O processo por quebra de decoro
parlamentar contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foi
aberto no Conselho de Ética e terá como relator o deputado Fausto
Pinato (PRB-SP). O nome foi anunciado nesta quinta-feira (05/11) pelo
presidente do conselho, José Carlos Araújo (PSD-BA).
Cunha
é acusado de ter mentido em depoimento à CPI da Petrobras em março,
quando disse que não tinha contas não declaradas no exterior. No
entanto, documentos na Suíça comprovam a existência de pelo menos quatro
contas bancárias ligadas a ele.
O
pedido de cassação de Cunha foi feito há três semanas pelo PSol e pela
Rede, com assinatura de cerca de 50 parlamentares de sete partidos. Além
da cassação, o processo pode resultar em arquivamento ou na
determinação de outros tipos de penas, como a suspensão do mandato por
um período de tempo.
A
representação foi lida no plenário do Conselho de Ética na terça-feira
(03/11), marcando o início formal do processo. Na ocasião, também foram
sorteados os nomes de três deputados entre os membros do conselho – um
deles seria o relator. Além de Pinato, escolhido por Araújo, fizeram
parte da lista os deputados Zé Geraldo (PT-PA) e Vinicius Gurgel
(PR-AP).
Quem é o relator?
Fausto
Pinato é estreante na Câmara. Em 2014, foi o menos votado entre os
deputados federais eleitos em São Paulo, com 22 mil votos, mas foi
puxado pelo campeão do estado, Celso Russomanno (PRB) – que, por acaso,
também é primeiro colocado nas pesquisas de intenção de voto para a
prefeitura da capital paulista no ano que vem.
No
Conselho de Ética, o deputado do PRB é 2º vice-presidente e, nas
páginas em redes sociais, se diz "defensor da transparência". Sua ficha,
no entanto, não é das mais limpas.
Em
2014, Pinato teve sua candidatura apoiada por um ex-líder da Telexfree,
polêmica empresa de pirâmide financeira que prejudicou milhares de
brasileiros. Além disso, o parlamentar responde a uma ação penal no
Supremo Tribunal Federal (STF) pelos crimes de falso testemunho e
denunciação caluniosa.
Além
de Pinato ser de um partido aliado a Cunha na Casa, pesam os fatos de o
paulista, natural de Fernandópolis, ser evangélico como o peemedebista e
de tê-lo defendido na disputa pela presidência da Câmara dos Deputados.
Mesmo assim, a chance de um arquivamento do processo é pequena.
Para
Wagner de Melo Romão, professor do departamento de ciência política da
Unicamp, é justamente o pouco tempo de Casa do relator que conta. "A
maior oportunidade da carreira dele é essa relatoria", afirma o
especialista. "Se Pinato tem o mínimo de faro político, vai usar essa
oportunidade em seu benefício e, assim, dar alguma resposta à opinião
pública."
Trâmites do processo
Pinato
tem agora dez dias para apresentar um parecer preliminar, dizendo se
recomenda ou não a continuidade da representação contra Cunha. Sendo o
parecer positivo e aprovado pelos membros do Conselho de Ética, o
acusado tem dez dias para apresentar sua defesa.
Em
seguida, começa a fase das investigações. Após analisar os documentos e
ouvir as testemunhas, o relator deve entregar um relatório final –
recomendando o arquivamento ou uma punição à Cunha –, que também será
votado pelo conselho.
Aprovado,
o processo segue para votação na Câmara. Para toda essa tramitação no
conselho, o Código de Ética prevê um prazo de 90 dias úteis. Com isso, o
processo contra Cunha deve chegar ao plenário da Casa somente no ano
que vem.
Se o parecer final
do conselho for pela cassação, a votação na Câmara precisa atingir a
maioria absoluta, ou seja, 257 deputados. Caso seja pelo arquivamento do
processo, é necessário apenas a maioria simples (metade dos presentes
mais um).
A cassação de Cunha
Não
cabe ao Conselho de Ética julgar se o deputado é culpado ou não da
acusação de manter contas no exterior – para investigar as suspeitas, o
STF já autorizou a abertura de um inquérito. O pedido de cassação feito
pelo PSol e pela Rede tem como justificativa apenas a quebra de decoro
parlamentar.
Em outubro, a
Suíça informou ao Brasil o bloqueio de contas bancárias ligadas ao
presidente da Câmara – o montante seria o equivalente a 9 milhões de
reais. Em março, porém, durante depoimento espontâneo à CPI da
Petrobras, o deputado havia dito que não mantinha contas no exterior.
Nesta
terça-feira, ao ser questionado sobre a instauração do processo, o
deputado afirmou que "nem sequer leu a representação" contra ele, mas
garantiu que vai "provar que não faltou com a verdade".
Para
o cientista político Wagner Romão, Cunha ainda pode se salvar da
cassação. "No Conselho de Ética, e mesmo se a votação for a plenário,
ele pode reagrupar suas forças e buscar uma absolvição. Ele não vai
deixar de tentar se defender", afirma o especialista, em entrevista à DW
Brasil.
Segundo Romão, a
força política de Cunha se deve tanto por ele ter exercido um papel
importante no financiamento de campanha de vários deputados, como por
sua atuação como presidente da Câmara. "Ele tem dado um protagonismo
político à Casa que não era visto nos tempos recentes", afirma o
professor.
"Cunha tem
entregado o que prometeu aos deputados durante a campanha à presidência:
uma Câmara que não fosse ligada apenas aos interesses do governo ou da
base aliada, mas também da oposição e dos partidos pequenos, por
exemplo", completa.
Além da
representação no Conselho de Ética, o deputado é alvo de uma denúncia da
Procuradoria Geral da República, que o acusa de corrupção passiva e
lavagem de dinheiro no esquema de desvios na Petrobras, investigado pela
Operação Lava Jato.
O que se pode esperar?
Desde
a criação do Conselho de Ética, em 2001, apenas seis deputados tiveram o
mandato cassado, das quase 130 representações apresentadas. Do
restante, a larga maioria foi arquivada.
Segundo
Romão, "não há dúvida que Cunha tenha uma base de apoio muito forte
dentro da Câmara". "No entanto, quando o caso chega ao conselho com essa
contundência de provas e com essa repercussão na mídia, é muito difícil
que seja simplesmente engavetado", diz ele.
Ele
acredita que o relator vai pedir a procedência de denúncia e que vai
haver, sim, um processo de avaliação sobre o caso. "É muito provável que
haja o reconhecimento de que houve uma falha, uma culpa, um deslize
ético de Cunha. Pelo menos a plenário o caso deve ir", afirma Romão.
Em
sua primeira entrevista como relator, Pinato afirmou que ainda não tem
conhecimento formado sobre o processo, mas que, diante do noticiado pela
imprensa, existe "uma grande possibilidade" de que aceite a denúncia.
"A
partir de agora, toda e qualquer decisão é minha responsabiliade. Meu
partido me deixou à vontade, recomendando apenas que eu dê uma resposta
justa e correta ao nosso país", disse.
Autor: Érika Kokay
Edição: Rafael Plaisant
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