Cerca de 30 milhões de
eleitores argentinos vão às urnas neste domingo na primeira eleição
presidencial em doze anos sem o sobrenome Kirchner nas cédulas de
votação.
A novidade abriu
espaço para uma série de especulações sobre o futuro político da
presidente Cristina Kirchner e o setor político que ela representa, o
kirchnerismo – braço do peronismo criado pelo marido dela, o
ex-presidente Nestor Kirchner, quando chegou à presidência, em 2003.
Viúva
desde 2010 e presidente reeleita, Cristina não pôde disputar mais um
mandato, algo proibido pela Constituição argentina. Ela escolheu como
candidato o governador de Buenos Aires, Daniel Scioli, da Frente para a
Vitória (FPV).
Segundo
pesquisas de intenção de votos, Scioli lidera a corrida presidencial,
mas há dúvidas se ele receberá votos suficientes para vencer no primeiro
turno ou se, como indicam as estimativas divulgadas, disputaria o
segundo turno, em novembro.
A disputa provavelmente seria com o prefeito de Buenos Aires, Maurício Macri, da frente oposicionista Cambiemos (Mudemos).
Para
vencer no primeiro turno, o candidato precisa contar com 40% dos votos e
uma diferença de dez pontos percentuais para o segundo colocado ou 45%
da votação. Se for realizado o segundo turno, será um fato inédito na
história da Argentina. Analistas estimam que o percentual de indecisos
pode chegar a 30%.
Nas
últimas horas antes da votação, neste fim de semana, assessores de
Scioli afirmaram que a expectativa é de que ele vencerá no primeiro
turno. Ao mesmo tempo, assessores de Macri afirmavam que contavam com
pesquisas que indicavam o segundo turno. Em respeito à lei eleitoral, as
últimas pesquisas foram divulgadas pela imprensa local oito dias antes
do pleito.
Amigos e rivais
Os dois são amigos de longa data, segundo assessores, mas divergem na política.
"A nossa convicção é a de que o kirchnerismo chega ao fim e que vamos disputar o segundo turno", disse à BBCBrasil o chefe da campanha de Macri, Marcos Peña. Segundo ele, o kirchnerismo "será apenas uma página na história argentina".
Para Macri, os argentinos querem "mudança", mesmo que ele também prometa manter algumas das iniciativas do kirchnerismo, como os planos sociais. "O kirchnerismo tentou nos convencer que não podemos viver melhor, que temos o suficiente. Mas a Argentina pode muito mais", disse o candidato na campanha.
Já os assessores de Scioli acreditam que o candidato venceria neste domingo por ser peronista, dizem, e por "garantir a governabilidade" na Argentina.
"Scioli conhece o país inteiro e os demais candidatos só estão conhecendo a Argentina por dentro agora. Scioli sabe como governar a Argentina", disse a sobrinha neta da ex-primeira-dama Evita Perón (1919-1952), Cristina Álvarez Rodríguez, que é secretária de governo na administração provincial de Scioli.
O analista Ricardo Rouvier afirmou, em entrevista a correspondentes estrangeiros no país, que o candidato é visto pelos eleitores como garantia de governabilidade.
Em suas entrevistas e discursos, Scioli tem sugerido que Cristina não interferirá em sua gestão, caso seja eleito para a Casa Rosada.
Ele tem reiterou que é "político de diálogo e que conversa com os diferentes setores da sociedade e da oposição".
Opositores costumam criticar a presidente por não dialogar com adversários e limitar suas comunicações através das cadeias nacionais de rádio e de televisão ou de suas contas nas redes sociais.
Lula e Mujica
Na reta final,
Scioli fez campanha ao lado dos ex-presidentes Luís Inácio Lula da
Silva, do Brasil, e José 'Pepe' Mujica, do Uruguai, que subiram em seu
palanque em diferentes ocasiões.
Scioli
recebeu ainda telefonemas do presidente do Equador, Rafael Correa, e da
líder chilena, Michelle Bachelet, como divulgou na semana passada. E
anunciou nomes de seus principais ministros, se for eleito. A maioria
dos nomes é ligada principalmente a ele, e não ao governo de Cristina
Kirchner.
Mas há quem diga
que ele pode "preparar o terreno" para um futuro retorno de Cristina. Em
uma declaração polêmica, a presidente da entidade de direitos humanos
Avós da Praça de Maio, Estela de Carlotto, sugeriu que Scioli ocuparia a
presidência, caso eleito, por apenas um mandato.
Em
uma campanha marcada por pouca participação popular nas ruas e intensa
nas redes sociais, Cristina apareceu várias vezes ao lado de Scioli nas
emissoras nacionais de rádio e de TV.
"Scioli
aparecia com Cristina na TV e enviava economistas de sua confiança para
conversas com o setor financeiro nos Estados Unidos. Ele é um
equilibrista", explica a analista Mariel Fornoni, da consultoria
política e econômica Management y FIT.
Na
visão do cientista político Sergio Berensztein, professor da
Universidade Torcuato di Tella, apesar dos problemas institucionais,
políticos e econômicos argentinos, o candidato governista lidera as
pesquisas porque "não ocorreram catástrofes ou um caos institucional
como na Venezuela" e Cristina deverá passar a faixa presidencial em
dezembro "sem crises".
Fornoni,
por sua vez, afirma que as pesquisas indicam que os argentinos creem
ter uma vida com bem-estar, apesar dos índices de inflação. Esse
conjunto de percepção ajudaria mais a Scioli do que a Macri, em sua
visão.
"Mas a eleição está
aberta e com este alto índice de indecisos (cerca de 30%) nada está
definido até que seja contado o último voto", diz a analista.
Para
ela, se Scioli tiver ampla vantagem, neste domingo, a eleição "estará
resolvida" mas o quadro seria diferente se ele tiver uma vitória
apertada. A oposição já afirmou que,caso isso aconteça, "acusará a
hipótese de fraude".
Na
Argentina, o voto é de papel e a contagem, manual. A Câmara Eleitoral
informou que o resultado preliminar deverá sair na noite deste domingo
ou na madrugada de segunda-feira.
A
expectativa é de que o resultado final sairá dias depois, mas se a
diferença entre os candidatos não for apertada, o resultado de domingo
já poderia ser considerado pelos derrotados.
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