Por que o PSDB apoiou em peso a redução da maioridade penal na Câmara?
A bancada do PSDB na Câmara apoiou em peso a proposta e foi fundamental para a aprovação, que passou com margem de 15 votos – foram a favor da mudança 49 dos 52 tucanos presentes na sessão (são 53 no total). Entre os que votaram "sim", estava Bruno Covas, neto do ex-governador paulista.
Segundo ele, hoje os jovens de 16 e 17 anos têm condições de saber o que é "certo e errado" e responder por seus atos. "O mundo mudou. Quando o partido foi criado, em 1988, ainda existia muro de Berlim. O muro caiu, você tem a globalização, internet, as redes sociais, uma outra juventude, com mais acesso à informação", disse à BBC Brasil.
"Nesse momento, votamos ao lado de 90% da população. Em outros momentos, pensando no futuro do país, o partido apoiou medidas impopulares, mas necessárias", acrescentou.
Histórico
O resultado indica como o partido, nascido da vertente mais progressista do PMDB ao final da ditadura militar, pode ter caminhado nos últimos anos para o espectro mais à direita da política brasileira.Figura mais importante da história do partido, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sempre se opôs à medida e voltou a criticá-la em abril deste ano em entrevista ao jornal O Globo.
Durante a administração dele, de 1995 a 2002, o governo federal se opôs à redução da maioridade penal. Ao comentar o assunto na Folha de S. Paulo, em dezembro de 2001, FHC afirmou: "Não podemos, por causa da violência, nos envolver pela insensatez e buscarmos bodes expiatórios. Esse seria o caminho mais fácil. Daria uma sensação de que a sociedade estaria sendo dura, quando, na verdade, seria um simples escapismo".
Na época, o Ministro da Justiça era o atual senador Aloysio Nunes, que hoje defende a redução da maioridade, embora em termos mais brandos do que o texto aprovado pela Câmara. A proposta dele é de que a idade penal seja reduzida para crimes graves, mas não seria automática – em cada caso, o promotor e o juiz avaliariam se o acusado deveria ou não ser julgado como adulto, a depender da sua periculosidade e do grau de consciência sobre seus atos.
Para José Gregori, que antecedeu Aloysio Nunes no Ministério da Justiça no governo FHC e foi também ministro dos Direitos Humanos, a posição da atual bancada do partido na Câmara foi "sem dúvida, um afastamento da posição histórica do PSDB". Na opinião dele, o papel dos políticos que fundaram o partido em 1988 foi importante para que a maioridade penal fosse fixada em 18 anos na Constituição Federal.
"É possível que, historicamente, essa fixação da idade tenha sido uma conquista nossa, muito mais da corrente do PSDB (quando ainda fazia parte do PMDB). Todos que são do PSDB, que defendem direitos humanos há muitos anos, defendem essa posição. Todos os Ministros da Justiça (do governo tucano) foram contra a redução da maioridade, o presidente Fernando Henrique sempre foi contra. Quando o Aloysio era ministro, ele era contra", afirmou.
Aloysio Nunes, porém, contesta essa visão, argumentando que nunca houve um posicionamento oficial, cristalizado no programa do partido. "Eu não me lembro disso, sinceramente. Não é uma posição histórica do PSDB. Essa é uma matéria controvertida. Tem gente que é a favor, tem gente que é contra", afirmou à BBC Brasil.
"Gregori pode ter a opinião dele. Naquela época, eu nem sei o que eu pensava a respeito. Era um assunto que não estava na ordem do dia, na agenda do Congresso. Não havia uma posição do governo sobre isso."
Por que mudou?
Com todo esse histórico, o que levou os deputados do PSDB a votarem em peso a favor da redução da maioridade?
Para
o cientista político da USP José Álvaro Moisés, os tucanos entraram na
discussão "sem maior cuidado, sem um debate mais crítico", com objetivo
de impor uma derrota ao governo petista.
"Talvez
com o objetivo de derrotar o governo, porque o governo Dilma e o PT são
contra a redução, o PSDB se associou com o presidente da Câmara,
Eduardo Cunha, e com o PMDB e aprovou a redução da maioridade. Eu
considero isso um equívoco total", disse.
Gregori,
por sua vez, acredita que o partido se deixou influenciar pela opinião
pública. Na avaliação dele, hoje há muito mais informação sobre crimes,
devido ao avanço da democracia e da liberdade de expressão.
"Eu
acho que ela (a bancada tucana) embarcou na questão da pressão social.
Quer dizer, não estudou com profundidade a questão", afirmou o
ex-ministro de FHC.
Leia mais: Menores ex-internos relatam experiências e opinam sobre redução da maioridade penal
A
visão, no entanto, é rechaçada por membros da bancada. Deputado federal
mais votado de Goiás, o delegado Waldir personifica o lado mais
conservador do PSDB de hoje. Ele é um dos maiores entusiastas da redução
da maioridade.
"É uma bancada (de
deputados) diferente, é uma bancada conservadora. Mas as bancadas se
renovam. A bancada da época do FHC era uma, essa bancada foi eleita com o
Aécio Neves (na campanha de 2014, quando disputou a presidência com
Dilma), que defendia a redução da maioridade penal", observa Waldir.
"O
PSDB, ao longo da sua história, foi muito criticado por ficar em cima
do muro, por não ter posições populares, com o povo. Com essa mudança
agora, nós estamos ao lado do povo", acrescentou o deputado goiano.
Entre
políticos, há uma leitura de que, hoje, o PSDB da Câmara está à direita
do PSDB do Senado. Por esta razão, acredita-se que será mais difícil
ver aprovada a redução da maioridade penal pelos senadores – para uma
Proposta de Emenda à Constituição passar no Congresso, é preciso que ela
seja aprovada, sem qualquer alteração de texto, por 60% da Câmara e do
Senado, em duas votações em cada casa.
As
lideranças mais antigas do PSDB, como o senador José Serra, o
governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o ex-presidente FHC vêm
defendendo a reforma do Estatuto da Criança e do Adolescente, com
objetivo de elevar o tempo máximo de internação dos jovens e ampliar a
pena de adultos que cooptarem menores para o crime. A proposta ganhou
apoio do governo Dilma Rousseff, como alternativa à redução da
maioridade.
"Tenho
informações de que no Senado não passa (a redução da maioridade)",
afirma Betinho Gomes, um dos três deputados federais tucanos que votaram
contra a proposta aprovada na Câmara.
"O
debate com a bancada foi fraterno. Mas fui atacado de toda forma no
Twitter e no Facebook por causa do meu voto. O elogio mais generoso que
recebi foi de assassino", relatou.
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