A surpreendente
carta do vice-presidente Michel Temer à presidente Dilma Rousseff –
levando em conta o perfil em geral mais contido do peemedebista –
poderia soar como um anúncio de ruptura do PMDB com o governo. Poderia,
se não fosse o PMDB mais uma colcha de lideranças com interesses
diversos do que um partido coeso em torno de interesses e ideais claros.
O
partido que hoje preside e tem as maiores bancadas da Câmara e do
Senado, o maior número de governadores (sete) e elegeu em 2012 o maior
número de prefeitos (1.024, ou 18,4% do total) será o fiel da balança na
definição do processo de impeachment – e, ao menos por enquanto, não
parece, segundo analistas, pender completamente para o lado da cassação
da presidente, embora a carta seja interpretada por muitos como um
início de rompimento de Temer com Dilma, a quem sucederia no Palácio do
Planalto no caso de impeachment.
Na
carta enviada a Dilma na segunda-feira, Temer diz que foi menosprezado
pela presidente, que ele e o PMDB nunca receberam sua confiança nem
foram chamados para "discutir formulações econômicas ou políticas do
país". Ele também se queixou diretamente sobre a exclusão de nomes
ligados a ele de cargos importantes no governo.
Na
avaliação de analistas ouvidos pela BBC Brasil, o PMDB se mostra divido
e é difícil prever, ainda no início do processo de tramitação do
impeachment, que decisão prevalecerá.
"Está
mais do que evidente que o futuro do processo de impeachment passa pelo
PMDB. Ele que vai ser o fiel da balança nesse jogo, não só pelo número
de deputados que tem, mas também pela interlocução que o partido tem com
grupos empresariais, com a própria burocracia do Estado, o fato de ter
muitos governadores", observa o cientista político Geraldo Tadeu
Monteiro, diretor do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio
de Janeiro).
"Essa queda de braço dentro do partido de alguma maneira vai selar o destino do processo de impeachment", resume.
Quem perdeu mais?
Embora
veja como principal efeito da correspondência de Temer à Dilma uma
possível "carta branca" para que o PMDB vote a favor do impeachment, o
cientista político Claudio Couto, professor da FGV, diz ser difícil
prever se ela vai levar a "uma debandada" ou não, pois será preciso
medir, com os acontecimentos, "a dimensão do racha".
"Alguns
ministros (peemedebistas), tirando o caso do (Eliseu) Padilha, não
demonstraram nenhuma intenção de deixar o governo. O que mostra que
ainda existe uma ala do PMDB que pelo jeito prefere ficar onde está,
pelo menos até agora."
Aliado
de Temer, Padilha deixou o cargo de ministro da Aviação Civil na semana
passada, logo após a deflagração do trâmite de impeachment pelo
presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Nesta terça-feira, porém, ele minimizou a repercussão da carta e disse que ela não foi um rompimento com o governo.
"A
carta é muito expressiva no sentido de que o PMDB não participou da
formulação política e econômica do governo. Mas é uma 'DR', uma
discussão da relação. Depois disso, volta-se a uma relação mais próxima
ou a uma mais distante. Agora, institucionalmente, a relação se
manterá", disse Padilha.
Os
analistas ouvidos pela BBC Brasil se dividem sobre quem perdeu mais com a
divulgação da carta, se governo ou Temer. Nos bastidores de Brasília,
fala-se que foi a Casa Civil que vazou o documento.
Para
Monteiro, o teor da carta "pegou mal" para o vice. "Fico impressionado
como um homem com a experiência do Michel Temer faz uma carta dessa,
pois o risco de ser vazada era muito grande. Parece que ele não tem
outro objetivo a não ser cargo e influência política".
Já
na visão de Couto, o governo que saiu prejudicado com a divulgação da
carta, pois tornou mais difícil qualquer reaproximação com Temer. "Vejo
isso mais como um prejuízo para o governo, que se mostra mais isolado. E
fica, de alguma maneira, exposta a sua incompetência política ao longo
dos últimos anos no que diz respeito a cultivar seu principal aliado."
'Pano de fundo'
O
cientista político Rafael Moreira, que estuda o PMDB em seu doutorado
pela USP, diz que achou estranho o teor da carta de Temer cobrando mais
participação nas decisões de governo. Na sua percepção, o partido sempre
optou por atuar no "pano de fundo da política nacional". E muitas
lideranças estão confortáveis com isso, diz.
"Nunca
quiseram estar na linha de frente. Eles nunca questionaram o fato de
não serem consultados (sobre as políticas de governo). Foi benéfico não
ser consultado, pois assim não ficam com a responsabilidade (dos
problemas)".
"O partido está
muito divido, mas acho que hoje tende mais para o governo. Acredito que
uma parcela (das lideranças do PMDB) tem essa leitura de que é muito
confortável (ficar em segundo plano) e que seria até difícil para eles
enfrentar a missão de assumir a Presidência numa situação de crise
econômica", pondera Moreira.
Tadeu
Monteiro também vê mais peemedebistas do lado da continuidade da
presidente do que a favor de um impeachment. Ele ressalta, porém, que
isso "não é um quadro definitivo" e que uma pressão maior das ruas
poderia virar o jogo contra Dilma.
Nesse
sentido, as manifestações convocadas por movimentos antigoverno para o
dia 13 podem ser um termômetro disso. Por hora, ressalta o diretor do
Iuperj, as mobilizações para esses protestos parecem tímidas.
"À
medida que as ruas não falem, o jogo vai ficar todo no nível das
cúpulas partidárias. O que eu acho que vai decidir não é o argumento
jurídico, é o cálculo político pragmático. Até porque há argumento
(jurídico) para ambos os lados", acrescenta.
Rio, o 'bastião anti-impeachment'
O
bastião anti-impeachment dentro do partido hoje é claramente o PMDB do
Rio, notam os analistas. E o PMDB fluminense tem um peso grande.
A
maior bancada na Câmara Federal vem do Rio: são nove dos 65 deputados
peemedebistas. Além disso, desde 2003 o partido governa o Estado,
primeiro com Sérgio Cabral e agora com Luiz Fernando Pezão. Já a capital
está nas mãos de Eduardo Paes desde 2009.
O
líder do partido na Câmara, Leonardo Picciani, se converteu em grande
aliado da presidente após ter sido prestigiado na definição dos novos
ministros do PMDB na reforma ministerial de outubro.
Entre as lideranças da legenda no Rio, hoje Eduardo Cunha está isolado na sua posição contrária ao governo.
"É
uma aliança proveitosa para o governo do Estado", nota Monteiro,
destacando o grande aumento no repasse de verbas federais para o Rio
após a aliança PMDB-Lula.
"Pezão
se aproximou da Dilma ainda no governo Sérgio Cabral. Ela era a
gerentona do PAC e ele, o secretário de Obras. As verbas federais
fluíram. É claro que há uma dívida de gratidão política do PMDB do Rio
com a presidente Dilma", observa.
O
diretor do Iuperj não descarta a hipótese de um acordo que possa estar
sendo costurado nos bastidores: o apoio de Lula à candidatura de Paes à
Presidência em 2018.
"Nada garante que Lula vai ser candidato se as chances de perder forem altas", observa.
"É
um cálculo que dependerá do desgaste do governo e do PT até 2018",
concorda Moreira, ressaltando, porém, que o PMDB não tem tradição em
lançar candidatos à Presidência e costuma optar por compor chapas com
outros partidos.
Outras
lideranças do partido parecem divididas. No ponto mais radical contra
Dilma, estão também o cacique baiano Geddel Vieira Lima e seu irmão, o
deputado Lucio Vieira Lima.
Já
o presidente do Senado, Renan Calheiros, tem se portado como aliado,
mas teve momentos de rusgas com o governo no início do ano.
O
ex-presidente José Sarney se tornou próximo de Lula nos últimos anos,
enquanto Jader Barbalho, liderança do Pará, emplacou o filho Helder
Barbalho primeiro como ministro da Pesca e, após a reforma, dos Portos.
*Colaborou Adriano Brito, da BBC Brasil em São Paulo
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