É
provável que em uma roda de conversa na qual o assunto em questão fosse
o vice-presidente Michel Temer, alguém se saísse com pelo menos uma das
seguintes análises de sua personalidade: “ponderado”, “político de
bastidor”, “pouco afeito a arroubos”, “cauteloso”, “plácido”, “formal”,
“sóbrio”, “homem que confirma, mas não faz o lance” e “alguém que
caminha ao lado do mais forte”. Em um perfil de 2010, publicado na revista Piauí,
pouco antes de Temer virar vice-presidente, seu sorriso metálico foi
definido pela jornalista Consuelo Dieguez como seu “traço de expressão
mais eloquente”.
A
imagem de Temer comumente feita por analistas, jornalistas, políticos e
cientistas sociais, contudo, não guarda nenhuma semelhança com a
persona política que ficou evidente através do conteúdo da carta enviada por ele (e vazada talvez nunca saibamos ao certo por quem) à presidenta Dilma Rousseff.
Só que se o fato for tratado apenas como algo atípico, não estará se
levando em conta o histórico de decisões de Temer e nem o fato de que,
apesar de ser tido como alguém que trabalha por trás das cortinas, ele é
um homem de 75 anos, ambicioso, que nunca teve votações muito
expressivas e que agora tem a possibilidade, mais real do que nunca
neste momento, de acabar com a faixa de presidente da República
atravessada no peito. Alguns interpretam que ele já a vestiu de fato há
algumas semanas, diante de seus últimos passos, que culminaram com a
exposição da missiva.
Para um interlocutor próximo a Temer, a
carta – que ele disse ter sido vazada em parte pelo Governo e, depois,
na íntegra pelo vice – não deixa dúvidas: ele já comprou a tese do impeachment de Dilma,
construiu um discurso constitucional sobre o assunto e não arreda mais
pé. “Ele não é de arroubos, nem de jogar para plateia. Quando decide,
decide e pronto”, disse.
Dois episódios anteriores seriam
fundamentais para entender essa leitura. Em 2002, a chamada banda do
Senado do PMDB, representada por Renan Calheiros, apoiou a candidatura
de Lula. Grandes caciques do partido seguiram o movimento. Temer, da
Câmara, ficou com os tucanos, colocando Rita Camata como vice de José
Serra (PSDB). Em 2005, no pior momento do chamado mensalão, o PMDB se
aproximou do ex-presidente e, em 2007, Michel Temer foi fundamental para
que o partido passasse a integrar oficialmente o governo. Segundo o
interlocutor do vice, ao lado desses dois episódios chave, estaria,
agora, a carta.
Se faltam a Temer rompantes políticos, sobram-lhe
os de poeta. Capaz de recitar versos de Castro Alves de cabeça, o
vice-presidente lançou, em 2013, o livro de poemas Anônima Intimidade.
"Escrever é expor-se./ Revelar sua capacidade/ Ou incapacidade./ E sua
intimidade./ Nas linhas e entrelinhas./ Não teria sido mais útil
silenciar?", escreveu na poesia "Exposição". Para alguns, os arroubos de
escritor seriam um sinal, ainda que folclórico, de outro traço de
Temer: a vaidade, que também escapuliu, só que de outro modo, em entrevista desta terça-feira a Jorge Bastos Moreno, de O Globo.
Nela, ele justifica suas últimas ações indagando: "O que o Supremo não
pensaria de mim?", em referência às declarações do Ministro Jaques
Wagner de que "assim como nós, Temer não vê lastro jurídico" no pedido
de impeachment. Desse modo, o papel de constitucionalista, que ele tanto
cultiva, poderia ser colocado em dúvida. A carta, portanto, seria um
modo de se defender.
Legítimas ou não, as ações de Temer serviram
de brecha para reações. Uma delas veio de um dos mais interessados no
posto de Presidente da República, o senador Aécio Neves (PSDB). Segundo O Estado de S. Paulo, o tucano criticou,
também nessa terça-feira, o tom "fisiológico" usado por Temer no
documento. "Talvez fosse mais apropriado discutir na carta mais questões
do País que assuntos de caráter pessoal e interno. Acho que houve ali
um destaque excessivo para nomeação ou ausência de nomeações".
