O governo da presidente Dilma Rousseff fez sua segunda revisão para o resultado das contas públicas deste ano.
Em
janeiro, previa economizar 1,1% do PIB (Produto Interno Bruto), ou R$
66,3 bilhões, para pagar os juros da dívida pública. Em julho, a meta
mudou para 0,15% do PIB, ou R$ 8,7 bilhões, já causando alvoroço nos
mercados financeiros.
A nova
revisão deve deve fazer ainda mais barulho: segundo a proposta
encaminhada ao Congresso, o governo não só já está prevendo que não vai
economizar nada, como ainda vai gastar mais do que conseguiu arrecadar
em 2015, gerando o que é conhecido no jargão econômico como "déficit
primário".
A nova previsão é
de que as despesas ultrapassem as receitas da União em 0,8% do PIB, ou
R$ 51,8 bilhões, segundo a minuta dessa proposta, divulgada pelo
Ministério do Planejamento nesta terça-feira.
O
deputado federal Hugo Leal (Pros-RJ), relator do projeto de lei para o
Orçamento de 2015, diz que a previsão não contabiliza os repasses que o
governo ainda precisa fazer a bancos públicos. Também pode mudar se
houver problemas com o leilão das hidrelétricas, adiado recentemente
para o fim de novembro e com o qual o governo pretende arrecadar R$ 11
bilhões.
Segundo a equipe
econômica, suas previsões tiveram de ser revistas porque, em função da
desaceleração econômica, o governo deve arrecadar neste ano menos em
impostos do que estimava.
Mas,
afinal, por que isso importa? E o que significa para o Brasil fechar
2015 no vermelho? Especialistas consultados pela BBC Brasil explicam
essas questões em três pontos:
1. Aumento da dívida pública
Uma pessoa que gastou mais do que ganhou em um certo mês pode cobrir o rombo em suas contas pedindo um empréstimo.
Suponhamos
que essa pessoa já esteja endividada - então precisa de dinheiro
emprestado não só para fechar as contas do mês, mas também para pagar as
parcelas dessa dívida antiga, que no mês seguinte será ainda maior em
função do novo empréstimo.
Em uma situação de déficit primário é mais ou menos isso o que acontece com o governo.
"Os
recursos para fechar as contas e pagar os juros da dívida são obtidos
emitindo mais títulos públicos", explica Marcio Salvato, coordenador do
curso de Economia do Ibmec-MG. Ou seja, o governo emite mais dívida.
"O
problema é que essa emissão tende a aumentar ainda mais a dívida
pública, que já cresceu de 55% para 65% do PIB em 2014. E isso
impulsiona as suspeitas sobre a capacidade do Brasil pagar o que deve,
levando ao aumento dos juros cobrados sobre a dívida."
A
perda do grau de investimento - uma espécie de "selo de bom pagador"
emitido por agências de classificação de risco - é um reflexo dessas
suspeitas. A agência Standard & Poor's rebaixou em setembro a nota
de crédito brasileira de BBB- para BB+, considerado grau especulativo.
Pelas
classificações de outras duas agências, a Fitch e a Moody's, o Brasil
está a apenas um degrau de perder esse grau de investimento e, segundo
analistas, a trajetória da dívida será "decisiva" para essa definição,
que pode reduzir - e encarecer - o crédito (ou seja, o dinheiro
disponível para empréstimos) ao país e às empresas aqui sediadas.
2. Armadilha da conta de juros
Para
André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos, embora a
queda na arrecadação deva fazer um "barulho" nos mercados, o que mais
preocupa na atual situação fiscal brasileira é os custos relacionados à
dívida e às despesas financeiras do governo, que também vêm crescendo.
Ou
seja, o governo precisa ganhar mais do que gasta para pagar os juros da
dívida e outras despesas financeiras, mas o problema é que não só está
arrecadando menos como essa conta de juros está crescendo de forma
acelerada.
"De janeiro a
agosto já tivemos um aumento de cerca de 100% na conta de juros, que
chegou a um total de R$ 338 bilhões", diz Perfeito.
A alta, segundo o economista da Gradual, ocorreu em função de três fatores.
Primeiro,
a elevação da taxa básica de juros - ou Selic - que hoje é de 14,25%.
Para se ter uma ideia, há dois anos essa taxa era de 8,5%.
O segundo fator seria a alta da inflação, já que alguns títulos do governo também são corrigidos por esse índice.
Além disso, os compromissos financeiros do governo também teriam crescido em função de uma série de leilões de contratos de swap cambial - instrumentos que equivalem à venda futura de dólares e que teriam custado mais de R$ 70 bilhões neste ano.
"O
governo começou a fazer esses contratos, nos quais se compromete a
vender dólar a um determinado valor, para ajudar as empresas endividadas
em moeda americana a se protegerem. Mas como o dólar subiu muito,
acabou no prejuízo", afirma Perfeito.
Salvato acrescenta o próprio crescimento da dívida como um quarto fator que também impulsiona a conta dos juros.
E
um problema adicional, segundo analistas, é que se o déficit primário
faz a dívida crescer e aumenta as suspeitas sobre a capacidade de o
Brasil pagar o que deve, também faz com que seja mais difícil reduzir os
juros.
"Isso porque os
investidores pedem uma remuneração maior para assumir o risco de
emprestar para o Brasil", diz Fábio Klein, economista da consultoria
Tendências.
O resultado seria
um ciclo vicioso em que o governo não consegue pagar a conta de juros
porque ela é muito alta e, ao mesmo tempo, porque o governo não consegue
pagar, os juros não cedem e a conta continua aumentando.
3. Ajuste fiscal
Quando
o governo estabelece uma meta fiscal e a cumpre, sinaliza que as contas
públicas estão sob controle e a economia está caminhando na direção
prevista.
O anúncio da meta também tem como objetivo dar previsibilidade a investidores e agentes econômicos.
A
primeira revisão da meta em julho já enfureceu os mercados. A
expectativa dos analistas era que a nova meta fosse de 0,4% ou 0,5% do
PIB. Quando foi anunciado que seria 0,15%, o dólar disparou, a bolsa
caiu e aumentaram as apostas de que os juros deveriam continuar subindo.
No
corte drástico, porém, a equipe econômica justificou que seria
preferível uma meta menor, mas "realista". A nova revisão pode pôr em
xeque esse suposto "realismo" e o próprio ajuste fiscal.
Para
alguns economistas e analistas do mercado, a mudança representa um
afrouxamento do compromisso com o ajuste e a recuperação das contas
públicas. Na visão desse grupo, o governo deve cortar mais gastos e
aumentar os impostos para se mostrar "comprometido" com o equilíbrio das
contas.
Já economistas
heterodoxos tendem a ver a queda na arrecadação como um sinal de que as
medidas recessivas que já vêm sendo adotadas pelo governo não estão
funcionando, ou são duras demais. Para eles, o ajuste fiscal e o aperto
da política monetária estariam acabando com o "dinamismo" da economia.
Ambos
tendem a concordar, porém, com a necessidade de medidas estruturais,
como uma mudança nas regras da Previdência, para colocar as contas
públicas em uma trajetória mais sustentável no longo prazo.
"Medidas
estruturais que mostrem o compromisso em reduzir o déficit e controlar
as contas públicas no longo prazo poderiam reverter um pouco a
frustração com esses resultados de curto prazo", diz Klein. "O problema é
que no atual cenário político seria difícil o governo conseguir uma
base de apoio para tirar essas medidas do papel."
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