Do ex-presidente Lula a Alckmin, sistema político deve ser abalado dos pés à cabeça
São Paulo
A divulgação da delação de Claudio Melo Filho,
ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht, abalou Brasília em
dezembro ao escancarar as supostas relações criminosas entre a cúpula
política do país e o dinheiro privado. Mas o depoimento dado pelo
ex-executivo da construtora apenas trouxe à luz o topo do problema, de
raízes muito mais profundas. São mais de 800 depoimentos de 77
ex-funcionários da empresa, que aceitaram revelar o que sabem em troca
de penas mais brandas pelo envolvimento no escândalo de corrupção
revelado pela Operação Lava Jato. Eles já foram concluídos e encaminhados ao Supremo Tribunal Federal
nesta segunda-feira, um dia antes do início do recesso do Judiciário.
Eles serão analisados em janeiro ou fevereiro pelo ministro Teori
Zavascki, relator da Lava Jato no STF, para que sejam ou não homologados
(tornados válidos como colaboração com a Justiça em troca de benefícios
na pena).
A delação do fim do mundo, como ficou conhecida a série de
depoimentos dos funcionários à Justiça, envolverá desde executivos que
ocupavam a presidência da construtora, como o próprio Marcelo Odebrecht,
até secretárias. Todos eles foram desligados da empresa e só Marcelo,
já condenado na Lava Jato, segue detido. Aos poucos, o conteúdo começa a
ser vazado na imprensa. Nesta segunda, uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo
revelou que em ao menos um dos depoimentos afirma-se que houve uma
doação ilegal da construtora de cerca de 30 milhões de reais para a
chapa de Dilma Rousseff e Michel Temer, na última eleição. Isso pode repercutir no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que julga ação sobre as contas da campanha.
As novas delações devem mostrar os tentáculos do esquema que, de
acordo com a força-tarefa, regia a troca de vantagens para empresas por
financiamento partidário e pessoal. Se os executivos principais lidavam
diretamente com o Congresso e o Planalto, os diretores-superintendentes,
por exemplo, podem explicar como o esquema de troca de benefícios
funcionava em Estados e municípios. Eles lideravam times regionais, que
tratavam com políticos de São Paulo, Rio de Janeiro ou Estados do
Nordeste -muitos depois ganharam projeção em suas carreiras e também
acabaram implicados em esquemas de Brasília.
Por isso, há um entendimento de que, se a delação de Melo Filho
implodiu o Congresso e o Planalto, as demais, com exceção da do clã
Odebrecht, devem envolver mais políticos regionais, incluindo, no
entanto, nomes de peso, como governadores com pretensões à Presidência.
Conheça abaixo quem são os principais nomes do acordo e sobre quais
áreas eles devem se ater.
Clã Odebrecht
As delações mais aguardadas da Operação Lava Jato
são as do patriarca do clã Odebrecht, Emílio, e de seu filho Marcelo,
preso desde junho do ano passado. Os dois sempre foram próximos aos
governos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva
e Dilma Rousseff, e existe a expectativa de que eles impliquem os
ex-presidentes em seus depoimentos. Trechos iniciais da delação de
Marcelo vazados no início do mês dão conta de repasses de 8 milhões de
reais em dinheiro vivo pagos para Lula – parte do montante depois que o
petista havia deixado o Planalto. Além disso, Marcelo teria negociado
diretamente a compra da nova sede do Instituto Lula, que não foi concretizada – a organização nega.
Mas as delações de Emílio e Marcelo podem ir muito além de Lula e
Dilma. A empreiteira tem uma relação de proximidade com o poder desde os
tempos da ditadura. De José Sarney a Michel Temer passando por Fernando Henrique Cardoso,
a Odebrecht manteve algum grau de intimidade com todos os mandatários
do país. Em seu livro de memórias, FHC faz várias menções elogiosas ao
magnata da Odebrecht: “Curioso, a firma Odebrecht
ficou tão marcada pela CPI dos Anões do Orçamento, com o negócio da
corrupção, e no entanto o Emílio é um dos homens mais competentes do
Brasil em termos empresariais”. Resta saber até onde os donos da empresa
irão em sua delação.
