Um corredor com segurança armado divide o gabinete do juiz
Sérgio Moro da sala de audiências no segundo andar do edifício da
Justiça Federal, em Curitiba.
Uma câmera acoplada no
computador registra os primeiros depoimentos da ação penal em que Luiz
Inácio Lula da Silva é réu, acusado de receber R$ 3,7 milhões, da OAS,
em forma de benesses, no apartamento tríplex do Edifício Solaris, no
Guarujá (SP). O dinheiro seria propina de contratos da Petrobrás,
segundo a força-tarefa da Operação Lava Jato.Apontado como líder do
esquema de corrupção na estatal petrolífera, que desviou mais de R$ 40
bilhões entre 2004 e 2014, Lula busca em sua defesa uma nulidade no
processo, que tire de Moro a competência para julgá-lo, e ainda
arraste o caso penal para a arena política."Concluir que Lula era o
centro desse processo, como fez o Ministério Público Federal, só pode
ser ato de voluntarismo maldoso, sem qualquer lastro de veracidade, o
que se insere nas práticas de lawfare - que é o uso da lei e dos procedimentos jurídicos para fins de perseguição política", avaliou a defesa do ex-presidente.
No
processo, Lula, sua mulher, Marisa Letícia, o presidente do Instituto
Lula, Paulo Okamotto, o ex-presidente da OAS José Aldemário Pinheiro, o
Léo Pinheiro, e outras cinco pessoas são réus pelos crimes de corrupção e
lavagem de R$ 80 milhões, relativos a contratos de obras em duas
refinarias - R$ 3,7 milhões seriam obtidos em benefício próprio, do
ex-presidente. É a primeira ação penal em que o petista enfrentará um
julgamento de Moro - previsto para meados de 2017.A defesa aposta na
absolvição de Lula e nega que o apartamento que foi comprado em nome da
ex-primeira-dama, da cooperativa habitacional dos bancários de São
Paulo, a Bancoop, ligada ao PT, e depois reformado e equipado pela OAS,
seja do ex-presidente.
Embate
Na sala de audiência, uma mesa retangular fica encostada, por sua
lateral menor, na frente da bancada ocupada por Moro. A testemunha senta
no canto esquerdo, da vista do juiz, e os advogados de defesa, à
direita.Foram mais de 40 discussões, em cerca de oito horas de
interrogatórios, acusações de julgamento antecipado do juiz e o pedido
de invalidação das 11 testemunhas, consideradas suspeitas - todos são
delatores da Lava Jato. Moro chegou a suspender as audiências por pelos
menos quatro vezes e advertiu os advogados por "comportamento processual
inadequado".
Quatro defensores de Lula estão na mesa e quatro
assessores de imprensa, ocupando as cadeiras ao fundo. Roberto Teixeira,
compadre e advogado de Lula, está na ponta da mesa, no lado mais
distante de Moro. Mas não é ele quem fala na audiência.
Seu genro
e sócio Cristiano Zanin Martins e os criminalistas José Roberto
Batochio e Juarez Cirino dos Santos encabeçam as inquirições e as
questões com o juízo.O primeiro a ser ouvido na semana foi o ex-líder do
governo Dilma Rousseff no Senado, Delcídio Amaral (ex-PT e ex-PSDB/MS),
na segunda-feira, 21.
O tempo fechou nos primeiros minutos.
Preso em novembro de 2015, em flagrante tentativa de compra do silêncio
do ex-diretor de Internacional da Petrobrás Nestor Cerveró, o ex-senador
foi acusado pela defesa de Lula de ter interesses em depor contra o
ex-presidente.
No depoimento do ex-deputado Pedro Corrêa (ex-líder
do PP) também foi tempestuoso, com pelo menos duas interrupções das
gravações da audiência."Está evidente doutor Moro que o Ministério
Público traz as testemunhas que fizeram um acordo de colaboração
premiada com o evidente objetivo de validar acordos nulos. Porque são
prestados sob coação, prisão é coação, eu diria mais, para essas
testemunhas, é tortura", afirmou o criminalista Juarez Cirino dos
Santos.
