
bancária, a urbana e a política. Não se iludam vocês e os nossos. Não há
caminho de volta. Quem rompeu o pacto que assuma as consequências.”
Para ele, nada impede que o partido apoie, se for o caso, a candidatura
de Ciro Gomes (PDT) em 2018. “Devemos nos unir no 1.º ou, seguramente,
no 2.º turno.”
Dirceu defendeu ainda a anistia ao chamado caixa
2. “Sou favorável à Justiça, ao respeito à lei e à Constituição, à
igualdade perante a lei. Não se pode aplaudir a anistia a centenas de
bilhões de reais remetidos ilegalmente ao exterior por centenas de
cidadãos, crime de sonegação e de evasão de divisas, de corrupção e
lavagem e, não só se opor, mas se ‘escandalizar’ e se ‘indignar’ por
puro farisaísmo à anistia do chamado caixa 2, como bem destacou o
ministro Gilmar Mendes”, escreveu.
Justiça. Por
fim, o petista afirmou que juízes e promotores devem obediência à lei,
em vez de “interpretar e legislar como aconteceu hoje em Curitiba”.
“Juízes e promotores têm lado, ideologia, são aliados de forças
políticas e econômicas que deram o golpe. Foram transformados em
celebridades.”
E conclui: “É preciso aprovar a Lei de Abuso de Autoridade, rejeitar as 10 medidas (contra a corrupção)
e submeter o Ministério Público Federal à lei. Abrir a caixa-preta de
seus vencimentos, vantagens e privilégios, colocar o MPF sob controle
externo e devolver à PF a sua função constitucional de polícia
judiciária da União”.
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