Carlos Armando Paschoal
Paschoal, conhecido como CAP, era diretor-superintendente da empresa
em São Paulo e, por isso, é tido como um dos principais contatos da
Odebrecht com políticos paulistas. Trechos preliminares de seu acordo de
delação, divulgados entre outubro e novembro, implicam dois possíveis
presidenciáveis tucanos para 2018, o governador Geraldo Alckmin e o chanceler José Serra. No caso de Alckmin, o caixa 2 (dinheiro para campanha não contabilizado) teria abastecido as campanhas de 2010 e 2014.
Os pagamentos teriam sido feitos a duas pessoas próximas ao político
tucano: uma delas seria o empresário Adhemar Ribeiro, irmão da mulher de
Alckmin. Em 2010, ele teria recebido 2 milhões de reais em espécie,
pagos em seu escritório.
Já Serra teria recebido 23 milhões de reais da empreiteira em 2010,
via caixa 2, durante sua campanha presidencial. Parte do dinheiro,
segundo a delação, foi repassado para uma conta na Suíça. Ronaldo Cezar
Coelho, ex-deputado federal (ex-PSDB e atual PSD) teria articulado o
repasse na condição de coordenador político da campanha de Serra. Todos
os citados negam qualquer malfeito. Alckmin disse, na ocasião, que "é prematura qualquer conclusão com base em informações vazadas de delações não homologadas".
Benedicto Barbosa Júnior
O ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura é apontado como um dos
principais interlocutores da empresa com políticos. Preso em março deste
ano durante a 26ª fase da Lava Jato,
era um dos coordenadores do Setor de Operações Estruturadas da
empreiteira, conhecido como o setor da propina. Este setor, segundo o
movimentado ao menos 66 milhões de reais para ao menos 30 pessoas. O
Ministério Público Federal acredita que estes valores foram repassados
para políticos das esferas municipal, estadual e federal. De acordo com a
denúncia apresentada contra Barbosa, ele seria “a pessoa acionada por
Marcelo para tratar de assuntos referentes ao meio político, inclusive a
obtenção de apoio financeiro”.
A delação de Barbosa pode complicar ainda mais a situação do ex-governador fluminense Sérgio Cabral (PMDB), preso no início do mês.
Isso porque os investigadores esperam que ele confirme outras denúncias
de que o peemedebista cobrava 5% de propina para obras de grande porte
no Estado, como a reforma do estádio do Maracanã, por exemplo. O
executivo frequentava a casa de Cabral, e construiu sua mansão no mesmo
condomínio que o então governador. Barbosa também era próximo do
ex-ministro de Lula José Dirceu, já condenado na Lava Jato. Do setor controlado pelo executivo também teriam saído, segundo a força-tarefa da Lava Jato, pagamentos não declarados para o casal de publicitários Monica Moura e João Santana pelas campanhas de Lula e Dilma Rousseff.
Alexandrino Alencar
Ao lado do clã Odebrecht, Alencar é uma das figuras-chave das
delações da empresa. Ex-diretor de Relações Institucionais da
construtora, ele ficou preso entre junho e outubro deste ano e sua
delação chegou a ser recusada pela força-tarefa da Lava Jato,
que considerou que ele tentava poupar o ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva. Ele é apontado como o executivo da construtora responsável
pela relação com Lula. Seria ele também o contato da empresa com Antonio
Palocci, réu na Lava Jato e preso durante a 35ª fase da Operação Lava
Jato, chamada de Omertà.
Do depoimento de Alencar, se espera que ele esclareça as questões relativas às obras feitas em um sítio de Atibaia,
que, segundo a acusação, pertenceriam a Lula, que nega ser
proprietário. Ele também deve relatar detalhes das viagens feitas ao
lado do ex-presidente para países da África e da América Latina. Segundo
os procuradores, Lula praticou tráfico de influência em benefício da
construtora em troca de vantagens indevidas, o que ele também nega.
Sérgio Luiz Neves
Neves é diretor superintendente da Odebrecht Infraestrutura para
Minas Gerais e Espírito Santo. A expectativa dos procuradores é que ele
detalhe em sua delação pagamentos e propinas pagos a políticos mineiros.
Ele já foi citado pela secretária da empresa Maria Lúcia Tavares – que também colabora com a Justiça
– como sendo o responsável pelo pedido de pagamento de 15 milhões de
reais para uma pessoa identificada nas planilhas da empreiteira apenas
como “Mineirinho” em 2014. Claudio Melo Filho, cuja delação veio a
público na semana passada, afirmou que o apelido se refere ao senador e ex-candidato à presidência Aécio Neves (PSDB-MG), que negou.
O ex-funcionário era subordinado a Benedicto Barbosa Júnior, diretor
da Odebrecht Infraestrutura e um dos articuladores do setor de operações
estruturadas da empreiteira – conhecido como setor de propinas. Ele
também pode jogar luz sobre algumas denúncias da Operação Acrônimo, que
enredaram a Odebrecht e o governador de Minas, Fernando Pimentel (PT),
em um esquema de pagamentos de propina no Estado em novembro deste ano.
A Odebrecht é responsável por uma série de obras de grande porte em
Minas Gerais, que vão desde estações de tratamento de água e subestações
elétricas. Dentre as principais estão as obras de manutenção do Sistema
Rio Manso, responsável pelo abastecimento da Região Metropolitana de
Belo Horizonte com água tratada. O contrato para a realização dessa
iniciativa foi firmado durante o Governo do agora senador Antonio
Anastasia (PSDB), relator da comissão especial do impeachment de Dilma Rousseff no Congresso.
Luiz Antonio Bueno Junior
A delação de Junior, diretor superintendente da Odebrecht
Infraestrutura em São Paulo, tem potencial de abordar possíveis
malfeitos da empreiteira no Estado. Em março deste ano foi divulgado um
documento assinado por ele com o objetivo de aumentar os custos do
estádio do Corinthians, construído pela Odebrecht. Por meio de aditivos
contratuais, executivos da empreiteira conseguiram subir o valor da obra
em 1,2 bilhão de reais. Segundo o procurador Carlos dos Santos Lima,
da força-tarefa da Lava Jato, as investigações feitas com base em
planilhas da construtora apontam que houve pagamento de propina na obra,
mas ainda não se sabia, em março, quais foram os destinatários deste
dinheiro.
Uma das obras que também está na mira das autoridades é a construção da Linha 6-Laranja do Metrô de São Paulo
Uma das obras que também está na mira das autoridades é a construção
da Linha 6-Laranja do Metrô de São Paulo. A empreiteira integra o
Consórcio Move – ao lado de Queiroz Galvão, UTC Participações e Eco
Realty Fundo de Investimentos. A Move venceu uma licitação bilionária
com custo previsto em 22 bilhões de reais. No entanto, em setembro deste
ano o consórcio anunciou a suspensão das obras alegando dificuldades na
contratação de crédito. Além disso, obras nas linhas 2-Verde e
4-Amarela também são investigadas por suspeita de propina. Uma série de
e-mails e documentos apreendidos pela Lava Jato indicam que a empresa pagou para conseguir vencer as licitações durante governos do PSDB,
entre eles o do atual governador Geraldo Alckmin, que pretende disputar
a presidência em 2018. No final de novembro, ele defendeu a lava jato e
afirmou que não foi beneficiário de nenhum repasse ilegal de campanha.
João Carlos Nogueira
Ex-diretor da área internacional da Odebrecht, Nogueira conhece bem
os negócios da empreiteira firmados em outros países, como Angola,
República Dominicana, Cuba, Gana, México e Venezuela.
Ele chegou a ser alvo de condução coercitiva em setembro deste ano,
alvo da Operação Acrônimo, que investiga pagamentos de propina por parte
da empreiteira ao Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES). O
Ministério Público Federal acredita que Nogueira era um dos responsáveis
pelo esquema de pagamentos ilegais em troca de financiamento do banco
estatal.