Sem voluntariedade, "não existe valida" completou o
defensor. "É uma testemunha suspeita de parcialidade e inteiramente
indigna de fé."O artigo 214 do Código de Processo Penal diz que, antes
de iniciado o depoimento de uma testemunha, as partes do processo
poderão contestar a validade das afirmações ou apontar suspeita de
parcialidade do interrogado."As alegações de que houve coação, ao meu
ver, além de não terem nenhuma procedência, acabam sendo até ofensivas
ao Supremo Tribunal Federal, que teve o zelo de tomar todo cuidado
devido para verificar se esse acordo se fazia com voluntariedade",
respondeu Moro. "Fica registrada a contradita, mas prossegue-se a
inquerição.
"Soberania nacional
O
questionamento a delatores sobre a existência de acordos fechados com
autoridades dos Estados Unidos foi o tema principal dos embates
protagonizados pela defesa de Lula com Moro, procuradores da
força-tarefa e testemunhas."O senhor é colaborador apenas no Brasil, ou
também no exterior?", perguntou um defensor ao empresário Augusto
Ribeiro Mendonça.
A testemunha foi o primeiro dono de uma
empreiteira do cartel, acusado de fatiar obras na Petrobrás, a fechar
acordo de delação com a Lava Jato, ainda em 2014.Moro indeferiu o
questionamento e alertou a defesa sobre a preservação do direito da
testemunha de não se auto prejudicar em um eventual acordo de
confidencialidade. "Está indeferido, doutor. (...) Qual a relevância
dessa questão para o processo doutor? Ele é um agente dos Estados Unidos
aqui? treinado na CIA, no FBI?."O criminalista José Roberto Batochio,
insistiu: "Eu faço essa pergunta em nome da soberania do meu País".O
argumento da soberania nacional para atacar a Lava Jato não é novo na
estratégia de defesa de Lula.
Desde que foi alvo de condução
coercitivamente, em 4 de março, na 24ª fase (Operação Aletheia), o
ex-presidente busca politizar o processo e acusa perseguição judicial da
Lava Jato.
O tema foi também juridicamente usado em março pela
então presidente, Dilma Rousseff, para buscar no Supremo a anulação dos
grampos telefônicos divulgados por Moro.Em julho, o ex-presidente enviou
petição à ONU para se declarar vítima de uma perseguição judicial no
Brasil. Segundo a defesa, Lula teve seus direitos humanos violados por
Moro, ao ser transformado em uma "arma de guerra", do termo lawfare. Eleito como inimigo político, ele se diz vítima de "manipulação do sistema legal".
O Estado
ouviu advogados, investigadores e autoridades do mundo jurídico que
avaliaram que a estratégia de confronto dos defensores de Lula busca
tumultuar o processo, para reforçar o argumento de que o ex-presidente é
vítima de uma perseguição política e de manipulação do sistema
legal.Eles lembraram que a estratégia de confronto jurídico e político
com o juiz Sérgio Moro foi adotada pela defesa do Grupo Odebrecht, em
2015, no início dos processos, e dificultou nas negociações de um acordo
com a força-tarefa. A empreiteira começou na última semana a fechar o
maior delação e leniência da Lava Jato.
Provas.
Nenhum dos 11 delatores ouvidos por Moro afirmou ter entregue ou
acertado propinas diretamente com o ex-presidente Lula, nos quatro dias
de depoimento, na mais tensa série de audiências da Lava Jato, que
completa 2 anos e 8 meses,."As 11 testemunhas do Ministério Público
Federal isentaram Lula e sua esposa Marisa Letícia da prática dos crimes
imputados na denúncia", comemorou a defesa, por meio de nota."Ficou
igualmente claro o desconhecimento dessas testemunhas sobre a relação de
Lula com o triplex do Guarujá. Como sempre afirmamos, o ex-Presidente
não tem a posse e muito menos a propriedade desse imóvel."A denúncia do
Ministério Público Federal, transformada em processo, não usa o conteúdo
das revelações dos delatores para acusar o recebimento ou acerto direto
de propina pelo ex-presidente.
