A ex-ministra e líder da Rede Sustentabilidade, Marina Silva,
acusou o presidente Michel Temer e o presidente do Senado, Renan
Calheiros, de tentarem desmontar a operação Lava Jato. Em artigo
publicado em sua página no Facebook na noite desta quinta-feira (24),
Marina criticou ainda as tentativas do Congresso Nacional de anistiar o
caixa dois eleitoral e de aprovar a lei de abuso de autoridade.
"O
constitucionalista presidente da República procura justificativas para
apoiar, no Congresso, tais ações que visam salvar a si mesmo e aos
seus", escreveu Marina. Ela também aponta o presidente do Senado, Renan
Calheiros (PMDB-AL), como mobilizador no Poder Legislativo "para tolher
os poderes da Justiça".
Confira aqui a íntegra do texto:
Por
iniciativa de parlamentares incomodados pelas investigações da Operação
Lava-Jato, abriu-se no Congresso Nacional um debate sobre abuso de
poder e de autoridade. Minha caracterização do que vem a ser esse abuso é
rápida e baseada em exemplos.
Um grupo de parlamentares tem a
ousadia de querer introduzir, num projeto de iniciativa popular que
institucionaliza o combate à corrupção, uma emenda que dá anistia ao
crime eleitoral de caixa dois. O presidente do Senado, investigado pela
polícia, mobiliza o Poder Legislativo para tolher os poderes da Justiça.
O constitucionalista presidente da República procura justificativas
para apoiar, no Congresso, tais ações que visam salvar a si mesmo e aos
seus. Forma-se uma força tarefa, com partidos e partidários da oposição e
da situação, uns operando diretamente, outros por omissão, para
desmoralizar, enfraquecer e, por fim, desmontar a Lava-Jato. Abuso de
poder e de autoridade é um assunto muito sério para ser usado como uma
tentativa de safar-se.
A sociedade acompanha os esforços do
Ministério Público e da Polícia Federal que proporcionam coerência a uma
justiça que não se intimida. A expectativa e o apoio à Justiça é a
continuidade de um desejo manifestado nas ruas. Desde 2013, milhões de
brasileiros se manifestam em grandes mobilizações que se autoconvocam à
revelia de organizações partidárias ou sindicais e de seus velhos
líderes, carismáticos ou burocráticos. Os que tentaram a aventura
oportunista de surfar a grande onda, hoje lutam para salvar-se do
afogamento. A tudo e todos que representam um poder que se demonstrou
ilegítimo, a sociedade desautorizou com o velho refrão musical: “você
abusou”.
Infelizmente, a insurgência das ruas não foi respondida
senão com mais abuso: contra a lei, contra o povo, contra a justiça e a
polícia, até mesmo contra os fatos, a realidade e o bom-senso. A
situação política do Brasil tornou-se tão absurda, que parece não
existir mais poder ou autoridade, somente o abuso. Nossa salvaguarda são
as instituições, que vêm se consolidando desde a retomada da democracia
e – graças a Deus e à Constituição cidadã de 88 – insistem em
funcionar.
Como se pode pretender varrer para debaixo dos tapetes
verde e azul do Congresso o Petrolão, as fraudes nos fundos de pensão,
dos empréstimos consignados, dos propinodutos, de Belo Monte, das
suspeitas envolvendo dois ex-governadores do Rio de Janeiro, dos crimes
de corrupção confessados por empreiteiros, diretores, doleiros e
marqueteiros, do crime de caixa dois, de todo esse resíduo tóxico do
abuso de poder e autoridade que escorre a céu aberto pelo Brasil? Como
podem tantos operadores da política, usando os cargos que ocupam na
República, diante dos olhos da nação indignada, desprezarem os pesos e
medidas da Lei e da ética e demonstrarem tamanho apego a esse objeto de
prazer em que se tornou o poder?
Que a sociedade não tenha todas
as respostas é típico destes tempos difíceis que vivemos. Nossa
esperança, entretanto, persiste nas perguntas boas e incômodas. Mantendo
nossas perguntas brasileiras e indignadas, tomo ainda emprestada a
indagação de Adolfo Guggenbuhl-Craig, para quem, em um país democrático,
a pergunta é como criar mecanismos legítimos, que possam impedir o
avanço da psicopatia política. Sua sugestão é que talvez a melhor
resposta consista em fazer com que o poder disponível nas mais altas
posições administrativas fique tão reduzido que não chegue “a atrair os
psicopatas”. Não deixa de ser uma boa pergunta e uma boa indicação de
resposta.
É exatamente isso que venho tentando dizer quando repito
que a Lava-Jato pode estar fazendo uma espécie de reforma política na
prática. Isso será possível se, além de desmontar as estruturas
corruptas, conseguirmos institucionalizar o combate contínuo à corrupção
aprovando – sem “jabuti", é claro – a emenda das dez medidas.
A
sociedade terá retirado um pouco de poder daqueles que dele abusam. Em
terreno tão difícil, será, sem dúvida, um importante passo à frente.
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