O executivo da Odebrecht Cláudio Melo Filho, cuja delação vazada para
a imprensa provocou um terremoto no núcleo duro do Governo, cita
Nogueira como sendo um dos funcionários da empresa “que mantinha agenda
própria no Congresso Nacional”. Segundo Melo, Nogueira era próximo do
Itamaraty e do Ministério da Indústria e Comércio. Entre as obras da
construtora no exterior estão Porto Mariel, em Cuba, a Hidrelétrica de Cambembe, de Angola, e o metrô de Caracas, na Venezuela.
João Antônio Pacífico Ferreira
Diretor superintendente para as áreas Norte, Nordeste e Centro-Oeste
da construtora, ele deve revelar detalhes de como atuava junto aos
políticos para viabilizar obras nessas regiões. Foi citado pelo delator
Melo como a pessoa que aprovou pagamentos no valor de 500.000 reais ao
presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL),
que apareceria em planilhas da construtora com o codinome "justiça".
Segundo o mesmo executivo, Pacífico teria afirmado para ele que tinha
interesse na obra do Canal do Sertão Alagoano, uma espécie de
minitransposição do rio São Francisco. "Depois eu fui informado que
haviam sido doados 1,2 milhão de reais a título de campanha", afirmou o
delator. A obra do canal é feita pelo Governo do Estado, em parceria com
o Governo federal, por meio do Programa de Aceleração ao Crescimento
(PAC). A Odebrecht é responsável pelo quarto trecho da obra, ainda em
construção, que foi, ao lado de outros trechos, questionado por indícios
de sobrepreço pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A ordem de
serviço deste trecho foi emitida em junho de 2013, na gestão do tucano
Teotônio Vilela Filho.
Diretor superintendente para as áreas Norte,
Nordeste e Centro-Oeste da construtora, ele deve revelar detalhes de
como atuava junto aos políticos para viabilizar obras nessas regiões
João Pacífico, como é conhecido, também poderá esclarecer se a construtora pagou propina para realizar as obras do projeto de irrigação Tabuleiros Litorâneos
de Parnaíba, no Piauí, executada pela construtora em um consórcio com a
Queiroz Galvão. A obra já havia sido apontada em uma lista de obras sob
suspeita da Polícia Federal, em setembro deste ano. Na delação de Melo,
ele afirma que houve um acerto de pagamento de 3% dos valores
repassados para a obra pelo Ministro da Integração, que em 2008, época
dos fatos, era Geddel Vieira Lima, que deixou o Governo de Michel Temer por ter seu nome envolvido em outra denúncia.
Leandro Azevedo
Ex-diretor-superintendente no Rio de Janeiro, era considerado o braço-direito de Benedicto Júnior, um dos coordenadores do departamento de propina. Segundo uma reportagem da revista Veja,
ele afirma que a construtora pagou 23,6 milhões de reais em dinheiro e
800.000 euros, por transferência bancária no exterior, para a campanha
do Governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB). Segundo ele, o
governador agiu junto ao BNDES em favor dos interesses da empresa. Ainda
segundo a revista, ele teria citado o repasse de dinheiro para o caixa 2
do atual prefeito do Rio, Eduardo Paes (também do PMDB), ex-governador
Anthony Garotinho e sua mulher, Rosinha, ambos do PR, e para o senador
Lindbergh Farias (PT), além do próprio Pezão. Eles afirmam que só
receberam doações regulares.
Dentre as obras sob suspeita estão a Linha 4 do Metrô do Rio e a concessão do Maracanã a Odebrecht. Esta última, segundo reportagem do Fantástico
teria envolvido, segundo ele, o pagamento de propina ao atual
presidente do Tribunal de Contas do Estado, Jonas Lopes, para que o
edital fosse liberado pelo órgão. No último dia 13, ele foi conduzido
coercitivamente para a sede da Polícia federal para prestar depoimento.
Ele não falou com a imprensa sobre o fato.
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