Os relatos das testemunhas
confirmam a tese da força-tarefa de existência de um esquema
sistematizado de corrupção na Petrobrás, com aval do Planalto,
envolvendo um cartel de empreiteiras e políticos e ex-executivos da
estatal que levantar recursos para partidos da base aliada, em especial
PT, PMDB e PP.Para procuradores, a defesa de Lula tenta tumultuar o
andamento do processo, criando confusão nas audiências com questões
secundárias ao tema do processo. A força-tarefa considera ter as provas
necessárias para condenar o ex-presidente pelo recebimento de propinas
da OAS no tríplex do Guarujá, que seria um propriedade oculta do
petista.
Na quarta-feira, 30, Moro ouvirá o última depoimento da
acusação, o pecuarista José Carlos Bumlai. Depois, começam a falar as
testemunhas chamadas pelas defesas dos réus, antes que se inicie a fase
de produção de provas. Lula e os demais acusados são interrogados na
fase final, o que acontece em 2017.
Leia a nota da defesa de Lula:
"Emerge
um quadro bastante distinto da acusação inicial do Ministério Público
Federal, após a realização das audiências na 13ª Vara Federal Criminal
de Curitiba nesta semana (21/11 a 25/11), no âmbito da ação penal que
atribui ao ex-Presidente Luiz Inacio Lula da Silva a obtenção de
vantagens indevidas a partir de três contratos celebrados entre a OAS e a
Petrobras, notadamente por meio da aquisição da propriedade de um
apartamento triplex, no Guarujá (SP).
As 11 testemunhas do MPF
isentaram Lula e sua esposa Marisa Leticia da prática dos crimes
imputados na denúncia, e, mais do que isso, revelaram que o foco de
corrupção alvo da Lava Jato está restrito a alguns agentes públicos e
privados, que atuavam de forma independente, regidos pela dinâmica de
seus próprios interesses, e alheios à Presidência da República.Quando
diretamente inquiridas, as testemunhas (Augusto Ribeiro de Mendonça
Neto, Dalton dos Santos Avancini, Eduardo Hermelino Leite, Delcidio do
Amaral, Pedro Corrêa, Paulo Roberto Costa, Nestor Cerveró, Pedro
Barusco, Alberto Youssef, Fernando Soares e Milton Paskowich) não
fizeram qualquer afirmação que pudesse confirmar a tese acusatória do
MPF que tem Lula no centro do processo de obtenção de vantagens
indevidas no âmbito da Petrobras e muito menos em relação aos três
contratos indicados na denúncia. Ficou igualmente claro o
desconhecimento dessas testemunhas sobre a relação de Lula com o triplex
do Guarujá. Como sempre afirmamos, o ex-Presidente não tem a posse e
muito menos a propriedade desse imóvel.
Os depoimentos recolocam
em outro plano os resultados obtidos pela Lava Jato. O foco de corrupção
está restrito a algumas empresas privadas, alguns dirigentes da
Petrobras e, ainda, alguns agentes políticos. Esse foco de corrupção era
hermético e atuava, fundamentalmente, dentro da variação de preço
("range") aprovada pela Diretoria de Petrobras, baseada em parâmetros
internacionais, o que lhe conferia aura de aparente normalidade.Por isso
mesmo, esse foco de corrupção não foi identificado por qualquer órgão
de controle interno (auditoria interna, Conselho Fiscal, dentre outros)
ou externo (auditoria externa, CGU, TCU) da Petrobras, como também
reconheceram algumas das testemunhas ouvidas. Concluir que Lula era o
centro desse processo, como fez o MPF, só pode ser ato de voluntarismo
maldoso, sem qualquer lastro de veracidade, o que se insere nas práticas
de lawfare - que é o uso da lei e dos procedimentos jurídicos para fins
de perseguição política.
Não havia qualquer lastro probatório
mínimo para a abertura dessa ação penal contra Lula e sua esposa, muito
menos com o alarde feito pelo MPF - que usou de um reprovável PowerPoint
em rede nacional. Nesta etapa processual, já é possível antever que o
único resultado legítimo desse processo é a absolvição de
ambos.Cristiano Zanin Martins e Roberto Teixeira"
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