Entenda também como o inconsciente compreende o fim
da vida
Por: Thaís Khoury
A morte é um dos temas mais controversos para nós,
seres humanos. O Ego (núcleo da consciência) é fortemente munido de ferramentas
de controle e organização da realidade. Tal fato é importante e até mesmo
positivo. Entretanto, quando ele se depara com a morte, a falta de garantias e
certezas desestabilizam o ego e dessa maneira somos forçados a buscar algum
sentido, alguma referência que balize nossa ansiedade e medo.
Seja pela arte, pela música e principalmente nos
rituais, o ser humano expressa criativamente sua angústia sobre o mistério da
vida e cria soluções simbólicas e emocionais a fim de criar referências que o
confortem de forma mais ou menos duradoura. Por essa razão, as religiões têm
tantos seguidores e cada vez mais novas religiões se constituem e se adaptam ao
mundo atual, mas falaremos disso mais adiante.
O misterioso e incontrolável fato da vida - ou
seja, o seu fim - é aterrorizante para uns e motivo de alívio para outros. Sim,
porque a morte é um fato da vida. Isto é, nós a conhecemos e sabemos de sua
inevitável existência, ainda que não a tenhamos experimentado de forma objetiva
e concreta. E por mais que busquemos conhecer, nossas ideias sobre o assunto
sempre serão muito individuais e singulares, mesmo quando são modeladas por
alguma religião.
Morte e a finitude do corpo
A morte evoca todas as incertezas em nós e, no
entanto, é a única certeza inalterável em nossa existência. A morte é
pré-acordada no contrato da vida, no instante em que nascemos. Sabemos que
nossos corpos não serão eternos por mais que a tecnologia se esforce para
prolongar a qualidade de vida e a própria vida.
Nosso ego está profundamente identificado com a
nossa própria corporeidade, ou seja, a maneira pela qual o cérebro reconhece e
utiliza o corpo como instrumento relacional com o mundo. Enquanto vivos, usamos
como referência nossos sentidos e como nos apresentamos ao mundo. Deste ângulo,
morrer pode ser muito angustiante. Afinal, como ficará nosso corpo tão bem
cultivado e preservado em vida? E a concretude com a qual nos identificamos e
tudo a nossa volta? Nesse sentido, crer em algo pode ser muitíssimo positivo. O
próprio ritual do velório, do enterro ou da cremação são benéficos, pois
permitem que haja um marco transitório que delimita nossa vivência com um
pessoa e nossa iminente vivência sem ela. É o último adeus ao corpo.
Afinal, o que fazemos com nosso corpo ao longo de
nossas vidas? O quanto sentimos a vida pelo corpo que tanto tememos perder?
Nota-se, hoje em dia, que as pessoas andam adormecidas, anestesiadas, distantes
de tudo o que faz seus corpos e suas almas vibrarem. É difícil compreender como
a sociedade ocidental, principalmente, teme tanto a morte, quando na realidade
não percebe a falta de sentido na própria vida."É difícil
compreender como a sociedade ocidental, principalmente, teme tanto a morte,
quando na realidade não percebe a falta de sentido na própria vida."
Podemos não saber tanto sobre a morte ou o que
ocorre após a vida, mas sabemos que, no mínimo, ela deveria servir para dar
significado a cada um de nossos dias.
Sonhos com morte e seus possíveis
significados
A cada grande experiência - não necessariamente
concreta, mas principalmente emocional - o ser humano renova sua existência e o
sentido que atribui a ela. Mas também é confrontado pela finitude de ciclos, de
atitudes e, no caso da morte, a finitude do corpo.
Como sabiamente explica Jung, os símbolos
relacionados ao processo de individuação (autoconhecimento) podem ser símbolos
de morte. Ou seja, os sonhos que trazem símbolos ou conteúdos relacionados à
morte, mas que se referem a mudanças profundas na vida do sonhador, não indicam
morte concreta. Sonhos de morte podem aparecer em inúmeras circunstâncias da
vida, que são marcadas por profundas transformações, como:
- 1As transições de fases do desenvolvimento humano (infância, adolescência, maioridade e velhice)
- 2O casamento e o nascimento de filhos
- 3Uma separação conjugal
- 4A experiência do aborto ou uma cirurgia muito invasiva
- 5O término de um namoro
- 6A perda de um ente querido ou de um animalzinho de estimação
- 7Um assalto
- 8Uma experiência de abuso
- 9Cada escolha significativa e relevante para nosso desenvolvimento, já que quando optamos por algo, em geral, estamos abdicando de alguma outra possibilidade
Essa compreensão é muito importante, pois ajuda a
distinguir quando um sonho de morte tem ligação com a vida, e quando o sonho
realmente sugere uma morte concreta. Para isso, devemos cautelosamente atentar
à totalidade do sonhador e da realidade que ele vivencia.
Há sonhos, porém, que realmente parecem preparar o
sonhador para a morte. Estudos importantes realizados por meio da análise de
sonhos de pacientes terminais ou muito idosos revelaram que do inconsciente
emergem símbolos que preparam o sonhador para o processo de morte, e também
abundam em símbolos míticos que mostram claramente ao sonhador a continuidade
da consciência no pós-morte.
Alguns exemplos de símbolos
coletados nos sonhos de pacientes terminais
Relógios que param, árvores que tombam, plantações
pisoteadas, algum animal enterrado, e até alguns mais óbvios como a passagem
por túneis escuros e estreitos, o sonhador vendo-se saudável ao lado do corpo
doente na cama de um hospital, dentre inúmeros outros.
É como se o inconsciente compreendesse e
expressasse por meio dos sonhos que, assim como as grandes transformações
vividas nessa existência, a morte é mais um momento de profunda transformação
dentro do processo de desenvolvimento da consciência. O inconsciente abriga
essa experiência humana: a possível continuidade da vida psíquica.
Não é possível deixar de atentar, ainda que não em
detalhes, para a crença religiosa do sonhador, a fim de compreender um sonho de
morte. As diversas religiões tratam da morte sob diferentes enfoques e partindo
de diversas premissas, muitas vezes até opostas entre si, como as crenças que
aceitam a reencarnação e as crenças que aceitam o processo de ressurreição e
vida eterna no pós-morte. O papel social das religiões sempre foi tecer uma
linha de sentido para a morte, mas nem sempre esse caminho foi suficiente ou
satisfatório.
Há muita morte acontecendo ao nosso redor. O grande
problema é que nunca fomos ensinados a falar sobre morte, a pensar e usar a
morte certa como sentido da vida."Há muita morte acontecendo ao nosso
redor. O grande problema é que nunca fomos ensinados a falar sobre morte, a
pensar e usar a morte certa como sentido da vida."
Aprendemos a temer a morte, a nos apegarmos ao
nosso corpo que, muitas vezes, é dirigido por convenções sociais que nem fazem
tanto sentido assim para nós.
Obviamente que pessoas mais jovens morrem e existem
sonhos que podem preocupar um analista. Vivenciamos a morte subjetivamente e,
de fato, aspectos em nós, assim como planos e ideias morrem cotidianamente, mas
em algumas circunstâncias há que se ter atenção. Muitas vezes, os sonhos de
morte - sejam da nossa própria morte ou de outras pessoas - são acompanhados de
símbolos religiosos importantes que irão variar, na maior parte dos casos, de
acordo com a crença do sonhador. E isso torna o sonho novamente muito singular,
e precisa necessariamente ser contextualizado.
Sendo assim, se você teve um sonho com morte, é
importante atentar para todos esses detalhes e buscar contextualizá-los com a
sua realidade. Nesse sentido, a consulta com um psicólogo especializado em interpretação de
sonhos pode
ajudá-lo a compreender de forma mais profunda as mensagens que seu inconsciente
está enviando.
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