Com
1,70 metros, magro e de postura ereta, a figura de Temer passa
exatamente a imagem que tantos têm dele: uma pessoa sóbria, pouco dada a
extravagâncias. Pai de cinco filhos, é casado com Marcela, 42 anos mais
nova que ele, com quem tem um menino de 5 anos, o Michelzinho. No
perfil publicado na Piauí, ele foi definido por Geddel Vieira
Lima, ex-ministro da Integração Nacional do Brasil, como alguém que é
“ousado apenas nas conquistas amorosas”. A fama de austero talvez seja
um dos motivos do por que do significado da carta ainda não ser uma
certeza.
“Com essa carta ele ainda está indo para cima do muro,
não é uma total tomada de posição. O que acontecer a partir de agora,
aconteceu, afinal, essa é a única chance de ele ser presidente do Brasil
em todos os tempos, mas ele não é o cara que criou o impeachment. As
coisas vão caindo no colo dele e ele vai agindo", comenta o psicanalista
Tales Ab’ Sáber, que já escreveu livros trançando os perfis políticos e
psicológicos de Rousseff e do ex-presidente Lula. Para uma fonte ligada
ao PT, a carta não é, de fato, um atestado definitivo pró-impeachment.
Os sinais de que um movimento mais brusco e muito significativo estava
por vir, contudo, não são de hoje.
Primeiro foi o comentário feito a jornalistas de que o Brasil precisava de alguém capaz de ‘reunificar a todos’, em agosto.
Depois, em setembro, a opinião, expressa em uma palestra ao
empresariado de São Paulo, de que a presidenta dificilmente chegaria ao
final do mandato se sua popularidade continuasse em 7%, 8%. Por fim, mais recentemente, o fato de ele ter ignorado o plano proposto por Renal Calheiros, batizado de Agenda Brasil, de recuperação da economia, e ter lançado, pela Fundação Ulysses Guimarães, o documento “Uma Ponte Para o Futuro” com propostas econômicas para o país.
Segundo
essa mesma fonte, o que Temer está tentando fazer é criar ao seu redor a
imagem de que ele seria essa figura capaz de unificar o Brasil.
“Esquece-se, no entanto, de que Rousseff não é Collor, que o PT ainda
tem forças para atrair a esquerda em um discurso pró-legalidade, que o
Governo conta com apoio de uma maioria de governadores, que declarações
importantes, como a dada por Roberto Setubal – presidente do Itaú Unibanco, que disse em agosto defender a permanência de Dilma no cargo – contam muito.” Além disso, ainda há o PMDB, com suas divisões internas e turbulências.
Em seu site, o cientista político Rudá Ricci, publicou texto em que a carta é tratada como uma reação a um movimento positivo ao redor do Governo
– iniciado já no final da semana passada com apoio de instituições
políticas e sociais. Para ele, esta terça seria o dia para se ter
“alguma noção do poder de fogo do lado de lá”, referindo-se a Temer. Se a
reação ficasse apenas na carta, tudo não passaria de um “blefe da
oposição”. Como resposta, no final do dia, a bancada pró-impeachment
obteve uma vitória ao colocar uma maioria de deputados anti-Dilma na
comissão que avaliará o processo de impedimento - vitória que, no
entanto, já foi suspensa pelo STF para que se possa analisar manobras
pouco ortodoxas usadas por Eduardo Cunha (PMDB) na votação.
Por
enquanto, contudo, nem o Governo bateu a porta na cara de Temer – em um
movimento que pode indicar a ação dos ministros Jaques Wagner, da Casa
Civil, e Edinho Silva, da Comunicação –, nem Temer bateu a porta na cara
do Governo. Apesar do teste de forças, avalia a fonte ligada ao PT,
ainda há portas abertas. Para o cientista político Claudio Couto,
contudo, a missiva é só mais uma amostra da confusão do Governo. "Ainda
que a com a entrada de Jaques Wagner a situação política tenha
melhorado, o Governo é muito inábil politicamente, não soube lidar e nem
usar a figura do próprio vice-presidente".
Recentemente, em um
almoço de Temer com vários personagens políticos, uma pessoa o
cumprimentou chamando-o de “presidente”. Claro, o epíteto usado pode não
passar de uma referência à presidência do PMDB, também exercida por
ele. Mas se, como disse Consuelo Dieguez, o sorriso do vice-presidente é
um índice de sua eloquência, há que se ficar atento aos seus dentes nos
próximos dias. Talvez eles sejam a melhor medida do que pretende Michel
Temer.
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