BRASÍLIA — No momento em que o governo enfrenta um rombo nas contas
públicas e a estimativa de o déficit primário ultrapassar a meta fiscal
fixada para este ano, o presidente Michel Temer concentrou, só nas duas
últimas semanas, o anúncio de programas e liberações de verbas que
chegam a R$ 15,3 bilhões para estados e municípios, num aceno a
parlamentares da base aliada. A concentração desse pacote de bondades
aconteceu em uma semana decisiva para selar o futuro de Temer na
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.
O esforço
concentrado deu certo: Temer virou um jogo que parecia perdido e saiu
vitorioso com a rejeição ao parecer que recomendava a continuidade das
investigações contra ele, e a aprovação de um outro relatório, do
deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), pelo arquivamento da denúncia. A
batalha final está marcada para 2 de agosto, no plenário da Câmara.
Além
de programas novos, o governo acelerou o empenho das emendas
parlamentares de deputados federais. Levantamento da Rede mostrou que,
nos últimos 15 dias, foi empenhado um total de R$ 1,9 bilhão, valor
próximo ao que havia sido processado desde o começo do ano até 6 de
junho, que foi R$ 1,8 bilhão.
Em maio, segundo o mapeamento da
Rede, foram R$ 89,4 milhões; em junho, R$ 1,8 bilhão, justamente no mês
em que a situação política de Temer se agravou.
— As emendas hoje
são impositivas. O governo tem o dever de liberá-las — defendeu-se o
chefe da Casa Civil, ministro Eliseu Padilha.
Na última
quarta-feira, o presidente Temer anunciou a quantia de R$ 11,7 bilhões
em linhas de crédito para obras de infraestrutura como iluminação
pública, saneamento e gestão de resíduos sólidos. Já na quinta-feira,
decidiu realocar R$ 1,7 bilhão em recursos para a Saúde, destinados para
compra de ambulâncias e gastos na atenção básica em 1.787 municípios.
Antes, na terça-feira, anunciara R$ 103 bilhões de recursos do Banco do
Brasil para o Plano Safra 2017/2018, que já havia sido lançado
oficialmente no início do mês, com o valor de R$ 190 bilhões.
O
PSOL apresentará nos próximos dias uma representação ao Ministério
Público por corrupção ativa, desvio de finalidade e obstrução à Justiça.
O partido mapeia o volume de liberação de emendas recebidas pelos
deputados que votaram a favor do governo para traçar uma relação direta
entre o favorecimento e o voto.
— Não é normal o deputado receber
verba para votar a favor do governo. É o fisiologismo no poder — acusa
Chico Alencar (PSOL-RJ).
Os aliados do governo, no entanto, veem
com naturalidade essa operação. O líder do DEM, deputado Efraim Filho
(PB), diz que é papel do parlamentar levar investimentos para sua cidade
por meio de emendas.
— O governo está investindo nos municípios,
não está dando dinheiro na mão dos deputados. O parlamentar que leva
investimento para sua cidade está cumprindo o papel dele. Feio era o que
o PT fazia no mensalão, que trocava dinheiro por voto — comparou.
Segundo
levantamento feito pelo GLOBO, de janeiro a junho deste ano, Temer
anunciou investimentos de aproximadamente R$ 96 bilhões. Só em dois
dias, o presidente liberou quase um sexto do valor total dos últimos
meses, sem considerar os R$ 190 bilhões do Plano Safra, cuja liberação é
obrigatória.
O levantamento levou em consideração apenas verbas
específicas anunciadas em cerimônias. Houve outros anúncios de
investimentos nesse período, sem valor estimado, que não foram
contabilizados pela reportagem.
Confrontado com a possibilidade de
ser afastado do cargo, Temer sancionou uma Medida Provisória (MP) que
altera a legislação da reforma agrária e que, segundo ambientalistas,
pode facilitar a grilagem em áreas da Amazônia. A MP poderia ser
sancionada até a próxima terça-feira, mas a sanção foi antecipada para o
início dessa semana, antes da votação da CCJ.
Nos últimos dias,
ministros e presidentes de estatais se revezaram no púlpito montado no
Palácio para rasgar elogios ao presidente, denunciado por corrupção
passiva e investigado no Supremo Tribunal Federal também por organização
criminosa e obstrução à Justiça. Na quarta-feira, a cerimônia que
liberou R$ 11,7 bilhões para infraestrutura teve nada menos do que dez
discursos, todos enaltecendo a gestão Temer. No dia seguinte, em outro
evento de agenda positiva, no qual anunciou R$ 1,7 bilhão para a Saúde, o
ministro da pasta, Ricardo Barros, fez a mesura:
— Por ter optado pelo reconhecimento e não pela popularidade, o Brasil vai lhe agradecer.
A
apresentação de Barros, com 70 telas, homenageava Temer diretamente, em
trechos como “Medida Provisória do presidente Temer permitiu adequar
oferta da penicilina no combate à sífilis”, “Presidente Michel Temer
anunciou renovação da frota do Samu para todo o país” e “Presidente da
República comandou pessoalmente lançamento da campanha Sexta Sem
Mosquito”. Temer devolveu os elogios: chamou o ministro de “médico
honorário e prefeito honorário”, além de ter dito que seu sonho é zerar
filas de hospitais até o ano que vem.
O próprio presidente caprichou nos autoelogios.
—
Tudo isso é feito em 14 meses de governo. É um trabalho que demandaria
quatro anos, oito anos. Estamos fazendo oito anos em 14 meses —
declarou, na cerimônia com Barros, parafraseando o ex-presidente
Juscelino Kubitschek, que tinha como mote de governo “50 anos em cinco
(1956 a 1961)”.
Temer ressaltou que foi chamado de “muito corajoso” por parlamentares.
—
De vez em quanto os colegas do Parlamento dizem: “Você é muito
corajoso, porque enfrentou questões como a reforma trabalhista, do
Ensino Médio, questões de Saúde, que outros tantos não foram capazes de
enfrentar” E penso o seguinte: mais do que coragem, nós tivemos ousadia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário