A ex-presidente Dilma Rousseff parece mais relaxada do que quando
estava no poder. Ela brinca, repassa a apertada lista de conferências
que a aguardam na Europa e nos Estados Unidos e, pela primeira vez, fala
de seu futuro político, em entrevista exclusiva à agência France
Presse.
Destituída em 2016 pelo Congresso,
sob a acusação de maquiar as contas públicas, Dilma passa seus dias em
Porto Alegre, onde segue obedientemente sua rotina de exercícios físicos
e passeios de bicicleta. Ela só parece perder a paciência quando é
perguntada sobre o escândalo de corrupção da Petrobras que atingiu seu
governo.
"Eu não serei candidata a presidente da República, se é
essa a sua pergunta. Agora, atividade política, nunca vou deixar de
fazer. Eu não afasto a possibilidade de me candidatar a senadora,
deputada, esses cargos", declarou na entrevista realizada na tarde de
sexta-feira (17) em Brasília.
Apesar do impeachment, Dilma não
perdeu seus direitos políticos para ocupar cargos públicos e pode,
portanto, ser candidata a cargos eletivos.
Essa decisão, tomada
pelo Senado, surpreendeu porque o único precedente que existia apontava
para o contrário. O ex-presidente Fernando Collor de Mello renunciou em
1992 e ficou inabilitado para ocupar cargos públicos durante oito anos.
Aos
69 anos, essa ex-guerrilheira marxista disputou apenas dois cargos
eletivos em sua vida: a presidência, que venceu em 2011, e a reeleição
de 2014, ambas pelo Partido dos Trabalhadores (PT).
Questionada
sobre como é possível que desconhecesse a monumental rede de subornos
que drenou mais de US$ 2 bilhões da Petrobras para financiar campanhas
políticas, Dilma abandona o semblante afável que adotou após seu
impeachment. "Os processos são extremamente complicados. Ninguém no
Brasil sabe de todos os processos de corrupção hoje", afirmou.
Primeira
mulher a chegar à presidência do Brasil, Dilma conserva em sua conta do
Twitter a frase "presidenta eleita do Brasil". Como o país não concede
nenhum tipo de pensão aos seus ex-presidentes, Dilma se mantém
financeiramente com os R$ 5.300 mensais que recebe de aposentadoria por
ter sido funcionária do Estado do Rio Grande do Sul e completa sua renda
com o aluguel de quatro apartamentos familiares.
"Nada impede que alguém me agrida"
Afilhada
política do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2002-2010), símbolo
de uma esquerda latino-americana que perdeu grande parte de seu crédito
pelos escândalos de corrupção, Dilma diz que não costuma ter problemas
ao percorrer as ruas do bairro Tristeza, onde vive em Porto Alegre, nem
quando viaja ao Rio de Janeiro para visitar sua mãe.
Mas, com as
lembranças do impeachment ainda frescas na memória do país, afirma não
ter garantias, apesar de contar com um guarda-costas. "Nada impede que
alguém me agrida", declara.
Entre maio e agosto de 2016, o Brasil
viveu um impeachment traumático, cujo ato final ocorreu no Senado, onde
Dilma Rousseff se defendeu por mais de 10 horas. Sua queda foi precedida
por uma série de acusações de corrupção contra seu partido, que
alimentaram grandes protestos nas ruas.
Dilma diz repassar
"sistematicamente" os documentos do processo que a retirou do poder e
que encerrou um ciclo de mais de 13 anos do PT no governo,
substituindo-a por seu vice, o conservador Michel Temer, a quem acusou
de liderar um "golpe parlamentar".
"As pedras de Brasília e as
emas da Alvorada sabiam que eles estavam inventando um motivo para me
afastar", afirma, em uma referência ao tempo em que vivia no Palácio da
Alvorada, cercado de jardins intermináveis povoados por pássaros. "Foi a
chamada justiça do inimigo: não se julga, se destrói", diz.
Sem nostalgias
A
ex-presidente afirma não ter nenhuma nostalgia da vida no Palácio da
Alvorada, um gigantesco edifício modernista de Brasília, cercado por
espelhos d'água e jardins intermináveis.
De volta para a vida
"real", a ex-presidente vive sozinha em um apartamento de mais de 130
metros quadrados no bairro Tristeza, de Porto Alegre.
"São muitos
metros", afirma ironicamente em comparação com os 7.300 metros quadrados
da residência presidencial projetada pelo famoso arquiteto Oscar
Niemeyer e inaugurada em 1958.
"Um palácio não é um lugar adequado
para você morar. É impossível, a não ser se você tiver patins ou um
skate, como tem meu neto", afirmou, em meio a risadas.
"Eu vivia
em um apartamento pequeno. O que era meu apartamento: um quarto, uma
sala, banheiro e um escritoriozinho", acrescentou Dilma, que passou por
Brasília para participar de um evento organizado pelo braço feminino do
Partido dos Trabalhadores (PT).
Nos seis anos em que viveu na
Alvorada, ela diz ter entrado na espetacular piscina do palácio apenas
duas vezes. "O único arrependimento é que meu neto gostava", finaliza.
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