Diante da chance cada vez mais
clara de derrota no próximo domingo, quando o plenário da Câmara dos
Deputados vai votar a denúncia por crime de responsabilidade contra a
presidente Dilma Rousseff, o advogado-geral da União (AGU) José Eduardo
Cardozo recorreu nesta quinta-feira ao Supremo Tribunal Federal (STF)
com pedido para que seja anulado o processo de impeachment contra a
petista. Segundo o governo, os atos do processo de denúncia contêm
"vícios que impedem a sua continuidade". Ontem, Cardozo já havia
rebatido a tese de que judicializar o processo de impeachment seria
tentar vencer o processo "no tapetão".
"O
dia em que o Judiciário for entendido como um tapetão nós rasgamos de
vez o Estado de Direito no Brasil. A Constituição é clara: nenhuma lesão
de direito pode ficar afastada de apreciação do Poder Judiciário. Se um
cidadão comum, se qualquer pessoa ou um presidente da República tem uma
lesão, vamos ao Judiciário. Isso sinceramente não é tapetão", afirmou
na ocasião. O relator do recurso do governo para anular o impeachment é o
ministro Edson Fachin.
No
mandado de segurança apresentado hoje ao STF, o governo se apega a
argumentos procedimentais e alega que "diversos atos praticados pela
Câmara dos Deputados revelaram frontais agressões às garantias devidas
aos acusados em qualquer âmbito de apuração, (...) causando concretos e
inaceitáveis prejuízos à participação e defesa da impetrante". Cardozo
tentou justificar mais uma fase de judicialização do pedido de
impeachment e alegou que cabe à justiça intervir em caso de
irregularidades na "tramitação do processo". Ele sinalizou que em outra
fase a AGU pode voltar a recorrer ao Supremo para discutir efetivamente a
suposta falta de justa causa para se afastar a presidente. "Esta ação
está sendo proposta neste momento e tem um objetivo muito claro:
discutir aquilo que julgamos inválido na tramitação do processo. Não
quer dizer que não iremos discutir no futuro, indagando da falta de
justa causa. Nesta ação não estamos discutindo desvio de poder, nem
justa causa para o impeachment", disse.
Segundo
a AGU, houve "evidentes violações" praticadas pela comissão especial do
impeachment, que na última segunda-feira aprovou o parecer do relator
Jovair Arantes (PTB-GO) pela admissibilidade do processo de deposição de
Dilma. Entre as supostas violações, a advocacia-geral alegou que os
debates antes da apreciação do texto de Arantes trouxeram à tona
"diversos argumentos de índole política" e extrapolaram a denúncia
propriamente dita, com a citação, por exemplo, de depoimentos de delação
premiada do ex-líder do governo Delcídio do Amaral (ex-PT-MS). "Foram
indicadas, no parecer elaborado pelo relator da Comissão Especial,
diversas imputações e considerações de cunho persuasivo, totalmente
desconectadas do teor da denúncia, em flagrante e inconstitucional
ampliação do espectro das imputações das quais foi a ora impetrante
intimada para se defender, o que redunda na construção de um processo em
que se inviabiliza a construção de uma defesa substancialmente
adequada", diz a AGU.
"A
ampliação do objeto fere de morte esse processo", declarou o ministro.
Segundo ele, como a denúncia recebida pelo presidente da Câmara Eduardo
Cunha (PMDB-RJ) envolvia apenas dois pontos - a assinatura de seis
decretos de crédito adicional e as pedaladas fiscais envolvendo crédito
rural - qualquer outro ponto levantado, como menções genéricas à
Operação Lava Jato ou a delações premiadas, não deveria ser considerado e
tampouco debatidos pela comissão.
Cardozo
ainda apela para argumentos processuais para pedir a anulação do
processo de impeachment, como o fato de Dilma Rousseff não ter sido
notificada depois que a comissão do impeachment pediu "esclarecimentos"
sobre a denúncia, diz que o princípio do contraditório e ampla defesa
foi violado e afirma que a comissão especial do impeachment teria de
respeitar um "conjunto mínimo de garantias", já que suas conclusões
sobre o destino da presidente Dilma Rousseff não se esgotam ali e serão
levadas em conta pelo Plenário da Casa. "Não se pode negar que o
procedimento em curso [na comissão especial] já é capaz de constituir
atos que influenciarão irremediavelmente as conclusões que podem levar,
ao final, à aplicação das mais graves sanções, que, em verdade, vão além
da pessoa da investigada, uma vez que atingem a própria organização das
instituições democráticas", diz.
O
processo de impeachment contra Dilma foi apresentado pelos juristas
Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr e Janaína Paschoal e está baseado na
acusação de que o governo promoveu uma verdadeira maquiagem contábil nas
contas públicas, escondendo da população a grave situação financeira da
administração pública. A contabilidade criativa foi levada a cabo com
as chamadas pedaladas fiscais, consolidadas, por exemplo, por meio da
edição de decretos não numerados com liberação de créditos
orçamentários. Este foi o principal argumento utilizado pelo presidente
da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha para aceitar a denúncia contra a
presidente Dilma. A prática de pedaladas fiscais viola a Lei de
Responsabilidade Fiscal, que proíbe que instituições como o BNDES e a
Caixa financiem seu controlador - neste caso, o governo.
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